Com o espetáculo “SIM SIM SIM”, Zé Ibarra, Julia Mestre, Dora Morelenbaum e Lucas Nunes estacionaram a kombi do Bala Desejo em Fortaleza, no dia 23 de julho. Depois do show, Marina Mendonça e João Gabriel Coelho conversaram com Julia Mestre e Olivia Munhoz sobre o espetáculo, a construção visual e o processo criativo da obra, no camarim do Cineteatro São Luiz. Parte desse papo foi ao ar no programa Brasil Novos Sons, dia 25 de agosto e, aqui, você lê, na íntegra, a entrevista conduzida por Marina Mendonça e João Gabriel Coelho.
Marina Mendonça: Como vocês sentiram a recepção do público de Fortaleza?
Olívia Munhoz: “Eu fico num lugar muito diferente deles espacialmente, né? Eu fico numa ponta do teatro e eles na outra, então é como se toda a energia do público tivesse sendo jogada pro palco. Um efeito comum, uma onda que vai até eles, e é uma troca com o público, uma via de mão dupla. Acho que é muito interessante quando a gente chega em algum lugar [...] e é um público que veio pra assistir o show do Bala Desejo. É como se o público abrisse um pouquinho de outras portinhas de percepções, sabe? Pra escutar os meninos solando, pra sacar luz, pra entender movimentos cênicos… Então, é como se o público desse um suporte pra obra que a gente criou, pro espetáculo que a gente criou, e aí isso vai estimulando e soltando mais a mão.
Julia Mestre: “Nossa, eu sinto que hoje foi a primeira vez que a gente tocou em Fortaleza, a gente veio no ano passado pra tocar no Festival Zepelim [...]. A gente foi convidado e só tivemos 30 minutos pro show, e pra gente que o disco tem umas faixas longas, a gente não conseguiu apresentar direito o que é o álbum e o projeto por inteiro. Então, talvez ter voltado agora, com o disco mais mudado, eu senti que o público tava com gana de assistir e, abrindo muito o coração assim, foi uma das plateias mais emocionantes da história de shows do Bala Desejo. Uma curiosidade bonita que aconteceu é que tem a primeira música (Embala pra Viagem) mais instrumental, e a gente começa com Lua Comanche. E aí tem uns personagens que vão aparecendo, a Olívia vai jogando umas cores ali na entrada de cada um. E eu senti hoje que, nunca tinha acontecido antes, o público foi comemorando a entrada desses personagens. Quando o Zé entrou, depois eu entrei, a Dora e aí o Lucas…Foi muito legal, como se conhecessem não só a banda, mas como se já gostassem de cada um, esperando com vontade o que vai acontecer.”
MM: Olívia, na faixa “Nesse Sofá”, o final remete a um aspecto psicodélico. Como foi o processo de criação?
Olívia: “Eu acho que é um show que ele pede. Eu acompanho a dinâmica deles, acho que tem essa característica já do disco, de faixas com suas próprias personas e qualidade, e acho que o momento de selecionar e distribuir quais vão ser os climas dessas faixas a partir do que eles propõe musicalmente. Tudo o que crio é escutando o que eles tão fazendo. Posso até tentar estruturar tudo de um jeito mais cênico, num objetivo técnico, mas na hora da emoção, a coisa flui. Um finalzão catártico tem que ser um finalzão catártico. É por aí.”
MM: Aproveitando a presença das duas, como é montar a iluminação da Júlia, que roda o teatro inteiro?
Olívia: “Deus é mais… (entre risadas) fico pensando ‘a Julia tá girando, a Julia tá girando, deixa ela lá’. Se ela quer girar ela vai girar tudo certo. É que já foram muitos shows, e aí eu entendi também que quando ela quer tá na luz, ela sabe onde a luz tá. Assim como Dora, como Lucas, como Zé. Todos eles sabem quais são as marcações deles, e às vezes eles querem sair porque querem mesmo, querem ir mais pro fundo, querem ficar fora, querem viver o momento ali deles no meio da experiência de cada show. E eu acho que é uma coisa de que não dá pra ficar forçando eles a terem luz o tempo todo, se não a gente vai ficar numa guerra o show inteiro. De ascender geral, tirar geral, bota foco, tira foco. Então, tem shows que eles ficam ali mais comportadinhos e tem show que vai cada um prum canto mesmo, e tem que confiar”.
João Coelho -Julia, é notório a existência de muita referência dentro do som de vocês. Às vezes, muitos artistas têm dificuldade em saber medir o espaço entre o que é referência e o que é original. Vocês fazem um tipo de antropofagia musical, como vocês fazem para a referência não dominar a originalidade?
Julia: “Acho que só a ideia de juntar quatro artistas nesse primeiro início do disco, que foi a composição, e depois a gente chamou músicos que a gente já admirava muito… Eu acho que, só por juntar essas pessoas agora, a gente já consegue trazer talvez uma novidade de um som que tem referência aos anos 20. Mas, claro, sempre as referências estão, porque a gente só cria porque a gente escuta muita música desde pequeno, indo a shows e o sonho de talvez fazer música, ouvindo aqueles primeiros discos… Então, você vê ali que tem referência, mas eu sinto que cada música que foi criada já foi de forma natural e cada um foi trazendo o que já brotava, acho que formou uma nova cara. Não sei se isso tem nome, mas… é Bala Desejo.”
MM: A última faixa do disco propõe a apresentação da ficha técnica. Acredito que a construção do disco teve participação das próprias referências de vocês. De onde surgiu a ideia e como foi transformar isso em uma faixa?
Júlia: “Então, o disco foi gravado todo ao vivo. Eu acho que esse é o maior barato do disco e talvez é o que remete a estética setentista, mas não é porque seja uma estética setentista. É porque talvez antes tinha o costume de se gravar ao vivo, se juntava a banda e captava aquele momento do agora, como você tem no show, então tinha aquela energia pulsante de coisas que talvez só aconteciam naquela gravação. Hoje, a gente encontra outras formas, muito pela revolução tecnológica: vários programas e mais a oportunidade de poder gravar longe. Mas é uma coisa que a gente acaba se distanciando, as vezes você grava a bateria com uma pessoa que tá numa cidade, o baixo em outra e aí você não tem mais aquela sensação que acontece no momento. Então o disco do Bala Desejo conseguiu reunir esses músicos e gravou todos eles num estúdio [...] e aí a estética do disco se forma nesse momento, da gente realmente captar aquele momento e talvez por isso o show ao vivo pulsa tanto, porque é uma conversa, sempre.
Sobre a faixa técnica a gente, no momento de interação sempre ficava brincando [..], a gente sempre levou na brincadeira, mas levando também muito a sério os ensaios pra levantar o disco. Nisso, um dia assim pós almoço, meio na leseira e querendo café pra voltar a gravar, a gente começou a fazer a versão de “Muito Só” só que num funk, uma brincadeira ali. Aí a gente ficou com aquela gravação ali salva e seguimos o disco, gravando e tal. Mas uma coisa que a gente sempre conversava e é uma crítica que a gente tem às plataformas de música: não existe ficha técnica. Se você abre qualquer plataforma de música, você tem o crédito ali do compositor, da produtora, nome da faixa, mas não tem quem participou, quem topou aquela faixa, e acho que isso acaba sendo um desrespeito. Você não consegue talvez acompanhar aquele músico que voce admira, que você gostaria de ouvir em outras faixas e tal. Então hoje em dia, se você quer procurar alguém, você tem que ir na plataforma de video, na descrição, uma coisa que acaba não fazendo sentido. Acho que existe, não sei, uma preguiça não colocar esses nomes. Daí a gente pensou nisso: “Então, se não tem, vamo colocar uma faixa que a gente fale o nome de todo mundo que participou”. E, na verdade, a gente lançou o disco em dois momentos, “Lado A” e "Lado B”. Depois, a gente quis lançar o disco inteiro nas plataformas e aí a nossa distribuidora falou: “Olha é muito difícil vocês poderem relançar um produto sem ter uma novidade”. Então tá, se vocês querem uma novidade, vamos criar uma faixa técnica."
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Ao finalizar a entrevista, com Ailime Cortat já puxando a orelha para o encerramento devido ao cansaço dos artistas, Olívia e Julia recordaram com ar nostálgico sobre a cidade e falaram mais sobre o público cearense. Com passagens pelo Theatro José de Alencar e Cine São Luiz, ao fazer a iluminação do show de Tim Bernardes e do trio O Terno, Olívia relembra:
"Fizemos um dele (Tim Bernardes) aqui e lembro que foi muito legal, tenho registros muito especiais. E quando eu vi que seria aqui (Cine São Luiz) eu não lembrava da arquitetura do teatro, mas eu lembrava que era muito massa, que tudo tinha dado muito certo. Então eu vim com uma confiança [...] e acho muito especial a gente trabalhar em teatros públicos. Achei muito impactante como o público ainda utiliza esses espaços e tem esse ânimo".
Julia Mestre encerrou mandando um recado pro público alencarino, contando sobre a receptividade e deixando desejo e admiração instalados:
"Hoje aconteceu uma coisa muito especial, quando chegamos no aeroporto fomos recebidos por dois meninos [...] com o vinil do Bala Desejo e essa foi a primeira vez que a gente foi recebido no aeroporto. Então já começamos de um jeitinho que a gente sabia que nesta cidade de Fortaleza a gente já receberia muito carinho, sabendo que tinha gente desejando pelo nosso show. E a gente tá vindo numa batida de shows que a gente percebe como é importante ter a troca com público pra fazer nosso show viver. [...] O povo de Fortaleza tem muita garra, tem muita gana e luta muito pelos seus desejos, pela sua paixão. Então que continue assim, correndo atrás, fazendo o movimento acontecer. Espero que isso brote muitas coisas e que cada vez mais Fortaleza seja uma cidade que pulse tanto amor, carinho e arte."
Entrevista realizada pelos estudantes Marina Mendonça e João Coelho
Ouça trechos da entrevista no Especial Bala Desejo do programa Brasil Novos Sons: