23/06/17

Mês do Orgulho LGBT: tempo de memória e luta

Mais amor e respeito à diversidade: uma das principais pautas dos movimentos LGBT (Foto: Shutterstock)

A 18ª Parada pela Diversidade Sexual do Ceará está marcada para o próximo domingo (25) na capital do Estado. O evento se junta a várias outras marchas e celebrações que devem ocorrer até o fim do mês de junho em outras cidades do mundo. Toda essa programação faz parte do Mês do Orgulho LGBT, celebrado no mundo inteiro de diversas formas, mas com um só propósito: expor o orgulho e a resistência de ser LGBT.

Mas como começaram as primeiras paradas LGBT? E por que junho é o mês escolhido para realizá-las? As origens desses eventos fazem parte de uma longa história de lutas e reivindicações por direitos que, por muito tempo, foram negados (e ainda são) à comunidade LGBT por puro preconceito.

Origens

Os primeiros movimentos de liberação da comunidade LGBT datam dos anos 1960, com as manifestações que ficaram conhecidas como Annual Reminders. Organizadas pela Daughters of Bilitis e pela Mattachine Society, duas organizações em defesas dos direitos dos gays e lésbicas dos Estados Unidos, estas manifestações ocorreram de 1965 a 1968, no Hall da Independência, na Filadélfia, nos Estados Unidos. O principal objetivo dos manifestantes era lembrar aos norte-americanos que uma parte da população tinha seus direitos básicos privados pelo governo.

Porém, foi apenas em 1969 que os movimentos ganharam caráter mais combativo. Em 28 de junho, policiais invadiram o bar Stonewall Inn, em Manhattan, Nova Iorque e abordaram de forma hostil diversas pessoas que estavam no local naquele momento. Insatisfeitos, gays, lésbicas, crosdressers* e garotos de programa responderam o tratamento de forma agressiva. Daquele dia em diante, diversas manifestações ocorreram na região como uma forma de protestar o abuso das autoridades policiais.

Em 1970, no aniversário de um ano das manifestações do Stonewall Inn, uma marcha aconteceu em Nova Iorque, percorrendo 51 quarteirões. Nos dias que seguiram, três outras cidades estadunidenses - Los Angeles, Chicago e São Francisco - realizaram seus primeiros eventos de orgulho LGBT. Desde então, as paradas se espalharam pelo mundo, ganhando conotações distintas dependendo dos países onde ocorrem. Em nações africanas ou latino-americanas, as manifestações permanecem com o objetivo muito forte de reivindicar reconhecimento e direitos. Em outros locais, como na Austrália, a parada é realizada como uma forma de celebrar o Orgulho LGBT e as conquistas já alcançadas.

A Christopher Street Gay Liberation Day aconteceu em 1970, em Nova Iorque e é considerada um marco na luta LGBT (Foto: Reprodução/Internet)

A Christopher Street Gay Liberation Day aconteceu em 1970, em Nova Iorque, e é considerada um marco na luta LGBT (Foto: Reprodução/Internet)


*Pessoas que vestem roupas ou adereços comumente atrelados ao sexo oposto. Não está ligado à transexualidade.

O símbolo

A história da bandeira LGBT tem início com a força que os movimentos ganhavam nos Estados Unidos nos anos 1970. Ao longo de sua trajetória, a bandeira passou por diversas edições e recortes, mas sempre manteu sua principal mensagem: a diversidade da comunidade LGBT. Ela foi criada por Gilbert Baker, um ativista gay, depois de um pedido feito por Harvey Milk - o primeiro homem abertamente gay a ser eleito para um cargo público na Califórnia.

Originalmente, a bandeira tinha oito cores e todas representavam algo: rosa para sexualidade, vermelho para vida, laranja para cura, amarelo para o sol, verde para a natureza, turquesa para arte, índigo para harmonia e violeta para espiritualidade. Ela foi usada pela primeira vez em 25 de junho de 1978, na Parada do Dia da Liberdade Gay de São Francisco (atualmente Parada do Orgulho e Celebração LGBT de São Francisco). Posteriormente, duas outras versões da bandeira foram produzidas: uma com sete cores e outra com seis, sendo esta última a bandeira mais usada como símbolo da comunidade LGBT.

Recentemente, o Escritório de Assuntos LGBT da Filadélfia idealizou uma nova bandeira para o movimento. A proposta adiciona o preto e o marrom à bandeira de seis cores para representar as diferentes etnias que existem dentro da comunidade LGBT. A bandeira foi inaugurada no primeiro evento do Mês do Orgulho LGBT da cidade, em 8 de junho deste ano.

Estreia da nova bandeira LGBT no evento de inauguração do Mês do Orgulho LGBT de Filadélfia. (Foto: Reprodução/Internet)

Estreia da nova bandeira LGBT, em evento que marcou o início das celebrações do Mês do Orgulho LGBT 2017 na Filadélfia, Estados Unidos (Foto: Reprodução/Internet)

E no Brasil?

Em terras brasileiras, as paradas só chegaram muito tempo depois e após muita luta. Em 1995, a Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersex (Ilga) terminou sua 17ª conferência no Rio de Janeiro com uma pequena marcha na praia de Copacabana. Um ano depois, cerca de 500 pessoas se reuniram na Praça Roosevelt, em São Paulo, para reivindicar direitos para a comunidade LGBT. A partir desse momento, as articulações para montar um evento cada vez maior ganharam força e, em 28 de junho de 1997, a 1ª Parada LGBT tomou conta da Avenida Paulista em São Paulo. Na época, duas mil pessoas compareceram à parada e atualmente ela recebe cerca de quatro milhões de pessoas.

A 21ª Parada LGBT de São Paulo reuniu protestos contra Vladimir Putin, Donald Trump e os militares brasileiros. (Foto: Nelson Antoine/AP)

A 21ª Parada LGBT de São Paulo reuniu, este ano, protestos contra Vladimir Putin, Donald Trump e os militares brasileiros (Foto: Nelson Antoine/AP)

A influência do evento percorreu o país inteiro e impulsionou as demais comunidades LGBTs de outros estados a fazerem o mesmo. A primeira parada de Fortaleza ocorreu em 1999, na Avenida Beira Mar e reuniu cerca de 500 pessoas. A próxima edição está programada para este domingo (25), e o Grupo de Resistência Asa Branca (GRAB), organizador do evento, estima que 1 milhão de pessoas participem da 18ª Parada pela Diversidade Sexual do Ceará.

Apesar de celebrar o orgulho LGBT e os avanços feitos na luta por mais direitos, as paradas funcionam também como uma forma de resistência a alguns retrocessos. Em abril deste ano, o Ministério da Educação (MEC) retirou da Base Nacional Comum Curricular os termos "orientação sexual" e "identidade de gênero" de alguns trechos e a LGBTfobia como um dos preconceitos a serem combatidos dentro da escola. Ari Areia, ator, jornalista e militante dos direitos humanos,  classificou a atitude como "perigosa". Além disso, explica que grande parte da população LGBT abandona a educação por não se sentirem confortáveis o suficiente, acarretando diversos problemas no futuro. "A escola tem que abraçar e acolher todos os indivíduos", comenta.

Para além disso, a comunidade enfrenta ainda outras pautas mais específicas. No dia 15 de fevereiro de 2017, no bairro Bom Jardim, em Fortaleza, a travesti Dandara dos Santos foi espancada com socos, chutes e golpes com madeira e, em seguida, morta a tiros. O caso ganhou repercussão após o compartilhamento nas redes sociais do vídeo gravado pelos próprios agressores. Casos como esse evidenciam o problema da transfobia no Brasil e as falhas do governo, principalmente no que concerne a segurança pública da população trans e travesti. Segundo dados do Grupo Gay da Bahia, o Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo. De 347 mortes LGBTs que ocorreram ano passado no país, 144 foram de pessoas trans e travestis.

"Falar do movimento LGBT é falar de um movimento muito extenso", declara Kaio Lemos, pesquisador-científico da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB) e conselheiro da Associação Transmasculina do Ceará (Atrans-CE). Para ele, a comunidade trans possui questões mais particulares por sofrerem outros tipos de violências. "Existem pautas mais gerais como violência e segurança pública e outras mais específicas, como a saúde pública e o nome social", relata.

16ª edição da Parada Pela Diversidade Sexual do Ceará ocorreu em 2011 em Fortaleza. (Foto: GRAB/Divulgação)

Pessoas lotaram a Avenida Beira-Mar na Parada Pela Diversidade Sexual do Ceará em 2011 (Foto: GRAB/Divulgação)

O protagonismo das mulheres

Outra questão importante dentro do movimento é a representatividade bissexual dentro da comunidade. Milena Santiago, estudante de jornalismo da Universidade de Fortaleza (Unifor) relata que a parcela bi é bastante invisibilizada pelas outras siglas do movimento, e a falta de informação é uma das principais causas para isso. "O senso comum tende a pensar que pessoas bis obrigatoriamente mantém relações sexuais com os dois gêneros ao mesmo tempo ou que têm mais chances de traírem seus parceiros", ela acrescenta se referindo à imagem de perversão comumente ligada aos bissexuais.

Essa representatividade também é pouco vista na mídia e em outras expressões artísticas."A gente pode ver, nesse boom de apropriação do capitalismo do discurso da 'diversidade', uma tentativa de apresentar, discutir e, por vezes, até desconstruir a problemática trans, mas é muito difícil ver a mesma tentativa acontecer com a pauta dos bissexuais", comenta.

A ilustradora Beliza Buzollo levanta outra questão: a participação masculina dentro do movimento ainda é muito forte. "A gente brinca que é o movimento GGGG porque o protagonismo do homem gay ainda supera bastante o da mulher lésbica", relata. Beliza explica que as mulheres lésbicas sofrem apagamentos tanto dentro quanto fora da comunidade, principalmente por causa da falta de informação. "Infelizmente [a sexualidade lésbica]  é tabu porque o sexo lésbico é visto só como fetiche, não é colocado no contexto de pessoas normais", afirma.

13ª edição da Caminhada de Lésbicas e Bissexuais de São Paulo que ocorreu em 2015 contou com participação de mulheres trans e travestis pela primeira vez. (Foto: Ennio Brauns)

13ª edição da Caminhada de Lésbicas e Bissexuais de São Paulo que ocorreu em 2015 contou com participação de mulheres trans e travestis pela primeira vez (Foto: Ennio Brauns)

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