Ir ao cinema é a principal atividade cultural dos habitantes de Fortaleza e outras 11 capitais brasileiras. É o que aponta o levantamento Cultura nas Capitais, divulgado ano passado pela empresa de consultoria JLeiva Cultura e Esporte, em parceria com o Instituto Datafolha.
Mesmo assim, algumas pessoas encontram dificuldades para assistir filmes nas salas de cinema por todo o país. Esse é o caso dos deficientes auditivos e visuais que muitas vezes são impedidos de participar desses espaços por falta de acessibilidade. Por esse motivo, o Ministério Público Federal (MPF) de São Paulo, através da Procuradoria Regional dos Direitos dos Cidadãos, determinou que, até janeiro de 2020, todos os cinemas brasileiros devem garantir recursos acessíveis para a comunidade surda e para as pessoas com algum grau de cegueira.
Paulo Roberto possui baixa visão e é coordenador do projeto Visão Musical - uma banda formada por integrantes cegos que compõem, cantam e interpretam - e do grupo de teatro Olho Mágico, ambos do Instituto dos Cegos do Ceará. Ele comenta sobre as dificuldades que encontra ao procurar sessões cinematográficas:
"Quando se fala em acessibilidade em equipamento cultural, eu considero que a pessoa vai encontrar acessibilidade a partir da sua casa até chegar ao local onde vai apreciar o espetáculo. Poder chegar com independência e autonomia no local, na bilheteria, no seu assento. Aqui em Fortaleza, tem muitas dificuldades disso ainda, de encontrar pessoas na bilheteria habilitadas a lidar com deficiente visual, porque ela precisa dessa assessoria. Onde é que ela vai encontrar a entrada do cinema, a entrada do teatro? Eu perco muito em qualquer espetáculo que eu vá porque dificilmente a gente tem a audiodescrição".
Tradução para Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), legendagem, legendagem descritiva e audiodescrição são algumas das tecnologias previstas para facilitar a compreensão do conteúdo dos filmes em cartaz. Duarte Dias é curador de Política Audiovisual da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará (Secult) e explica o que falta para salas de cinemas de todo o Brasil serem acessíveis:
"[Essa] é uma tecnologia nova. Nesse sentido, o Brasil está na linha de frente. Ao mesmo tempo, tem uma outra questão que diz respeito também aos filmes que são fornecidos pelas distribuidoras. A gente está falando do ponto de vista dos cinemas terem capacidade de receber esse público adequadamente, mas o conteúdo que é exibido nesses cinemas também tem que estar com as condições técnicas necessárias para que esse público tenha acesso. Então, também há um debate em relação a esse conteúdo junto às distribuidoras e produtoras para que esses filmes já venham para o cinema com as devidas opções de acessibilidade para que possam ser utilizadas plenamente".
A campanha Legenda para quem não ouve, mas se emociona teve início em 2004, no Festival de Audiovisual de Pernambuco. Seu objetivo “é aumentar o número de pessoas conscientes dos direitos dos surdos” e, assim, garantir ao grupo a “igualdade nas atividades de lazer”. A professora de Letras-Libras da Universidade Federal do Ceará (UFC) Renata Freitas é surda e uma das apoiadoras da campanha. Através do intérprete Diego Leal, ela explica as motivações desse movimento:
"Esse é um movimento espontâneo da comunidade surda e ele significa exatamente isso, porque nós surdos não ouvimos, mas nos emocionamos. Nós assistimos aos filmes e percebemos muitas vezes que a plateia demonstra reações com o que está acontecendo no filme e nos perguntamos o que foi que aconteceu, porque não tivemos a mesma reação que o resto da plateia. Essa é uma situação que eu passo e que muitos surdos também enfrentam. Os produtores e dirigentes de cinema devem se colocar no nosso lugar, nós queremos consumir esse material, nós só pedimos a oportunidade".
De acordo com a Agência Nacional de Cinema (ANCINE), desde junho de 2019, 15% das salas de cinema dos maiores grupos exibidores passaram a ter a obrigação de possuir as tecnologias estabelecidas pelo MPF. Até janeiro de 2020, 100% das salas de cinema devem ser acessíveis. Em caso de descumprimento da ordem judicial, as distribuidoras e exibidoras de filmes devem pagar uma multa diária de 10 mil reais.
No Ceará, apenas dois complexos privados possuem salas com acessibilidade. O UCI Brasil Shopping Parangaba, localizado em Fortaleza, e a Multicine Sobral, no interior do estado. Já os equipamentos públicos têm previsão de um terço para setembro e os demais até janeiro do ano que vem, segundo informação da Secult.
Reportagem de Thays Maria Salles com orientação de Carolina Areal e Igor Vieira