Ouça "Morre, aos 86 anos, o ator e dramaturgo Zé Celso" no Spreaker.
O teatro e a classe artística choram esta semana a morte do dramaturgo José Celso Martínez Corrêa, o Zé Celso, que faleceu na manhã desta quinta-feira aos 86 anos. Ele estava internado desde terça-feira com mais de 50 por cento do corpo queimado, depois de um incêndio em seu apartamento em Paraíso, na zona sul de São Paulo.
O mais longevo dramaturgo em atividade no país, Zé Celso, nascido Araraquara, no Rio de Janeiro, deixa o legado de uma arte que revolucionou a política e os costumes. A primeira imagem teatral, pelo menos profissional, do ator e dramaturgo cearense, Ricardo Guilherme, foi numa peça de Zé Celso apresentada em Fortaleza e da qual ele participou involuntariamente da cena, já numa nova visão do fazer teatral:
"Guardo exatamente a imagem da peça dirigida por Zé Celso para o grupo Oficina que esteve em Fortaleza em cartaz em 1971, eu tinha quinze anos. Vi esse espetáculo sendo apresentado na quadra do Sesc, ali da rua Clarindo de Queiroz. A peça se chamava Galileu Galilei e, em determinado momento da peça, o ator do grupo rompeu na quadra do SESC aquele alambrado que separava a encenação do público e me pôs no seu ombro, me levando para presenciar a cena em meio aos demais atores. Era parte de uma estratégia que revolucionaria o teatro do Brasil, essa questão da integração do espectador não apenas contemplador da cena, mas atuante na cena. Nesse processo revolucionário se inseria o trabalho de Zé Celso Martínez Corrêa."
Anos depois, já no século 21, Ricardo Guilherme repetiu a experiência de expectador atuando na cena, desta feita no município cearense de Quixeramobim, para onde Zé Celso levou a montagem da peça Os Sertões, baseada na obra de Euclides da Cunha.
Para Ricardo Guilherme, Zé Celso revolucionou e abrasileirou o teatro do Brasil:
"A trajetória do Zé Celso começa em São Paulo, claro, com a fundação do grupo Oficina, no final dos anos 1950, rastreando as poéticas de Stanislavski, Bertolt Brecht , mas filtrando e reprocessando as informações para criar uma poética dele, poética própria, teatralmente autofágica e politicamente transgressora. Depois ele foi exilado, foi torturado, portanto o grupo Oficina ele abrasileirou, ele atualizou, ele desmistificou e reescreveu cenicamente os autores que ele encenou."
O Teatro Oficina, criado por Zé Celso, atuou entre as décadas de 1960 e 1970 como uma forma de resistência ao período repressivo que o país atravessava com a ditadura militar.
Reportagem de Fátima Leite