Foram 11 meses de abuso que a assistente social Bruna (N.F.)* passou com o ex-namorado. Desde o começo do relacionamento, o ex-companheiro demonstrava ser possessivo, não gostava que ela curtisse fotos de homens nas redes sociais e a proibia de usar determinadas roupas. Com o passar do tempo, as agressões verbais se transformaram em físicas. “Estudei gênero e violência doméstica. Na teoria, eu tinha conhecimento, mas na prática, eu me via perdida e envergonhada, acreditando que eu poderia ceder a alguns pedidos, como não usar roupa curta”, relata.
A assessora de comunicação Sarah (N.F.) foi casada durante 16 anos e teve dois filhos com o seu agressor. As violências físicas e psicológicas, durante todos esses anos, deixaram marcas na vida de Sarah. "Até hoje, quando lembro dos abusos, choro”, conta. Após anos separada, ela ainda possuía medo de carros parecidos com o que o ex-marido usava. “Passei muito tempo para me ver como gente, pois ele usualmente dizia que eu não era nada e que mulher igual a mim ele achava em qualquer esquina”, revela.
Entre idas e vindas no seu relacionamento, a jornalista Juliana (N.F.) decidiu perder a sua virgindade com o até então namorado. Quando chegou o momento, ela não quis continuar o ato, mas ele persistiu. “Para ele, estava tudo bem. Eu tinha 18 anos e ele tinha 20. Só fui entender que tinha sido abusada alguns anos depois”, conta.
Bruna, Sarah e Juliana são alguns exemplos de mulheres que sofreram algum tipo de violência. No caso de Bruna, ela denunciou o ex e está com medida protetiva. Já Sarah e Juliana não denunciaram por medo. “Me arrependo até hoje de não ter feito B.O contra ele”, explica Sarah.
Em agosto de 2018, a Lei Maria da Penha completou 12 anos. Essa lei surgiu com o objetivo de informar como as mulheres devem ser tratadas pela justiça para evitar que voltem a sofrer agressões ou sejam mortas. Além disso, a lei cria as medidas protetivas para manter a vítima longe do agressor e prevê uma rede de ajuda à mulher, desde aconselhamento jurídico a ajuda psicológica, que são concedidas em centros de acolhimento e abrigos.
Apesar do avanço na legislação, os números de casos de violência contra a mulher ainda assustam. No ano passado, o Brasil registrou 221.238 casos de violência doméstica. Só no estado do Ceará foram 5.644 vítimas, segundo dados do 12º Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
Feminicídio
Depois de demanda popular, foi sancionada no Brasil em 2015 a Lei do Feminicídio. É considerado feminicídio quando a pessoa mata intencionalmente a outra (homicídio doloso) pelo fato de ela ser mulher, representando assim uma questão de gênero.
Enquanto homicídio simples prevê reclusão de 6 a 12 anos, o homicídio doloso prevê pena de 12 a 30 anos. Casos como latrocínio (roubo seguido de morte) e acidentes de trânsito, por exemplo, não estão incluídos na Lei do Feminicídio por não terem como motivação o gênero.
O feminicídio atingiu, em 2017, a marca de 812 casos no Brasil, porém esses números podem ser ainda maiores, já que alguns estados não informam os dados, dentre eles o Ceará.
A advogada e integrante do Fórum Cearense de Mulheres Rose Marques avalia que os movimentos feministas enxergam o feminicídio de forma diferente do estado. “Mesmo fora do contexto das relações de afeto, pode ser considerado [pelo o governo] homicídio comum, quando na verdade a violência de gênero é latente tanto na motivação do crime, quanto no modus operandi”, explica.
Políticas públicas
Desde 2014, os recursos destinados pelo governo federal para o programa Política para Mulheres: Promoção da Autonomia e Enfrentamento à Violência vêm diminuindo. De janeiro a julho de 2018, foram destinados R$ 20,4 milhões para o programa. Enquanto, no mesmo período em 2014, haviam sido investidos R$ 95,3 milhões.
Por meio deste programa, o governo federal tem como objetivo ampliar a política nacional de enfrentamento à violência contra a mulher. Redes de atendimento como o Ligue 180, o atendimento presencial às mulheres em situação de violência e as políticas públicas de prevenção são alguns projetos dentro desse programa.
A promotora de justiça do Juizado de Violência Doméstica Roberta Coelho diz que punir não é suficiente. “A própria Lei Maria da Penha prevê políticas de prevenção à violência doméstica envolvendo órgãos governamentais e ONG's”, esclarece.
Denúncias
No primeiro semestre de 2018 foram registradas 79 mil denúncias de violência contra a mulher através do Ligue 180. A violência física e psicológica foram as agressões mais denunciadas. Para a advogada e integrante do Fórum Cearense de Mulheres Rose Marques, a denúncia é difícil de acontecer por conta do machismo da sociedade. “Normalmente é um passo solitário, pois nem sempre as mulheres contam com apoio de familiares e amigos”, afirma. Isso demonstra que o ditado "em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher" ainda persiste na cultura do país.
A cada ano, o número de denúncias tem aumentado. O Ligue 180 recebeu, até julho deste ano, seis vezes mais registros do que no ano de 2006, quando a Lei Maria da Penha foi criada. Naquele ano, foram registradas 12 mil denúncias.
Atendimento à vítima
Além do Ligue 180, existem outras formas de denunciar ou buscar ajuda em casos de violência contra a mulher. Os Centros de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS) e as Delegacias da Mulher são alguns dos equipamentos preparados para receber as vítimas. Confira abaixo os endereços:
Centros de Referência de Atendimento às Mulheres
É um equipamento que presta acolhimento, acompanhamento psicossocial e orientação jurídica às mulheres em situação de violência.
Endereço: Rua Padre Francisco Pinto, 363 – Benfica
Telefone: 08002850880
Casa da Mulher
Integra no mesmo espaço serviços especializados para os mais diversos tipos de violência contra as mulheres.É o caso de acolhimento e triagem, apoio psicossocial, delegacia, Juizado, Ministério Público e Defensoria Pública. Além de promover a autonomia econômica e de fornecer cuidado das crianças, brinquedoteca, alojamento de passagem e central de transportes.
Endereço: Rua Teles de Sousa S/N - Couto Fernandes
Contato: (85) 3108 2998 / (85) 3108 2999
Reportagem de Mariane Silva com orientação de Carolina Areal