11/05/20

Uso de dados pessoais no combate à Covid-19

Os dados utilizados são de geolocalização e servem, entre várias outras coisas, para apontar locais de aglomeração entre as pessoas infectadas (Foto: Leandro Fonseca/Exame)

Países asiáticos apostaram na vigilância digital para reduzir os efeitos da pandemia do novo coronavírus. A China, por exemplo, usou um sistema formado por 200 milhões de câmeras que possuíam reconhecimento facial e desenvolveu um aplicativo que atribui um código de cores aos usuários, que restringe a circulação dos cidadãos dependendo do nível de contágio.

Francisco Brito Cruz, diretor do InternetLab, centro de pesquisa em direito e tecnologia, explica que os dados utilizados são de geolocalização e que servem, entre várias outras coisas, para apontar locais de aglomeração entre as pessoas infectadas:

"Os dados de geolocalização podem ser úteis em dois sentidos: um é a utilização de dados de geolocalização para verificar se há aglomerações pela cidade, dadas as medidas de distanciamento social que são importantes para controlar a disseminação do vírus. Em segundo lugar, existe o uso dos dados de geolocalização pra fazer o rastreamento de contato de pessoas infectadas."

No Brasil, o uso da tecnologia no combate à Covid-19 começou no mês de abril, com o objetivo de checar locais de aglomerações e o percurso de pessoas infectadas. Operadoras de telefonia celular como Algar Telecom, Oi, Claro, Vivo e Tim estão oferecendo ao governo dados de mobilidade. Os dados são encaminhados para o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Francisco Brito afirma que precisamos estar atentos para garantir a segurança da população quanto ao uso desses dados pessoais:

"O uso de dados pode realmente ajudar no combate ao novo coronavírus. O que eu penso é que sem uma lei que garanta os limites desses dados, as regras aplicáveis, esse uso é de alto risco. E havendo risco é necessário que na utilização desses dados pessoais, a gente se cerque de preocupações para mitigação desses riscos e, para isso, seria interessante olhar para boas práticas, olhar para adequação a uma lei de proteção de dados pessoais que, embora a gente não tenha ela em vigor hoje, a gente tem ela aprovada."

A Advocacia Geral da União (AGU) afirmou que o compartilhamento de dados de geolocalização de consumidores por parte das operadoras de telecomunicações não viola a Constituição Federal e a Lei Geral de proteção de Dados (LGPD), desde que seja feito de modo agregado e anonimizado (Fonte: Instituto Brasileiro de Direito do Consumidor)

A Advocacia Geral da União (AGU) afirmou que o compartilhamento de dados de geolocalização de consumidores por parte das operadoras de telecomunicações não viola a Constituição Federal e a Lei Geral de proteção de Dados (LGPD), desde que seja feito de modo agregado e anonimizado (Fonte: Instituto Brasileiro de Direito do Consumidor)

A lei citada por Francisco é a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), aprovada em fevereiro de 2018 e que vai entrar em vigor em agosto deste ano. A norma poderia servir como apoio em um momento como este, mas mesmo com essa iniciativa, algumas dúvidas quanto à privacidade e proteção dos dados da população surgem no debate público. O advogado e professor de Direito Penal na Universidade Federal do Ceará (UFC) Daniel Maia dá mais detalhes sobre essa lei:

"A Lei Geral de Proteção de Dados constitui um diploma legal para proteção e regulação dos dados tanto da internet quanto da regulamentação das empresas de telefonia. Ela serve para que possamos ter um marco regulatório de como esses dados podem ser acessados, protegidos e compartilhados."

A aplicação da LGPD pode ser adiada para janeiro de 2021, gerando dúvidas sobre o uso de dados pessoais pelo governo após a pandemia. Saber quais dos seus dados o governo tem acesso, quais estão sendo utilizados e para quais finalidades, é uma medida para evitar o uso desnecessário e ilegal desses dados. É o que garante Francisco Brito Cruz:

"Em primeiro lugar é importante pensar 'por que proteger desses acessos?', 'por que a privacidade é importante?'. A privacidade é importante porque informações sobre as pessoas correspondem a um poder sobre as pessoas. E como nos proteger desses acessos? O quanto antes fazendo valer uma legislação de proteção de dados pessoais ou, na medida do possível, trazendo a discussão sobre boas práticas paras essas iniciativas, até porque nessas iniciativas que estão acontecendo agora não quer dizer que a gente não tenha nenhuma regra de proteção de dados pessoais, o que a gente tem são regras setoriais, que é a situação do Brasil hoje. Mas é assim que a gente tem que se proteger: trazendo a regulação, trazendo a conversa sobre boas práticas, revelando quais são as práticas que os governos e o setor privado estão adotando, colocando isso em debate público."

Segundo publicação da Exame, do dia 19 de abril, mais da metade dos Estados aderiu ao uso de ferramentas de geolocalização criadas pelas operadoras de telefonia ou por startups de tecnologia para enfrentar a pandemia do novo coronavírus (Reprodução/istock)

Segundo publicação da Exame, do dia 19 de abril, mais da metade dos Estados aderiu ao uso de ferramentas de geolocalização criadas pelas operadoras de telefonia ou por startups de tecnologia para enfrentar a pandemia do novo coronavírus (Imagem: Reprodução/iStock)

Caso alguém sinta que suas informações continuam sendo usadas enquanto a LGPD não entra em vigor, o advogado e professor da UFC Daniel Maia explica o que se pode fazer:

"No caso, agora, a pandemia justifica que os dados sejam usados. Não quer dizer que depois que a pandemia passar, que a pandemia for controlada esses dados vão poder ser acessados da mesma forma. E se isso continuar acontecendo, as pessoas que se sentirem lesadas pela utilização de seus dados de uma maneira excessiva pelas empresas ou pelo governo podem procurar o judiciário."

Em abril, o presidente Jair Bolsonaro orientou que o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações interrompesse o acordo com as operadoras de telefonia móvel sob a justificativa de riscos à privacidade. Em resposta a esse pedido, o ministro Marcos Pontes usou suas redes sociais, no dia 12 de abril, para defender a parceria com o setor.

O ministro se pronunciou dizendo: “tivemos a oferta de operadoras para o uso de gráficos de calor compilados de dados celulares anônimos e coletivos para avaliação de isolamento e previsão de propagação da epidemia, conforme já tem sido feito por outros países democráticos em outros continentes".

Reportagem de Mariana Bueno com orientação de Carolina Areal e Igor Vieira

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