30/01/20

Tudo é Política #4 – Ciência e Política

Para o professor emérito da UFC Tarcísio Pequeno, "a política interfere em todos os setores da nossa vida, e a ciência deve alimentar, deve influir e orientar as decisões políticas" (Ilustração: Bel Andrade Lima/ Revista Galileu)

Ciência é política? E política existe na Ciência? Pode parecer que são duas coisas completamente diferentes, mas a Ciência também é política. E nós vamos mostrar na quarta parte deste especial Tudo é Política.

Para iniciar, vamos traçar um contexto histórico sobre a relação entre Ciência e política. Desde a Grécia Antiga, o conhecimento é considerado importante para exercer a política. O filósofo Platão em seu livro República, por exemplo, afirmou que quem conhece a verdade consegue dirigir a Pólis, ou seja, a cidade.

E a transformação da sociedade muitas vezes é possível graças à pesquisa científica, que por sua vez, tem importantes decisões tomadas pela política. O professor emérito da Universidade Federal do Ceará (UFC) e professor titular da Universidade de Fortaleza (Unifor) Tarcísio Pequeno traça essa relação entre Ciência e política:

“A política interfere na Ciência. De certa forma, até a determina porque tudo na sociedade depende de decisões políticas. A política interfere em todos os setores da nossa vida, e a Ciência deve alimentar, deve influir e orientar as decisões políticas. São os políticos que afinal vão decidir que importância o país atribui à Ciência e Tecnologia, vão decidir qual a compreensão que a sociedade tem de que não há desenvolvimento sem Ciência e Tecnologia.”

Pesquisa global Wellcome Global Monitor 2018 monitorou a confiança das pessoas na produção científica. 72% das pessoas, em todo o mundo, acreditam nos cientistas. Já 57% da população mundial acha que não sabe muita coisa sobre ciência (Foto: Reprodução/Internet)

O estudo Wellcome Global Monitor 2018 monitorou a confiança das pessoas na produção científica. 72% das pessoas, em todo o mundo, acreditam nos cientistas. Já 57% da população mundial acha que não sabe muita coisa sobre Ciência (Foto: Reprodução/Internet)

Se a gente pega a Constituição Federal Brasileira de 1988, tem lá escrito o dever de priorizar a pesquisa científica básica e tecnológica, tendo em vista o bem público e o progresso da Ciência. Entretanto, uma pesquisa publicada em 2018, organizada pelo Instituto 3M, aponta que 74% dos brasileiros acreditam que o nosso país está atrasado em relação a outras nações quando falamos de produção de Ciência. Além disso, 42% pensam que o financiamento inadequado é o principal motivo desse atraso. 

O professor Tarcísio Pequeno comenta que, em uma sociedade do conhecimento como a nossa, a Ciência representa um elemento importante para a política na hora de tomar decisões:

“Essa decisão, essa discussão precisa ser informada pelo melhor conhecimento existente. É preciso que as pessoas que discutem isso, e frequentemente não é o político que entende e que tem esse conhecimento da Ciência, mas em uma sociedade organizada, o político consulta a comunidade científica. Então a política para tomar suas decisões, ela só pode fazê-la adequadamente se essas decisões forem baseadas em conhecimento. Decisões que são baseadas no 'feeling', no sentimento, no achismo, isso é uma coisa ultrapassada e, que se sabe, destinada ao fracasso.”

Essa percepção de que os investimentos na Ciência são importantes para as decisões políticas mais acertadas parece não ser um consenso no Governo Federal. Entre 2014 e 2018, o Brasil reduziu em mais da metade o investimento em educação. Na prática, isso quer dizer que as pesquisas científicas e as inovações tecnológicas ficam sem o financiamento necessário para se desenvolverem.

Após anunciar contingenciamento de 30% para universidades e institutos federais sobre os gastos discricionários, e explicar o corte em transmissão ao vivo no Facebook, ao lado do presidente Bolsonaro, o ministro da educação Abraham Weintraub espalhou cem unidades de chocolates sobre a mesa, tirou três deles do bolo e comparou o corte no MEC a uma ‘separação’ (Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil)

O Ministro da Educação, Abraham Weintraub, anunciou, em 2019, um contingenciamento de 30% para universidades e institutos federais (Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil)

Em 2019, nós tivemos um agravamento dessa realidade. O Ministro da Educação, Abraham Weintraub, na metade do ano, anunciou o contingenciamento de 30% dos recursos de todas as universidades do país. Apesar de ter sido revertido alguns meses depois, esse fato prejudicou o andamento de importantes pesquisas que vinham sendo desenvolvidas, já que é a universidade pública, que recebe financiamento público, a entidade que mais produz pesquisa aplicada no Brasil.  

"Será que hoje a gente não consegue melhorar os indicadores de educação do Brasil já com 7% do PIB? Não tem pais da OCDE, país rico não gasta 7% do PIB como o Brasil gasta. A gente já gasta mais que a média de países ricos, a gente já gasta mais que os países da América Latina e nós estamos abaixo dos indicadores dos nossos vizinhos, estamos abaixo do Chile. O Uruguai gasta menos que o Brasil em valores nominais."

Esse foi um trecho do pronunciamento do Ministro da Educação, durante sua visita na câmara dos deputados em maio de 2019. Ele foi dar explicações sobre a decisão de congelar os recursos destinados às universidades federais. 

E já que a gente está falando sobre pesquisa em universidades federais, a gente pode citar s Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SPBC), que é uma entidade civil e sem fins lucrativos. Fundada em 1948, a organização defende o desenvolvimento da Ciência e Tecnologia. Entendendo a importância da universidade para a população, a SBPC criou, em 2019, a campanha “Ciência, pra que Ciência?”

Em setembro de 2019, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) lançou o

Em setembro de 2019, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) lançou a campanha Ciência, para que Ciência? A campanha foi uma resposta aos  severos cortes que atingiram o sistema nacional de Ciência e Tecnologia (Foto: Divulgação/SBPC)

O projeto traz depoimentos de cientistas e alerta para a necessidade de financiamento público para o desenvolvimento das pesquisas. Mesmo afirmando que “não tem fins político-partidário”, a SBPC mostra, através da campanha, de que maneira entidades podem praticar diretamente política. José Xavier é diretor regional da SBPC. Ele conta como a campanha foi pensada:

“Olha, essa campanha tem o intuito de esclarecer à população sobre o papel da Ciência em nossas vidas. Por que é importante a gente ter um sistema forte de Ciência, um sistema de Ciência vibrante, moderna e capaz. Sobretudo porque ultimamente nós temos tido a universidade em foco porque existem mudanças que estão sendo planejadas para a universidade e a SBPC tenta então, passar para a população quais são os papéis das universidades e da Ciência.”

Tem outro ponto importante quando a gente fala de Ciência e política. A mulher cientista. Ser mulher e cientista também pode ser considerado um ato político. A pesquisadora em farmacologia e professora da UNIFOR Adriana Rolim comenta sobre esse desafio:

“No início da carreira científica, tem muitas mulheres e com o avanço na carreira é como se as mulheres estagnassem. Um dos motivos disso é a maternidade. A maternidade na carreira científica é vista quase como um ponto final na carreira porque as instituições e a sociedade não estão preparadas para apoiar essa mulher.” 

No dia 11 de fevereiro é celebrado o Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência. Essa data representa a conquista feminina numa área (ainda) dominada pelos homens (Ilustração: Juliana Adlyn)

No dia 11 de fevereiro é celebrado o Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência. Essa data representa a conquista feminina numa área (ainda) dominada pelos homens (Ilustração: Juliana Adlyn)

Só para ilustrar o que a professora Adriana falou, apesar de corresponderem a quase 52% da população brasileira, as mulheres ainda estão lutando por espaços importantes dentro da universidade. Segundo os dados do Censo da Educação Superior, as mulheres são a maioria das matrículas nos cursos de graduação, porém o número cai a medida que a carreira avança.

Outro dado do Instituto Americano de Física aponta que, atualmente, 18% dos doutorados em Física pertencem às mulheres. Apesar de parecer pouco, a quantidade é maior do que na década de 1970, quando o número correspondia a apenas 5%. 

E o que pode ser uma alternativa para vermos mais mulheres comandando e permanecendo nas universidades? Políticas de inclusão. A implementação de creches e punição efetiva para casos de assédio seriam progressos relevantes. A pesquisadora Adriana Rolim explica como a mudança de políticas dentro das universidades está mudando essa realidade:

“Hoje, existem eventos específicos só para isso, inclusive a Academia Brasileira de Ciência vai sediar um evento internacional sobre mulheres na Ciência. Há alguns anos, a UNESCO e a ONU instituíram o Dia Internacional de Meninas e Mulheres na Ciência, que também é um momento de reflexão. Então as mudanças realmente estão ocorrendo porque é um tema que está sendo muito abordado, as pessoas estão sendo impactadas pelo tema e as instituições de fomento e que realizam pesquisa estão sendo cobradas em relação a isso, de o que fazer para apoiar a mulher na Ciência.”

Por isso, pensar política além dos deputados em Brasília ou da prefeitura da sua cidade é compreender os outros modos de exercer o debate público. A pesquisa científica, ao propor novos conhecimentos, é um agente ativo na sociedade.

O quarto episódio da série especial Tudo é Política teve produção e apresentação de Carolina Areal e Calianne Celedônio; e operação de áudio de João Pedro.

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