Arte pode ser considerada uma produção material ou imaterial que expressa um sentimento ou emoções humanas. Apesar de parecer um conceito amplo, a arte pode ser vista de maneira prática na música, no cinema, nas pinturas e até na arquitetura.
A arte ocupa um importante papel na sociedade e é capaz de retratar o momento histórico em que é produzida. Isso acontece porque as produções estimulam o pensamento crítico e até podem provocar mudanças nos modos de se governar. Quem explica um pouco sobre a relação entre arte e política é Wellington de Oliveira, professor do curso de Publicidade e do Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade Federal do Ceará (UFC):
“Mais do que pensar arte e política como esferas distintas, pensar a arte como um modo político de estar no mundo. A importância dessa relação está exatamente aí, no fato de que a arte propõe novos mundos, novos modos de ser e estar no mundo. Então a gente tem que o grande impacto, vamos dizer assim, a grande inter-relação entre arte e política está na possibilidade de inventar novos mundos e, portanto, novas políticas.”
Não é à toa que em crises políticas, a produção artística é uma das primeiras áreas ameaçadas. O movimento tropicalista, por exemplo, foi um momento marcante onde arte e política se uniram. Ocorrido durante a ditadura militar, o movimento tropicalista buscou expor as transgressões do governo da época a partir de produções complexas e por vezes subliminares.
A crítica política através da arte segue presente até os dias de hoje. Na música, por exemplo, a mineira Bia Ferreira é um expoente conhecido por unir melodia com ativismo político. Das bandeiras que Bia Ferreira levanta, a principal é a do feminismo negro. Canções como Cota não é esmola e De dentro do AP fazem parte de seu repertório. Além de ser uma representante para essas pessoas, ela aborda em suas músicas a criminalização que a produção artística negra sofre:
“Quando eu tô falando isso, eu tô falando que eu estou nesse foco, que a qualquer momento pode ser eu a pessoa barrada porque a gente fala contra, a gente vai no contrafluxo do que foi destinado para a gente. Então as pessoas pretas não são presas só quando elas vão para a cadeia, elas são presas quando você silencia uma mulher preta de falar, quando você silencia um homem preto, quando uma [pessoa] diz que sofreu racismo e você diz que não foi bem assim. Tudo isso também é político, tudo isso é um racismo estrutural, tudo isso contribui para essa necropolítica. Tudo isso mata.”
O ativismo político de Bia Ferreira ultrapassou a produção musical. A artista criou a Igreja Lesbiteriana, espaço pensado para acolher populações historicamente marginalizadas, como o público LGBT:
“Os cultos da Igreja Lesbiteriana são espaços onde a gente vai discutir política. É onde a gente vai falar a respeito de LGBTfobia, é onde a gente vai apresentar escritores pra base bibliográfica daquelas pessoas, é onde a gente vai indicar livro para ler, onde a gente vai debater sobre assuntos, é onde a gente vai receber as pessoas para falarem sobre si porque essas pessoas são apagadas o tempo todo e não conseguem falar sobre si. A gente criou esse espaço para receber essas pessoas e a gente entende que a arte tem essa possibilidade porque ela fala de uma forma lúdica coisas que normalmente as pessoas não compreenderiam porque foram levadas para um lado acadêmico e esse linguajar acadêmico é de difícil acesso. Então não tem como eu explicar em um linguajar acadêmico para uma pessoa que nunca terminou a 4º série. Eu preciso fazer com que a informação seja democraticamente disseminada, eu preciso que todas as pessoas tenham acesso de uma forma didática e lúdica para que ninguém tenha a desculpa de falar que não sabia.”
A crítica política também pode estar presente em outras formas de arte. A companhia de teatro cearense Nóis de Teatro, por exemplo, usa da dramaturgia para abordar as questões das periferias. Com o espetáculo chamado Todo camburão tem um pouco de navio negreiro, a companhia tenta retratar a violência sofrida por jovens negros e pobres. Altemar Di Monteiro é coordenador do grupo e fala sobre as motivações dessa peça:
"Nasce exatamente pelo desejo de discutir o extermínio da juventude negra da periferia e uma política e uma polícia completamente militarizada que a gente vive até hoje. O espetáculo foi montado em 2014, mas é impressionante como ele continua atual, como as coisas parecem que não mudam. A gente vai construindo esses espaços de militância e denúncia de uma sociedade completamente militarizada e disposta a matar e perseguir a juventude preta e periférica."
Altemar conta ainda que, apesar de existirem artistas que não produzem obras puramente com viés político, todo teatro e toda arte é um ato político. Inclusive a escolha de não falar sobre o tema. A partir de uma obra de arte é possível perceber o cenário social que vivemos e, para além de galerias e palcos, nos faz compreender os impactos que as decisões políticas têm em nosso dia a dia.
Isso acontece porque pinturas, esculturas, peças de teatro e tantos outros produtos são espaços para externalizar protestos e críticas a governos. Isso é visto com mais nitidez principalmente em casos onde o Estado impõe algum tipo de censura.
No cinema brasileiro, por exemplo, o movimento chamado Cinema Novo teve um papel de protesto bem definido. Surgido entre as décadas de 1960 e 1970, o Cinema Novo se caracterizou por se opor ao cinema brasileiro da época, que tinha muita influência das produções hollywoodianas. Em contraponto, o movimento se preocupou em abordar a desigualdade social e produzir obras mais profundas. E é interessante porque ele dialoga também com o movimento tropicalista citado no início dessa segunda parte.
Apesar do Cinema Novo ter sido fortemente desgastado pela ditadura militar do Brasil, a gente ainda acompanha nos dias de hoje produções cinematográficas de protesto e de crítica. É o caso de Tropa de Elite (2007); Que Horas Ela Volta (2015); e, mais recentemente, do documentário Democracia em Vertigem (2019) e do aclamado Bacurau (2019). O professor Wellington de Oliveira opina sobre as múltiplas manifestações artísticas da atualidade que abrangem pautas políticas:
"Eu acho que quando a gente vai pra esse lugar da arte relacional, das estéticas mais colaborativas, participativas, coletivas, eu entendo que há uma geração incrível fazendo trabalhos incríveis nessa interseção mais específica entre arte e política. Tem muita gente jovem trabalhando na relação ente arte e gênero, arte e raça, arte e homofobia etc. Enfim, há uma gama de problemas que uma geração muito interessante vem trabalhando na arte contemporânea."
Na segunda parte do especial Tudo é Política, a gente pôde perceber a presença da política na música, no teatro e no cinema. Mas é importante lembrar que a política também está presente em outras manifestações artísticas, como a literatura, as artes visuais e os quadrinhos. Para encerrar essa segunda parte, confira o poema Vida em Branco da cantora Zélia Duncan:
"Você não precisa de artistas?
Então me devolve os momentos bons.
Os versos roubados de nós.
As cores do seu caminho.
Arranca o rádio do seu carro, destrói a caixa de som.
Joga fora os instrumentos e todos aqueles quadros, deixa as paredes em branco, assim como a sua cabeça.
Seu cérebro cimento, silêncio, cheio de ódio.
Armas para dormir, nenhuma canção de ninar, e suas crianças em guarda, esperando a hora incerta para mandar ou receber rajadas.
Você não precisa de artistas?
Então fecha os olhos, mora no breu.
Esquece o que a arte te deu, finge que não te deu nada. Nenhum som, nenhuma cor, nenhuma flor na sua blusa. Nem Van Gogh, nem Tom Jobim, nem Gonzaga, nem Diadorim. Você vai rimar com números.
Vai dormir com raiva, e acordar sem sonhos, sem nada.
E esse vazio no seu peito não tem refrão para dar jeito, não tem balé para bailar.
Você não precisa de artistas?
Então nos perca de vista. Nos deixe de fora desse seu mundo perverso, sem graça, sem alma."
A segunda parte da série especial Tudo é Política teve produção e apresentação de Carolina Areal e Calianne Celedônio, e operação de áudio de João Pedro.