25/09/18

Tatuagem para além dos estereótipos

Raquel acredita que é responsabilidade do tatuador reforçar a arte autoral nesse ramo (Foto: Arquivo Pessoal)

Matéria atualizada em 27 de setembro de 2018, às 09h30

Você sabia que as tatuagens fazem parte da civilização há mais de cinco mil anos?  Encontrada em 1991 na Áustria, a múmia nomeada como Homem de Ötzi, com mais de 5300 anos, possuía 57 marcas no corpo que se assemelhavam a tatuagens. Além dele, outras civilizações também tinham o hábito de marcar o corpo de forma permanente, localizadas nas regiões das Filipinas, Nova Zelândia, Egito e outras tribos do continente africano.

Os desenhos já estamparam corpos de índios, marinheiros, membros da máfia, rebeldes. Devido ao fato de ter sido popularizada, na sociedade ocidental, por pessoas de classe social mais baixa, as tatuagens foram alvo de preconceito por muito tempo. A Igreja Católica, inclusive, chegou a bani-las da Europa na Idade Média. Apesar disso, com o passar dos anos os tatuados vêm superando, pouco a pouco, os estereótipos em torno do assunto.

Aceitação da sociedade

O artista Juan Heros é proprietário do primeiro estúdio de tatuagem de Fortaleza, aberto em 1983, época em que o mercado das tatuagens não era forte no Ceará, embora já estivesse em alta em outros estados, como São Paulo e Rio de Janeiro.

Exemplo de tatuagem funcional feita pelo tatuador Juan Heros (Foto: Arquivo pessoal)

Exemplo de tatuagem funcional feita pelo tatuador Juan Heros (Foto: Arquivo pessoal)

Um reflexo das mudanças existentes no mercado são as novas tendências que surgem no ramo, como as tatuagens funcionais.  “Elas são mais importantes para as pessoas que tem algum tipo de problema de saúde e que realizam algum tipo de atividade que pode ser mais perigosa, como os motociclistas. Dessa forma, se acontecer um acidente e a pessoa não puder falar, o médico vai saber se ela tem alergia a algum remédio, por exemplo. É uma coisa simples, mas pode acabar salvando uma vida”, esclarece Juan.

Juan também comenta sobre a mudança na forma como as tatuagens são vistas pela sociedade. Para ele, aos poucos, elas estão sendo mais aceitas e isso se reflete no mercado desse ramo aqui no Ceará. “Hoje em dia a gente vê muita gente nova, muitos estúdios novos sendo abertos e acho que isso é devido a essa onda de pessoas que estão procurando por tattoos, se tornou meio que uma moda”, reflete.

A artista Raquel Risco é um dos novos nomes a surgir em Fortaleza, tendo começado a tatuar há cerca de três anos. A tatuadora é formada em Direito pela Universidade Federal do Ceará, mas sempre foi apaixonada pelo desenho e seu primeiro trabalho após se formar já foi no ramo da tatuagem. “No início eu sofri certa resistência por parte da minha família, mas depois eles aceitaram bem, quando viram que eu estava feliz e conseguindo alcançar o que queria nesse ramo. É estranho porque quando nos perguntam com o que nós queremos trabalhar, ser tatuadora nunca está entre as opções, né? Como se não fosse uma profissão como qualquer outra”, comenta.

A tatuadora Raquel Risco afirma que a caligrafia é seu estilo de tatuagem favorito (Foto: Arquivo pessoal)

A tatuadora Raquel Risco afirma que a caligrafia é um dos estilos de tatuagem que mais gosta de fazer (Foto: Arquivo pessoal)

Raquel também fala sobre o aumento no número de mulheres tatuadoras em Fortaleza. Ela acredita, ainda, que ultimamente estão surgindo mais tatuadoras do que tatuadores e comemora esse fato. “Eu estava comentando esses dias que agora a gente tem mulher tatuando todos os tipos de artes aqui, para todos os gostos, e isso é algo muito bom, que me deixa muito feliz”.

Representação artística 

Apesar de todos os estereótipos existentes na sociedade o interesse de uma parcela da população pelos desenhos nunca deixou de existir. As tatuagens chegaram a ser características de diversos grupos, como os hippies e  metaleiros. Mas o que isso representa?

O professor do curso de Jornalismo e do mestrado em Comunicação da UFC,  Ricardo Jorge, acredita que as tatuagens funcionam como uma espécie de linguagem.  “Quando você marca o seu corpo com algum símbolo, ele pode ter um significado que é só seu, algo importante para você, mas também pode expressar o seu pertencimento a um determinado grupo, a algo maior”.

Para Juan Heros, é fundamental que o tatuador conheça diferentes técnicas e não se limite a apenas um estilo de tatuagem (Foto: Arquivo pessoal)

Para Juan Heros, é fundamental que o tatuador conheça diferentes técnicas e não se limite a apenas um estilo de tatuagem (Foto: Arquivo pessoal)

Ricardo acredita que a característica da tatuagem de representar uma ideia, ou um tipo de pensamento, é o que motiva as pessoas a marcarem o seu corpo, e devido a essa capacidade, a tatuagem pode ser entendida como um tipo de arte, tal como pinturas e fotografias.

Raquel Risco ressalta, assim, o seu interesse em “incentivar e reforçar a importância da tatuagem ser vista como uma arte, que deve ser particular, fruto de um processo de criação”. Para ela, os tatuadores têm a responsabilidade de reforçar a arte autoral nesse meio.

A tatuadora afirma que a fase de criação do desenho é uma de suas partes favoritas em todo o processo. Raquel acredita que seu trabalho é de “cocriação”, pois o cliente a ajuda a desenvolver seus desenhos, com base em sua própria vida e experiências. Dessa forma, cada trabalho é único e personalizado.

As principais influências para o trabalho de Raquel são as vivências contadas pelos clientes durante a entrevista inicial, além de suas próprias experiências (Foto: Arquivo pessoal)

Cuidados

No entanto, a arte que tem o corpo como suporte exige certos cuidados. Juan Heros alerta sobre a importância de se fazer tatuagens em locais adequados e com os materiais corretos. “A tattoo virou meio que uma moda hoje em dia e tem muita gente querendo trabalhar com isso, mas não tem um estúdio adequado, não tem o mínimo da segurança para passar para o cliente. É importante que as pessoas que querem se tatuar prestem atenção nessas coisas, porque nossos estúdios funcionam como empresas, têm fiscalização da vigilância sanitária, têm impostos a serem pagos, e isso é feito pra dar uma segurança maior aos clientes”, destaca.

Raquel já aborda outra questão relacionada a esse assunto, que é a importância de se fazer cursos de biossegurança, para aprender não só sobre os cuidados com os clientes, mas também sobre a forma de descarte dos materiais utilizados nos estúdios.  “É importante que a gente tenha noção de que esse material descartado é perigoso, é como lixo hospitalar. Pode haver agulhas contaminadas, objetos perfuro cortantes, que não podem ser misturados com o lixo comum”.

Para ela, isso vai além de um assunto simplesmente profissional. “É uma questão de responsabilidade ambiental mesmo, e muitas pessoas não se atentam a isso. Os clientes, por exemplo, nem estão mais na sala quando é feito descarte, então a maioria nem pensa nisso. Acho que é importante que se fale sobre esse assunto, porque muita gente nem lembra”, relata Raquel.

Matéria feita por Maryana Lopes com orientação de Carolina Areal

Tags:, , ,

Deixe uma resposta

*