23/07/20

Sabiaguaba: conheça a importância das dunas para Fortaleza

As dunas da Sabiaguaba podem ser de areia, mas também podem ser cobertas por florestas. No local, encontram-se matas de tabuleiro, carnaubais e restingas arbóreas (Foto: Beatriz Azevedo)

O Conselho Gestor da Sabiaguaba aprovou, em reunião realizada no dia 08 de julho, a demarcação de um terreno de cerca de 50 hectares para construção de um empreendimento privado na região da Sabiaguaba, a ser desenvolvido pela empresa BLD Brasil. A área é equivalente a aproximadamente 50 campos de futebol.  Foram 14 votos favoráveis, dois contrários e uma abstenção. O conselho é composto por 20 membros, entre órgãos governamentais e entidades da sociedade civil.

Desde 2006, a Sabiaguaba conta com duas Unidades de Conservação, nome dado a áreas que devem ser protegidas pelo Poder Público por suas características naturais: o Parque Natural Municipal de Dunas e a Área de Preservação Ambiental (APA) da Sabiaguaba. Na primeira, somente é permitido a utilização para fins de pesquisa e atividades como ecoturismo. Já a APA permite o uso sustentável do local, o que possibilita ocupação humana, desde que não seja desenfreada, impedindo que se gere especulação imobiliária no local.

A advogada ambiental Beatriz Azevedo é cofundadora do Instituto Verdeluz, que atua pela promoção do desenvolvimento sustentável (Foto: Lia Ciarlini)

A advogada ambiental Beatriz Azevedo é cofundadora do Instituto Verdeluz, que atua pela promoção do desenvolvimento sustentável (Foto: Lia Ciarlini)

A advogada ambiental Beatriz Azevedo é cofundadora do Instituto Verdeluz, que atua pela promoção do desenvolvimento sustentável e é uma das entidades que compõem o Conselho Gestor da Sabiaguaba. O Instituto foi responsável por um dos dois votos contrários à construção do loteamento imobiliário. Beatriz ressalta a importância da preservação do local. “A área para a qual foi previsto o loteamento é uma área de rica biodiversidade. Existem várias espécies de plantas, animais. Algumas dessas espécies, são endêmicas, ou seja, existem apenas aqui no Ceará. Tem espécie de planta endêmica que está ameaçada de extinção”, pontua Beatriz. “Para além do impacto na nossa biodiversidade, a gente vai ter o impacto da perda das dunas, da compactação e impermeabilização do solo. Porque as dunas têm uma função importante: elas captam a água da chuva e alimentam os lençóis freáticos que vão alimentar nossos rios e lagoas”, complementa a ambientalista.

A Sabiaguaba é importante não só para a fauna e flora, mas também para amenizar o clima de Fortaleza. É como ilustra o doutor em Geografia pela Universidade de Barcelona e professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA) da Universidade Federal do Ceará (UFC), Jeovah Meireles. “O ecossistema de Sabiaguaba, os bosques de dunas fixas, o manguezal funcionam como verdadeiras bombas de emissão de umidade, refrigerando a cidade de Fortaleza, minimizando as bolhas de calor”, explica o professor.

Comunidades locais

Jeovah Meireles é doutor em Geografia pela Universidade de Barcelona e professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da UFC (Foto: Anna Erika F. Lima)

Jeovah Meireles, doutor em Geografia, é professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da UFC (Foto: Anna Erika F. Lima)

Além das questões ambientais, há o fator humano quando se discute a preservação. E no caso da Sabiaguaba não é diferente. Existem comunidades centenárias habitando o local. “Com relação a essas comunidades, elas nasceram e cresceram em contato com a natureza. É uma relação com o território que é bem difícil a gente encontrar em qualquer outra área da cidade, porque são pessoas que têm esse contato com o rio, com as matas”, conta a advogada Beatriz Azevedo.

Segundo ela, o Instituto Verdeluz recebeu relatos de que moradores da região estariam temerosos com a especulação imobiliária que o empreendimento poderia trazer. “A relação da comunidade com essas dunas é de pertencimento, de tradição, de história, de cultura. E tudo isso é ameaçado, porque no momento em que essa área é destruída para trazer um empreendimento, pessoas de fora vão ocupar aquela área, tornando possível que isso gere uma pressão sobre a comunidade”, relata.

São relações que vão além da moradia. Da natureza presente ao redor, os moradores tiram suas fontes de renda, além de ser obterem recursos que garantem suas seguranças alimentares. “As pessoas estariam com medo de perder seus costumes, de não poder mais frequentar aquela área. É uma área frequentada pela comunidade, no sentido, também, da coleta de muitas plantas que tem ali, como, por exemplo, o murici, que é uma planta que dá para fazer suco”, exemplifica Beatriz

A Bacopa Cochlearia é uma espécie de planta endêmica do Ceará encontrada na Sabiaguaba. Espécies endêmicas são aquelas encontradas exclusivamente em uma única região geográfica. A planta se encontra em extinção (Foto: Bruno Guilhon)

A Bacopa Cochlearia é uma espécie de planta endêmica do Ceará encontrada na Sabiaguaba e está ameaçada de extinção (Foto: Bruno Guilhon)

Desenvolvimento sustentável

Proteger os ecossistemas existentes na Sabiaguaba não significa tolher qualquer atividade econômica no local. Há saídas para aliar desenvolvimento e preservação ambiental, trazendo fonte de renda para as comunidades locais. O professor de Geografia da UFC Jeovah Meireles aponta caminhos. “Elaborar todo um planejamento comunitário para cursos de formação para geração de renda associada diretamente à biodiversidade, a diversidade de paisagem que está ali, ao ecoturismo. Alternativas ao turismo de massa, ao turismo de mega empreendimentos”, sugere o professor. Jeovah lembra que já existem atividades sustentáveis desenvolvidas pelas comunidades locais que trazem desenvolvimento para a coletividade. “Já há várias atividades de guias turísticos, de trilhas ecológicas, com jovens ali das comunidades, principalmente, da comunidade Boca da Barra do Sabiaguaba. Atividades relacionadas com navegação no Rio Cocó, contemplando a exuberante diversidade de fauna e flora”, cita Jeovah.

Apesar de a Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (SEUMA) ter votado favoravelmente ao projeto, o prefeito Roberto Cláudio se manifestou, por meio de suas redes sociais, contrariamente à qualquer obra que afete a área de preservação da Sabiaguaba. O Ministério Público estadual recomendou que os órgãos responsáveis se abstenham de qualquer decisão administrativa contrária à conservação do local. Por último, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) emitiu termo que embarga quaisquer intervenções na APA da Sabiaguaba. Mesmo com essas decisões favoráveis, o caso ainda não está encerrado e a luta pela preservação da área continua.

Reportagem de Gustavo Castello com orientação de Carolina Areal e Igor Vieira

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