Você costuma ver pessoas parecidas com você representadas na mídia? Para muitos grupos sociais, por muito tempo a resposta para essa pergunta foi “não”. A televisão, o cinema e a publicidade por décadas ajudaram a construir padrões de comportamento e beleza ao trazer majoritariamente pessoas brancas, magras e heterossexuais em suas produções.
Quando um personagem se afastava minimamente desse padrão, ele tendia a ser, na maioria das vezes, construído de forma estereotipada. Mulheres hipersexualizadas, pessoas negras restritas a uma única classe social, pessoas gordas ocupando os papéis de alívio cômico. Por muito tempo, a representação desses grupos sociais esteve restrita a esses modelos, que não correspondem à realidade da sociedade brasileira.
Entretanto, é possível perceber o começo de uma mudança nesse cenário. Cada vez mais, esses grupos sociais, por tanto tempo marginalizados, estão aparecendo em produções, mas a realidade ainda está longe de ser ideal. Andy Monroy Osório é mestrando interdisciplinar em História e Letras na Universidade Estadual do Ceará (UECE) e é pesquisador de estudos étnico-raciais. Ele explica como a representação negra vem aparecendo nas últimas décadas na publicidade:
"A gente tem visto talvez esse número aumentar um pouco, mas a grande questão é a forma como essas pessoas negras são colocadas. Os estudos que eu havia feito apontavam sempre para características estigmatizadas do homem negro e da mulher negra, de os colocar em locais onde enalteciam muito o físico, comerciais de esportes, onde tem dança, coisas assim desse gênero. Uma médica negra, um médico negro, em comerciais de banco ou de algum carro que tenha um preço não tão popular, é ali que às vezes a gente pergunta onde é que estão essas pessoas negras”.
O autor Vitor Martins escreve livros infanto-juvenis sobre personagens e temáticas LGBTs. Ele fala sobre como é o cenário da representatividade desse grupo na literatura brasileira, em comparação com as outras mídias:
"Eu acho que dentro da literatura existe muito mais espaço porque infelizmente a literatura ainda é um nicho de cultura pouco consumido no Brasil, quando você põe em comparação com, por exemplo, filmes ou televisão, novela. Então quando você tem um livro com personagens gays isso não causa nenhum barulho, a família tradicional brasileira não fica revoltada, porque às vezes isso nem chega neles, mas quando você põe um casal gay ou um casal lésbico, ou um personagem transexual dentro de uma novela, isso causa uma comoção e uma ira muito maior do público brasileiro geral porque é uma expressão midiática que está mais acessível, é mais disponível e está mais em evidência. Então eu acredito que a literatura ganha força porque ela vai chegando assim devargazinho e vai ocupando espaços, e aos poucos a gente vai conquistando assim esse espaço para que em breve, nas outras plataformas midiáticas, a gente tenha muito mais força".
Para Milena Venâncio, mestre em Mídia e Cotidiano pela Universidade Federal Fluminense (UFF), as redes sociais e a Internet trouxeram mais espaços nos quais as minorias sociais podem se manifestar, o que tem impacto no fortalecimento da cobrança por uma maior representatividade:
"Antes essas minorias tinham menos formas de se manifestar. Hoje, da mesma forma que o discurso de ódio também se manifesta mais facilmente, em função dessas mesmas redes, você tem meios de cobrar diretamente das marcas. E eles estão percebendo isso porque hoje em dia essas minorias sabem que elas podem se manifestar nesses meios, e é o principal meio que elas têm para se manifestar".
O pesquisador Andy Monroy Osório destaca que, apesar dos avanços, o discurso padrão ainda é o dominante na mídia:
"Ainda assim há um discurso hegemônico que ainda insiste em colocar esses essencialismos: do padrão, do certo, da família tradicional. Se há esse discurso, que você percebe que ainda está dentro da grande mídia, é porque a gente tem que se perguntar quem são os donos das grandes mídias. Por que certos discursos são permitidos? Então a grande questão para mim é: temos que ter um retrato real do que é a sociedade brasileira".
Reportagem de Caroline Rocha com orientação de Carolina Areal e Igor Vieira