Neste mês de julho, comemora-se os 50 anos do álbum-manifesto Tropicália ou Panis et Circencis. A história da Tropicália, porém, começou um ano antes no III Festival da Música Popular Brasileira, quando foi apresentada ao país uma nova forma de fazer música. As apresentações de Caetano Veloso, Alegria, Alegria, e Gilberto Gil, Domingo no Parque, não foram as vencedoras do festival, mas influenciaram esteticamente no movimento que surgiria no país.
As canções foram um choque para o público presente, contendo a guitarra elétrica que era rejeitada por muitos na época, além da mistura sonora de vários ritmos. Em julho do ano seguinte, Tropicália ou Panis et Circencis foi lançado com a colaboração de artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Nara Leão, Gal Costa, Os Mutantes e Tom Zé. Os poetas Capinam e Torquato Neto e o maestro Rogério Duprat também tiveram participação importante no álbum.
Os tropicalistas tiveram influência do psicodelismo de artistas como Beatles, Janis Joplin e Jimi Hendrix, assim como a assimilação de ritmos brasileiros como o bolero e o baião. O concretismo dos poetas Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari também estavam presente nas letras das músicas. O Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade foi muito importante para firmas as ideias desse movimento, pois ele consistia em incorporar elementos da cultura exterior para resultar em uma mistura que representasse as múltiplas facetas culturais do país.
O que esse álbum apresentou de novo?
Para o professor do Departamento de Música da Universidade Federal do Ceará (UFC), Pedro Rogério, que também apresenta o programa Musicultura, da Rádio Universitária, a diferença entre esse álbum e os lançados até então é a junção de vários ritmos. “Os grandes cantores de rádio tem uma estética que não bebe de todas as fontes. Tem algumas características específicas, como por exemplo, ter uma voz bem projetada”, afirma.
Tropicália ou Panis et Circencis possui 12 canções. Segundo o professor associado do Departamento de Letras Vernáculas Nelson Barros da Costa, esse álbum inaugurou uma nova forma de ouvir canções. “Como, por exemplo, a música Panis et Circensis, uma leitura linear, literal ou superficial dessa canção é, no mínimo, inviável, pois nela e em muitas outras canções tropicalistas é constante a descontinuidade do fio narrativo ou descritivo”, explica. Ele afirma que as canções lançadas antes deste trabalho apresentavam na narrativa uma história com começo, meio e fim, ou conversavam com o ouvinte, colocando-o na posição de assistente da história ou interlocutor.
Influência da Tropicália
A Tropicália influenciou vários artistas no Brasil, mas o professor Nelson Barros da Costa explica que nenhum artista incorporou todas as propostas do movimento. Nomes como Secos & Molhados, Novos Baianos e o Movimento Manguebeat possuíram algumas características do Tropicalismo, mas adicionaram outras. “É de se notar também a retomada de algumas propostas tropicalistas pelos nordestinos que despontaram no cenário musical na década de 1990: Chico César, Lenine e Zeca Baleiro. Cada um a seu modo, eles trabalham a antropofagia musical. Porém, divergem em outros aspectos”, esclarece.
O músico Carlos Hardy, integrante do grupo Tripulantes da Sabiabarca, fala que o movimento inspirou vários artistas a incorporarem gêneros brasileiros e até mesmo os gêneros estrangeiros de música popular e erudita. “Hoje os artistas envolvidos no disco Tropicália são referência para novas gerações antenadas com o movimento artístico global, que se consolida em sua ânsia pelo novo, por subverter os conceitos embalsamados e apontar um horizonte aberto para a criação”, diz.
A grandeza desse movimento para a cultura brasileira fez com que ela tivesse influência em diversos lugares do país e, no Ceará, não foi diferente. Segundo o professor Nelson Barros, artistas como Ednardo e Belchior apresentam, em suas canções, características da Tropicália. Essa influência continua presente no trabalho de outros músicos como a cantora Lorena Nunes, a banda Procurando Kalu e o duo Antiprisma.