No dia 5 de outubro de 1988, o Brasil dava o último e principal passo para o processo de redemocratização. No momento em que o deputado Ulysses Guimarães colocou em púlpito a nova Constituição, as proibições e as marcas de censura e repressão deixadas pelo Regime Militar ficaram para trás.
A Constituição Cidadã representou um avanço nas conquistas de direitos de grupos sociais, como mulheres e indígenas, e proporcionou políticas públicas que a fizeram ser considerada um dos documentos mais modernos do mundo. Contudo, após 30 anos desse processo, alguns setores da sociedade questionam a atualidade e a importância das leis que regem o país.
O processo histórico
Durante 20 meses, a Assembleia Nacional Constituinte fomentou debates a respeito da composição da Carta Magna. Diferente de outros processos, a Constituição atual teve intensa participação popular. Entre 1987 e 1988, foram distribuídos cerca de cinco milhões de formulários de propostas nas agências dos Correios. Ao todo, 72.719 sugestões da população civil foram coletadas.
Entretanto, apesar de toda a participação popular, a Constituinte enfrentou turbulências. Principalmente de classes sociais mais ricas. Valéria Aparecida Alves, professora do curso de História da Universidade Estadual do Ceará (Uece), explica que as dificuldades de elaboração aconteceram, mas que tudo fez parte de um processo democrático. “A democracia pressupõe debates e divergências. A Constituinte representou diversos interesses. Todos os setores estavam representados e isso demandou muita discussão. Os constituintes propuseram os seus projetos. Isso tudo foi demorado e conflituoso. Contudo, embora esses conflitos tenham acontecido é salutar que tudo isso fez parte de um processo democrático, diferente de outras constituições que não tiveram discussões”, comenta Valéria.
Os avanços e dificuldades da Carta Magna
A Constituição foi importante para avanços em determinadas áreas. A saúde pública foi impactada com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), que permitiu a integração e o acesso ao atendimento médico para todos os brasileiros e estrangeiros. Além disso, os direitos do consumidor e o meio ambiente, por exemplo, tiveram impactos positivos com o atual conjunto de leis.
Todavia, como a Carta Magna sugere, a cidadania é sua principal marca. Através dela, grupos sociais, como as mulheres, tiveram direitos consolidados e puderam participar do processo democrático que se instaurou no país. Beatriz Xavier, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Universidade Federal do Ceará (UFC), comenta que as garantias das mulheres são umas das principais representações da Constituição para o Brasil. “As mulheres têm o mesmo reconhecimento que os homens. Nesse sentido, a Constituição traz o seu ponto mais importante. Em relação aos direitos trabalhistas, a garantia das gestantes, por exemplo, é fundamental, pois assegura a permanência e a contratação no mercado de trabalho”, explica Beatriz.
Apesar de todos os pontos positivos que a Constituição Cidadã proporcionou para o país, alguns especialistas enxergam que o documento apresenta alguns atrasos e uma flexibilização que a torna um pouco confusa. Desde a sua promulgação, a Carta recebeu 106 emendas constitucionais e não avançou em debates presentes na sociedade como a questão do aborto, da reforma agrária e de direitos ao público LGBT.
Para William Paiva, professor da Faculdade de Direito da UFC, “um dos problemas da Constituição é que ela recebe muitas emendas. Mesmo sendo uma constituição inclusiva, vanguardista e democrática, ela traz uma série de matérias que dependem de regulamentação e nem sempre isso condiz com o documento original. Então existe outra Constituição produzida a partir de tantas transformações e isso gera ausência de uma segurança jurídica”, afirma.
A Constituição e a manutenção da democracia
Em um período de intensos debates que envolvem o processo democrático, a Constituição enfrenta questionamentos e propostas para a criação de um novo conjunto de leis. A Carta, considerada uma das mais modernas do mundo, é a garantia de que o regime político brasileiro se mantenha e que os direitos sociais sejam preservados.
Para Beatriz Xavier, “a Constituição é a lei máxima do país. Os princípios da democracia estão na Constituição desde o primeiro artigo. Questionar a validade da Constituição é colocar em xeque condições que a gente duramente lutou para ter. A Constituição vem após um longo período de autoritarismo. A sociedade decidiu naquela época que ia viver com base nos princípios da democracia. Questioná-la é trazer de novo uma instabilidade que eu acredito que as pessoas não querem”, explica.
Por conseguinte, William Paiva defende que o Brasil não precisa de uma nova Carta. “O país precisa que a Constituição seja respeitada como tal. O número efetivo de emendas não pode ser usado como demérito. A gente tem que se firmar neste documento. A Constituição é solução e não a causa de qualquer crise no país”, afirma.
A Constituição de 1988 foi o evento histórico que proporcionou uma estabilidade política à jovem democracia que existe no Brasil. Preservá-la significa manter direitos e lutar para uma sociedade mais forte e igualitária.
Reportagem de Pedro Silva com orientação de Carolina Areal.