Pelo menos uma vez na vida, você falou ou ouviu expressões como "no meu tempo é que era bom" ou "as coisas eram mais simples na minha época". Essas frases fazem parte de um comportamento comum aos seres humanos e recebe o nome de nostalgia.
Durante algum tempo, a nostalgia foi considerada uma condição médica, por ser associada ao sentimento de melancolia e de tristeza. Contudo, nos anos 1980, ela ganhou uma nova concepção e passou a ser vista como um fenômeno cultural, sendo analisada pela antropologia e pelo marketing. Mas afinal, como funciona a nostalgia?
João Ilo Coelho, professor do Curso de Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e coordenador do Laboratório de Estudos em Análise do Comportamento (Leac), comenta sobre as principais características desse sentimento:
"Lembrar de alguma coisa que está ausente também pode ter diferentes funções. Ela pode ocorrer em função de alguma coisa presente que te faz lembrar o passado. Ela pode funcionar como uma fuga, quando a situação está muito aversiva; pode-se lembrar de algo mais prazeroso que tenha ocorrido como uma forma de esquecer, digamos assim, do presente. E também é importante notar que essa nostalgia não costuma ser um retrato fiel. Quando a situação está sendo, de certa forma, aversiva, você costuma se lembrar de algo de uma forma muito mais positiva, agradável do que a realidade como um todo".
A psicóloga e especialista em marcas, Cecília Russo Troiano, explica como essa idealização do passado ajuda as pessoas a lidarem com o seu presente:
"A nostalgia tem essa capacidade de caminhar no tempo. É você trazer esse momento gostoso para hoje e dessa forma viver melhor, ou pelo menos ter esse olhar, mesmo que passageiro, positivo sobre o hoje. E quando a gente pensa que impacto isso tem lá na frente, se a gente olhar para o futuro, eu estou construindo memórias boas, eu estou vivendo memórias boas. E claro que isso, de alguma forma, prepara o meu caminho também para que seja positivo no futuro".
Influenciados por uma onda nostálgica, diversos produtos de caráter artístico e tecnológico, que fizeram sucesso em décadas passadas, voltaram a ser consumidos em grande escala. A música é um exemplo. Em relação ao vinil, foram comprados mais de 42,3 milhões de novos discos em todo o mundo somente em 2017. Segundo a Federação Internacional da Indústria Fonográfica, o valor é 36,6% maior do que o adquirido em 2016.
No Brasil, o fenômeno da nostalgia na música também foi percebido pelo retorno da dupla Sandy & Júnior para uma turnê no país em 2019. O anúncio causou alvoroço no público que acompanhou o sucesso dos irmãos nos anos 1990 e 2000, e os ingressos para os shows esgotaram em poucas horas. Artur Guidugli é músico e um dos criadores do Bloco Sandijunio, que traz em seu repertório canções da dupla em ritmos carnavalescos. Ele fala sobre o interesse do público por músicas que fizeram sucesso em outras décadas:
"Eu acho que é uma questão de geração mesmo. Eu comecei a perceber que o público que é dos anos 1990 e 2000 agora está na fase adulta. Elas têm o seu poderio econômico e você tem o resgate da cultura pop daquele momento para essas pessoas poderem ouvir mais uma vez e legitimar aquilo de outra maneira. Então se hoje em dia aparecesse uma reunião do RBD, eu garanto que seria um sucesso, porque você tem um movimento grande dessa nostalgia".
O mercado do entretenimento se aproveita do sentimento de nostalgia e apela à afetividade que os produtos despertam no público para gerar lucro. O filme Jurassic World, produzido em 2015 como uma adaptação da série Jurassic Park, que fez sucesso nos anos 1990, está entre as dez maiores bilheterias do cinema de todos os tempos.
Soraya Madeira é professora do Curso de Publicidade e Propaganda da UFC. Ela comenta sobre o papel da nostalgia como estratégia de marketing:
"Do ponto de vista do marketing, às vezes, é mais difícil você criar um vínculo com algo totalmente novo, do que com algo que o consumidor já tem na lembrança, já tem um afeto. Então, você utilizar a nostalgia no marketing faz sentido porque você acaba precisando de menos esforço da marca para criar uma conexão com o consumidor. E um outro papel que o marketing tem, são que as marcas, hoje, trabalham muito com a questão da criação do vínculo afetivo entre ela e o consumidor. Então, a nostalgia é uma maneira bem mais fácil de você criar esse vínculo entre os dois".
A professora Soraya Madeira fala ainda sobre a possibilidade do mercado da nostalgia continuar em alta no futuro:
"Eu acredito que sim. Mas eu também acredito que ele pode ficar saturado muito rápido. Por exemplo, das maiores bilheterias [de cinema] de 2017, só uma era uma produção original. Todas as outras eram continuações de filmes, adaptações, ou reboots. Então, você está começando a ver que existe uma saturação. Eu não acredito que ele vai acabar. Eu acredito que ele vai, talvez, se equilibrar. De você ver que as empresas vão investir nele, mas também sabendo que tem um limite".
Reportagem de Pedro Silva com orientação de Carolina Areal