"A gente saiu duas vezes e ele sempre sendo super gente boa, atencioso, prestativo. Nunca me tratou mal. Porque às vezes quando você vai levar o 'ghosting', quando a pessoa vai sumir, você percebe ela se distanciado, ficando mais fria, mas o tratamento foi o mesmo, o tempo todo. Até que um dia ele simplesmente sumiu. Eu ainda mandei mais duas mensagens, dei um espaço de uns dias, porque também não queria ficar em cima da pessoa, mas eu queria também a confirmação de que ele não ia mais falar comigo. Até hoje ele nunca mais falou comigo. Então, de certa forma, tive a confirmação. Levei realmente o 'ghosting' clássico, de você estar ficando com a pessoa e ela está de boa, parece estar curtindo - e ele sempre pareceu que estava curtindo demais ficar comigo - e aí, depois de um tempo, simplesmente sumiu."
O relato do publicitário Gabriel Holanda é exemplo de um fenômeno cada vez mais comum nos relacionamentos contemporâneos: o ghosting. O termo vem do inglês ghost, que significa fantasma, e diz respeito a quando duas pessoas estão se relacionando e uma delas some da vida da outra de forma inesperada, parando de responder suas mensagens, rejeitando ligações e evitando qualquer forma de contato, sem dar qualquer explicação.
A psicóloga e psicanalista Raquel Baldo explica que, apesar de o termo ghosting ter ganhado destaque recentemente, o fenômeno já existe há muito tempo:
"O termo e a forma inclusive de olhar para essa situação é mais recente, e ganhou muita ênfase com a tecnologia. As redes sociais escancaram muito mais as situações das relações diversas do que antigamente, mas é algo que já acontece há muito tempo. Com certeza a gente já ouviu alguma história, vamos lá atrás, na época que as pessoas ainda se comunicavam por cartas, que levavam dias para se encontrar, às vezes até para poder visitar um ao outro, a gente conhece histórias de pessoas que sumiram da vida uma das outras".
A doutoranda em Comunicação e Cultura na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Francine Tavares realizou uma pesquisa durante o mestrado, também na mesma instituição, sobre a experiência do amor mediado pelas tecnologias digitais de comunicação. Sua dissertação intitulada Visualizada e não respondida traz a constatação do ghosting como um sintoma da produção da indiferença nos relacionamentos modernos:
"Pode acontecer em todas as relações, em relação de amizade, em relação de trabalho. Mas o incômodo que isso gera é muito maior e muito mais significativo em relações em que você não tenha já assegurada a concepção de compromisso, em que isso ainda está em jogo, e em que esse comportamento coloca em cheque também a própria constatação do interesse do outro. Então por que dói? Por que o visualizada e não respondida dói? Por que que incomoda? Porque o tempo todo eu estou sendo lembrada, testada e incomodada com a ideia de que o outro não tem tanto interesse assim por mim".
A psicóloga e psicanalista Raquel Baldo destaca que o ghosting é um sintoma da facilidade com que as relações amorosas são feitas e desfeitas na contemporaneidade, o que também sofre influência das tecnologias e das redes sociais:
"Parece muito mais um movimento da superfície, e é por isso que ele fica mais fácil para poder começar e terminar. É tudo muito ágil, a superfície permite isso. Então eu posso te achar legal, te achar interessante, e isso faz com que eu já queira te adicionar, sair com você e, de repente, até te pedir em namoro. E aí na semana seguinte minha vida deu uma mudada aqui, está meio corrido, simplesmente eu não preciso mais te responder, porque foi muito fácil eu me aproximar de você, então é muito fácil eu ir embora também. Falta um esforço, falta uma construção da pessoa na busca da relação, e isso está acontecendo com todos os relacionamentos, não só com namoro, casamento. A rede social colabora muito para muita proximidade, para muita informação, é uma ferramenta riquíssima, mas ela sem dúvida também é a mesma ferramenta e recurso que facilita, como eu disse, esse desencontro".
Quer saber mais sobre o ghosting? Confira a entrevista completa com a psicóloga e psicanalista Raquel Baldo.
Reportagem de Caroline Rocha com orientação de Carolina Areal e Igor Vieira