10/07/19

O bordado cearense e suas formas de expressão

Segundo pesquisa de Emanuelle Kelly, doutora em Educação Brasileira pela UFC, o bordar empiricamente pode ser visto como um ato de meditação, uma atividade relaxante (Foto: Reprodução/Internet)

[ATUALIZADO em 11.07.2019: Matéria informava antes que João Miguel Lima teve contato com o bordado após pesquisa do Laboratório Artes e Micropolíticas Urbanas da UFC, quando, na verdade, o contato ocorreu durante a pesquisa. A matéria também informava a data de encerramento da exposição do MAUC como 19 de julho. O Museu de Arte da UFC estendeu o prazo de visitação até o dia 26 de julho.]

Eles podem ser feitos a mão ou por máquinas; com agulhas, fios de algodão, lã, seda e muitos outros tipos de materiais. O bordado é uma arte milenar, e já na pré-história é possível identificar a presença deste trabalho. Para se proteger das mudanças climáticas, os povos da época teciam peles de animais utilizando agulhas feitas de osso e linhas feitas de fibras vegetais.

Da forma como é mais conhecido hoje, o bordado foi trazido para o Brasil pelos portugueses, no período colonial. O professor aposentado da Universidade Federal do Ceará (UFC) Gilmar de Carvalho é doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e realiza pesquisa sobre cultura cearense. Ele conta como o bordado chegou ao estado:

"[O bordado está presente] desde o início da colonização do Ceará, quando chegaram os jesuítas e se instalaram em algumas regiões, principalmente na Ibiapaba e em Viçosa do Ceará. A gente vai ver que esse bordado vai para outras direções em que as pessoas aprenderam. E havia uma transmissão. As filhas das rendeiras faziam renda, as pessoas que bordavam ensinavam outras crianças e adolescentes a bordar. Então, há uma transmissão que é muito importante e que mostra todo essa dinâmica da cultura, todo esse processo".

Bordado do Grupo Iluminuras em exposição no Museu de Arte da UFC (Foto: Thays Maria Salles)

Bordado do Grupo Iluminuras em exposição no Museu de Arte da UFC (Foto: Thays Maria Salles/RUFM)

Com a industrialização, as máquinas também passaram a bordar e isso afetou a vida das pessoas que sobrevivem do ofício. Emanuelle Kelly é coordenadora do curso de Design de Moda da UFC e explica as consequências desse processo de industrialização na vida dos bordadeiros:

"Não é a mecanização que tira o trabalho do artesão, mas a desvalorização do trabalho porque, às vezes, uma marca ou empresário quer que o artesão cobre o mesmo preço ou um preço inferior por aquele trabalho manual. Ele conhece o preço daquilo que é industrializado e quer manter uma média, sendo que o processo artesanal é completamente diferente do industrial. No entanto, para quem está comercializando, o que importa é o lucro, é a economia, a diminuição desses custos. Isso também é ruim para o artesão que acaba repassando o seu produto, que tem um amor muito maior, por um preço baixo. Essa desvalorização que é o problema, não a industrialização".

O Coletivo Avesso é formado por três mulheres que buscam expressar a arte do bordado para além do seu uso tradicional. Laura Moreira, Wilma Farias e Flávia Rodrigues fazem ações nas praias e praças da cidade, usando esses espaços para prática do bordado e conversas sobre a situação política do país. A designer de moda Flávia Rodrigues fala sobre as motivações do coletivo:

"O foco das nossas ações são sempre ações coletivas, de bordado coletivo, que a gente vê o bordado e traz o bordado para fora do âmbito tradicional, artesanal, de mãe para filha, de afetividade. Mostrar o bordado como uma linguagem contemporânea. A gente trata o bordado como uma linguagem política, artística, de ocupação. Então a gente faz ações urbanas de encontros, de usar o bordado como atrativo para as pessoas que passam na cidade e a partir daí surgir uma conversa política, surgir uma conversa artística". 

Bordado em folha seca de João Moguel (Foto: João Miguel/Arquivo Pessoal)

Bordado em folha seca de João Miguel Lima (Foto: Arquivo Pessoal)

O bordado surgiu na vida de João Miguel Lima, mestre em Sociologia pela UFC,  durante uma pesquisa do Laboratório Artes e Micropolíticas Urbanas da UFC (LAMUR). Neste trabalho, Miguel percebeu no colhimento de folhas secas a possibilidade de bordar e se conectar com as temporalidades da cidade. Ele conta como foi esse processo:

"Nessa pesquisa, a gente estava acompanhando alguns movimentos pela cidade, movimentos sociais em questões de uso do espaço público. O que é que faz um espaço comum na cidade? E a minha questão de pesquisa era mais ligada às plantas que nascem pelos cantos na cidade, nascem pelas fissuras das calçadas. Aí eu chamei essas plantas de 'ocupadeiras'. Nessas caminhadas pela cidade, para fotografar essas plantas, eu comecei a colher folhas secas. Acho que o bordado veio como uma possibilidade não só de me inscrever sobre essa materialidade das folhas, mas também de poder aproximar diferentes materialidades". 

Seja na folha seca, no tecido ou no papel, o bordado é uma arte antiga que se reinventa com o passar dos anos. Desde junho, o Museu de Arte da UFC (MAUC) apresenta produções do Grupo Iluminuras. O projeto de extensão é vinculado ao Acervo do Escritor Cearense, da Biblioteca de Ciências Humanas da UFC. Também estão expostos no MAUC trabalhos do Grupo Entrelaçadas, que retrata pontos turísticos de Fortaleza através do bordado.

Serviço
Exposição Iluminuras: literatura e bordado
Até 26 de julho
De segunda a sexta, das 8h às 12h e das 13h às 17h
Museu de Arte da UFC
(85) 3366-7481
Acesso gratuito

Reportagem de Thays Maria Salles com orientação de Carolina Areal e Igor Vieira

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