Os debates acerca da liberdade de imprensa no Brasil estão em alta devido às eleições presidenciais. Diversos veículos de mídia têm demonstrado preocupação com o respeito a este direito e ressaltado a importância de sua valorização. Mas você sabe no que realmente se baseia a liberdade de imprensa?
Ela consiste no direito de uma pessoa publicar e acessar as informações, especialmente em forma de notícia, sem que haja interferência do Estado. A liberdade de imprensa está diretamente ligada à liberdade de expressão e ambos constituem direitos fundamentais assegurados na Constituição Federal de 1988. Além dela, a Declaração Universal dos Direitos Humanos também ressalta a importância de se proteger os meios de comunicação.
A própria Constituição, inclusive, destina o capítulo cinco somente para a Comunicação Social, onde reforça: “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social”, no artigo 220.
Mas segundo o professor Flávio Gonçalves, da Faculdade de Direito da UFC, esta liberdade de imprensa não é irrestrita. “Não há direito que não comporte limites. A Constituição proíbe qualquer tipo de censura prévia, mas deixa claro que a liberdade de imprensa tem que se pautar no respeito à honra, à intimidade, à privacidade das pessoas. Toda forma de liberdade, como a de imprensa e de expressão, encontra limites que estão definidos na própria Constituição”, explica.
Esta censura prévia à qual o professor se refere é uma das principais formas de ataque à liberdade de imprensa. Ela foi bastante utilizada na época da ditadura militar no Brasil, quando todo o conteúdo da mídia deveria passar pela aprovação do Governo para ser publicado.
O jornalista e pesquisador em comunicação Daniel Fonsêca explica como este tipo de barreira funciona. “A censura opera como um crivo, dado pelo Estado, de forma anterior a qualquer tipo de distribuição de informação por parte das pessoas comuns. Este é um elemento que esteve em voga no Brasil até agosto de 1988, quando o Congresso conseguiu aprovar o artigo quinto da Constituição, que garante a liberdade de manifestação de pensamento, independentemente de autorização ou censura”, afirma.
Situação Atual
Mas se engana quem pensa que os riscos a este direito já foram superados. De acordo com o levantamento feito em 2018, pela organização Repórteres sem Fronteiras, o Brasil ocupa o 102° lugar, entre 180 países, no ranking de liberdade de imprensa.
Samira de Castro, presidente do Sindicato dos Jornalistas do Ceará (Sindjorce), aponta algumas das formas utilizadas atualmente para limitar a veiculação de informações feitas por jornalistas. “Por meio de decisões judiciais que impedem a realização ou publicação/veiculação de uma matéria; por medidas, também na esfera jurídica, de intimidação contra os autores de reportagens que desagradam lados envolvidos; e, por fim, cometida pelas próprias empresas jornalísticas e profissionais (autocensura), quando donos ou seus prepostos vetam temas, pessoas e entidades a serem cobertos pelo trabalho jornalístico”, esclarece.
Além destas formas de censura que, apesar de comuns, não são normalmente identificadas pela população em geral, recentemente os jornalistas vêm enfrentando outro tipo de barreira para a realização de seu trabalho. Os episódios de ataques verbais, e até físicos, aos profissionais da Comunicação ganharam maiores proporções após o segundo turno das eleições presidenciais no Brasil, quando diversos casos foram noticiados.
Agressões como estas se tornam especialmente preocupantes por partirem de cidadãos comuns, membros da sociedade civil, que passaram a duvidar e a repelir a grande mídia como um todo. E este tipo de descrédito pode gerar uma nova forma de censura, que não parte do Estado, mas que tem efeitos semelhantes, ao dificultar o acesso da população à informação de qualidade.
Apesar disso, a mídia em si também não está isenta de culpa neste cenário, como ressalta Samira de Castro. “O jornalismo atual, quase sempre, não defende o interesse público, o interesse da maioria. E não trabalha para que essa maioria perceba quais são, de fato, os seus interesses. A concentração dos meios de comunicação nas mãos de poucas famílias, algumas com atuação em diversos ramos econômicos, gera um discurso único que não tem permitido vozes dissonantes - e isso, com o advento das redes sociais, acabou colocando em xeque alguns posicionamentos das empresas jornalísticas aos produzirem seus conteúdos”, explica.
Importância de se reinventar
No entanto, este cenário não é fixo. Samira também afirma que o jornalismo pode recuperar a confiança do público, mas, para tanto, é necessário se reinventar. “É preciso resgatar o papel do jornalismo e dos jornalistas. Para continuar existindo, o jornalismo tem que se fazer necessário à sociedade. E isso só acontecerá se tivermos redações que cubram as pautas de interesse público e dialoguem com toda a população”, declara.
Para o professor Flávio Gonçalves, outra questão importante para mudar o cenário jornalístico atual é a democratização da mídia. Assim, os veículos de comunicação deixariam de pertencer e ser controlados por pequenos grupos, o que dificultaria a sua censura. “Há toda uma negociação do Governo com certos grupos para a concessão de rádio e de TV, isto acaba permitindo a caracterização indireta de violação da liberdade de imprensa”, ressalta.
Com o intuito de mostrar alternativas para a mídia transformar sua relação com o público, Samira de Castro também citou o trecho de um editorial que aborda estas questões: "O que o jornalismo precisa é de posicionamento claro, de transparência com o público e de um discurso honesto capaz de ser simples e convincente".
*O debate acerca da democratização da mídia terá continuidade em outra reportagem a ser veiculada no site.
Reportagem feita por Maryana Lopes com orientação de Carolina Areal