30/04/24

Marcelo D2 faz Praça Verde virar uma grande roda de samba

No último domingo, 28, Marcelo D2 compôs a programação de aniversário de 25 anos do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura com show gratuito na Praça Verde (Foto: Ana Raquel/Dragão do Mar)

Júlia Vasconcelos
Especial para a Rádio Universitária FM

Marcelo D2 é um nome consolidado na música brasileira graças ao seu trabalho no rap e no punk rock, seja como artista solo ou como vocalista do emblemático grupo Planet Hemp. Mesmo sendo um nome forte nessas vertentes musicais, quem acompanha a trajetória do artista não estranha seu novo trabalho. Em IBORU, disco lançado em 2023, D2 se joga de vez no samba, um gênero que há anos tem dado o ar da graça em suas criações. No show Marcelo D2 e um punhado de bamba, o artista materializa o álbum no palco.

No último domingo, 28, o artista compôs a programação de aniversário de 25 anos do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura com show gratuito na Praça Verde. Apesar de ter deixado de fora grandes canções de IBORU, como Pra curar a dor do mundo, O samba falará + alto e Tempo de opinião, o cantor apresentou ao público animado um show comprometido com sua proposta e coerente com os seus 30 anos de carreira.

Marcelo D2 e um punhado de bamba traz o mesmo cantor enérgico do Planet Hemp. O projeto que D2 trouxe a Fortaleza prova que o dom de conduzir o público e fazê-lo vibrar com as canções, sejam as autorais ou as de outros músicos, é inerente ao seu estilo de apresentação. A sonoridade agressiva e eletrizante, característica do Planet Hemp, não marcava forte presença ali. Mas estar acompanhado de um pandeiro e cantando em iorubá não muda sua essência – agora a mesma energia é transferida para uma atmosfera de festa. Assistir a Marcelo D2 em ação é testemunhar um artista que foi feito para os palcos.

A energia e o entusiasmo não impediram os momentos emocionantes proporcionados pelo show do dia 28 de abril. Segundos antes de subir ao palco, a voz de Dona Paulete, mãe de Marcelo D2, dá início ao show em uma homenagem comovente. Em seguida, Saravá, primeira faixa de IBORU, toma forma de um rap agressivo e vira seu “olá” ao público instantaneamente eletrizado.

Na sequência, Povo de fé demarca logo no início do show a presença forte da espiritualidade. Esse elemento é também apresentado como ferramenta de resistência, luta e ancestralidade. Outra manifestação dessa resistência é a alegria, como diz Luiz Antonio Simas, um dos colaboradores do álbum IBORU.

No show “Marcelo D2 e um punhado de bamba”, o músico abraça a ancestralidade e leva a resistência política na sua voz (Foto: Ana Raquel/Dragão do Mar)

No show “Marcelo D2 e um punhado de bamba”, o músico abraça a ancestralidade e leva a resistência política na sua voz (Foto: Ana Raquel/Dragão do Mar)

Não é de hoje que D2 vem saudando os “verdadeiros arquitetos da música brasileira”, como ele faz questão de repetir. No palco, sete músicos e duas backing vocals – Cida Santana e Luiza Machado, esposa do cantor – estavam ao redor de uma mesa comprida, como se estivessem em uma verdadeira roda de samba. Enquanto isso, o linha de frente dessa roda entoou clássicos do samba e reverenciou nomes como Nelson Cavaquinho, Romildo Bastos e Jorge Aragão.

A homenagem a grandes sambistas esteve constantemente presente no show, mas a função que aquelas canções cumpriam no repertório, especialmente pela forma como ele as introduziu, eram quase que formativas. Marcelo D2 e um punhado de bamba é um convite à legião carregada pelo samba, da qual D2 é um dos porta-vozes na atualidade. Com esse show, ele abre caminhos e não deixa margem para dúvidas.

O show também não deixou de lado hits como Desabafo/Deixa eu dizer e Qual é, que em 2003 já professava: “samba é o som”. Ao mesmo tempo que agradou o público angariado pela sua marcante trajetória no rap, D2 buscava educa-lo no samba.

Com a proposta do “novo samba tradicional”, idealizado pelo artista carioca e por Luiza Machado Peixoto, Marcelo D2 foi além da música. Além de IBORU, ele criou projetos audiovisuais, como a série Amar é para os fortes, e o Centro de Pesquisa Avançada do Novo Samba Tradicional. Do repertório às imagens transmitidas pelo telão, que remontam à ligação do projeto com o audiovisual, o show desse fomentador cultural inquieto é uma amostra fiel deste grande projeto.

Durante o show, Marcelo D2 observava atento as pessoas presentes, captando a recepção às canções, com dificuldade de inibir a satisfação ao ouvir o coro (Foto: Ana Raquel/Dragão do Mar)

Durante o show, Marcelo D2 observava atento as pessoas presentes, captando a recepção às canções, com dificuldade de inibir a satisfação ao ouvir o coro (Foto: Ana Raquel/Dragão do Mar)

Mais do que nunca, Marcelo D2 abraça a ancestralidade e leva a resistência política na sua voz. Munido dos grandes ritmos negros brasileiros, o artista vestiu de vez a camisa do samba e parecia querer atestar a força desse gênero quando puxava seus clássicos e jogava a responsabilidade para o público. Ele observava atento as pessoas presentes, captando a recepção às canções, com dificuldade de inibir a satisfação ao ouvir o coro.

No palco da Praça Verde, Marcelo D2 quase parecia iniciante. O cuidado com o público, a energia jovial e a demonstração de emoção por ver o espaço lotado para vê-lo parecia que a experiência estava entre as primeiras de sua vida. A qualidade vocal e domínio da apresentação, entretanto, deixavam óbvias suas décadas de prática. Mas, acima de tudo, seu dom, talento e paixão pela arte.

No espírito festivo incorporado pelo projeto de samba, o show foi finalizado em clima carnavalesco com a saideira Zé do Caroço, de Leci Brandão. Com direito a exibição da bandeira da Mangueira, grande escola de samba carioca, os artistas que fizeram a roda de samba acontecer se despediram em um pequeno desfile, deixando para trás um gostinho de “quero mais”. O público, do outro lado, parecia disposto a ficar “até clarear”, como diz uma das primeiras músicas tocadas no show.

“Eu canto que é pra renascer”, ele diz na décima primeira faixa de IBORU. Na noite deste domingo, pedindo a benção de quem veio antes, Marcelo D2 renasceu mais uma vez. Junto dele, levou não só os grandes sambistas do Brasil e o próprio samba, mas também o público cearense nessa catarse coletiva poderosa do novo samba tradicional.

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