A Educação a Distância (EAD) é regulamentada nas Instituições de Ensino Superior (IES) brasileiras desde 2017. De acordo com o decreto 9057/2017, publicado pelo Ministério da Educação (MEC), a modalidade proporciona uma maior oferta de cursos de graduação e pós-graduação. Dados do Censo de Educação Superior de 2016 apontam que 33% dos universitários entram no ensino através do EAD.
Entretanto, pensa-se em uma proposta para ampliar esse modelo de ensino. O presidente recém-eleito Jair Bolsonaro (PSL), juntamente com sua equipe, pretendem levar a Educação a Distância para o ensino fundamental e médio, sobretudo, em áreas com menor desenvolvimento econômico e social. A ideia, segundo o plano de governo, é baratear os custos da educação pública e incentivar o ensino familiar (homeschooling) de crianças e adolescentes.
Mas afinal, essa medida é possível nas atuais condições de infraestrutura do Brasil? Como a educação dos jovens seria modificada?
A socialização como um problema ignorado
Assim como todo o universo de ensino de disciplinas presente na vida escolar de crianças e adolescentes, especialistas afirmam que a convivência com os colegas e professores é fundamental para o desenvolvimento desses jovens em áreas como cidadania e ética. Sem esse contato, a educação corre o risco de ficar robotizada, com um estímulo menor ao pensamento de questões que envolvem o meio social.
Para Maria das Graças Araújo, doutora em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC), a EAD no ensino básico seria prejudicial ao processo de socialização dos estudantes. “O convívio entre as crianças e adolescentes seria afetado consideravelmente. O contato entre as pessoas de forma presencial é indispensável para a humanização de cada ser, uma vez que a educação não deve ser pensada apenas como transmissão de conhecimentos, mas acima de tudo de partilha de experiências, de valores e atitudes”, explica.
Além disso, o processo de disciplina em uma fase de formação pode ser mais complicado e necessita de uma orientação para não prejudicar a busca do conhecimento. Para Lis de Maria, coordenadora do Laboratório de Pesquisa Multimeios da Faculdade de Educação da UFC, “qualquer atividade didático-pedagógica realizada na modalidade EAD perpassa por um processo de autonomia, nem sempre construída e consolidada durante os processos de escolarização dos educandos. A falta dessa autonomia pode ocasionar impactos como o desinteresse pelos estudos e corrobora fortemente para o aumento nas taxas de evasão, uma vez que os alunos podem se sentir perdidos, sozinhos, sem condução e orientação didática”, afirma.
A infraestrutura permite esse modelo?
Se por um lado, a Educação a Distância ajuda a levar o ensino até comunidades distantes ou isoladas (como em algumas regiões da Amazônia), por outro, estender esse método para todo o país necessita de uma estrutura mais consolidada, com eletricidade e um acesso à internet mais democrático e barato.
De acordo com Lis de Maria, a implementação da oferta de EAD perpassa, prioritariamente, pela garantia das condições estruturais nas instituições de ensino. "O acesso à condições físicas adequadas seria o primeiro aspecto a ser considerado. O segundo seria trabalhar com a formação dos professores que pudessem articular elementos dos processos de inclusão digital no ensino a distância. Sabe-se que, em razão da geografia brasileira, é ilusório pensar em único modelo para as diversas áreas do território nacional. A implementação desta modalidade requer um olhar cuidadoso sobre as reais necessidades da população brasileira”, destaca.
Mauro Pequeno, diretor do Instituto UFC Virtual, explica que esse método de ensino também não pode ser aplicado da noite para o dia. “Eu acredito que os professores, as escolas e os alunos não estão preparados. Não se pode somente dar uma canetada e dizer que ‘a partir de amanhã vai ter’. Não funciona assim. Tem que haver um momento de preparação para não ter um impacto grande transformando tudo em Educação a Distância”, comenta.
Como fica para os professores?
Assim como a ampliação do EAD modificaria a rotina dos alunos, para os professores, essa provável realidade os submetem a uma readequação de suas propostas de ensino. A doutora em educação Maria das Graças Araújo entende que a mudança reforçaria os riscos que a ampliação do modelo pode causar. “Corre-se o risco de o professor se tornar um mero monitor do processo de ensino, ao executar apenas as tarefas prontas que a estrutura do ensino propor”, enfatiza.
Já no ambiente universitário, a mudança ocorreria na especialização dos docentes. Mauro Pequeno explica que para o ensino médio, tem que introduzir nas licenciaturas uma formação para os professores. "Porque os que estão sendo formados atualmente não têm esse viés de Educação a Distância. Então, acredito que pode haver um reflexo nas licenciaturas, na questão de disciplinas específicas, a fim de preparar os futuros professores para essa nova realidade”, afirma.
De toda forma, entende-se que a EAD é importante para levar o ensino a um público maior, proporcionando uma melhor adesão às IES. Entretanto, dentro do ensino básico, essa proposta traz carências à etapas de formação que não se restringem somente as disciplinas. A formação presencial é fundamental para o desenvolvimento dos cidadãos.
Reportagem de Pedro Silva com orientação de Carolina Areal.