"Eu vejo todo mundo muito animado com o final do ano, principalmente no Natal. Muita gente fica muito feliz e animada, mas eu nunca relacionei nem o Natal nem a virada com essa alegria toda. Às vezes eu sou até cobrado por isso. A minha irmã, ano passado, decorou a casa toda e reclamou que eu não tinha ajudado, disse que era a melhor época do ano e eu não me sinto assim, sabe? Não é uma época do ano que eu assimile com coisas boas não."
Este é o depoimento do estudante universitário Felipe Sombra. Assim como ele, outras pessoas não pensam no fim de ano como algo a ser celebrado. Este período festivo, inclusive, pode gerar sentimentos de tristeza, frustração e solidão.
Na maioria dos casos essa melancolia que o fim de ano acarreta está ligada às grandes expectativas e planos irreais que foram impostos ao ano que está acabando. Especialistas sobre saúde mental afirmam que é preciso ter força para entender que nem todos os planos serão atingidos e evitar esses maus sentimentos nesse período, que tem até termo em inglês: “Holiday Blues”, que significa “tristeza de feriado” em tradução livre.
O professor de psiquiatria da Universidade Federal do Ceará (UFC) Fábio Gomes de Matos explica que esses sentimentos são mais comuns de acontecerem do que imaginamos:
"Esse balanço, muitas vezes, de coisas que a gente queria e não conseguiu, das coisas que a gente desejava em termos de relacionamento e não conseguiu, das famílias que gostaríamos de ter pacificadas e não conseguimos, de uma melhoria no trabalho que a gente não conseguiu, de uma época ou período na faculdade que não se saiu bem etc. Essa época de balanço pode gerar o quadro depressivo e o quadro depressivo é o mais associado à tentativa de suicídio e à morte por suicídio. Então o que você pode fazer? Pensar em 2020. A grande sacada é a gente imaginar que, embora 2019 não deram certo muitas coisas, 2020 pode dar porque 2020 não precisa ser igual ao ano 2019."
Apesar de poder acarretar problemas mais sérios, o desânimo causado pela chegada dos feriados de fim de ano não está exatamente relacionado à depressão. Os sintomas, como humor deprimido, alterações no sono e no apetite, normalmente são passageiros com a chegada de novos períodos. O médico psiquiatra e também coordenador do projeto PRAVIDA da UFC, Fábio Gomes, faz essa diferenciação:
"Não existe uma coisa dicotômica entre tristeza e depressão, existe uma coisa dimensional. Há um espectro que vai desde o quadro de tristeza mais leve até um quadro de depressão mais grave com risco de suicídio. O objetivo nosso é que as pessoas não fiquem deprimidas. A tristeza é normal, a depressão não. Acontece uma coisa ruim na sua vida e é óbvio que você vai ficar triste, mas isso não significa dizer que você vai ficar deprimido. Você vai ter uma gama de problemas, mas esses sintomas tem que durar mais de duas semanas para caracterizar um quadro depressivo. A maioria das pessoas, felizmente, tem tristeza no final do ano que não desembocam em um quadro mais grave."
Um dos canais de ajuda para esses momentos é o Centro de Valorização à Vida (CVV). É um projeto filantrópico e sem fins lucrativos, que presta “serviço voluntário e gratuito de apoio emocional para todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo e anonimato”.
Segundo o próprio CVV, as ligações aumentam em média 20% durante o mês de dezembro. A coordenadora do Centro em Fortaleza, Rejane Felipe, aponta que, quando atendia apenas localmente, foi possível comprovar o dado:
"A minha experiência pode te confirmar quando a gente atendia só a população de Fortaleza. Porque eu tinha um tempo de espera entre uma ligação e outra porque as pessoas ligavam de Fortaleza para o posto de Fortaleza. Então vamos supor que de janeiro a novembro dava um intervalozinho [sic] entre uma ligação e outra. Quando era dezembro, a gente percebia muito fortemente que as ligações não paravam."
Há também outras formas de passar por esse período que pode ser difícil para algumas pessoas. O universitário Felipe Sombra conta que, para amenizar a melancolia que as festividades de fim de ano trazem, ele se propõe a não repetir as coisas que fez no ano anterior. Ele comenta ainda sobre a importância de discutir sobre essa temática e de alternativas:
"Até porque uma parte do tratamento psicológico é relacionado com o fato de você entender que aquilo é um problema comum e que outras pessoas têm aquele problema, que outras pessoas passam por aquela situação para poder superar isso. Tem alguns colegas meus que também não gostam. Já fazem dois anos que no Natal a gente se encontra. Vai cada um para sua confraternização e depois se reúne na casa de um deles para conversar, sendo mais vantajoso pra gente do que a própria confraternização do Natal em si."
Apesar de o Natal e Ano Novo serem momentos capazes de gerar sentimentos de tristeza, a entrada de novos ciclos também pode representar mudanças positivas. Além disso, é importante destacar que, mesmo que o fim de ano traga atenção para essas questões, o cuidado com a saúde mental deve ser feito durante todo ano.
Reportagem de Calianne Celedônio com orientação de Carolina Areal e Igor Vieira