17/04/20

Ensino remoto é ponto de discussão nas Instituições do CE

A Universidade Federal do Ceará (UFC) prorrogou a suspensão das atividades acadêmicas e administrativas até o dia 30 de abril (Foto: Sandro Valentim)

A pandemia da Covid-19 provoca efeitos negativos não só na área da saúde e da economia, mas também na educação. No mundo inteiro, de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), mais de 850 milhões de estudantes estão sem aulas devido ao novo coronavírus.

No Brasil, a decisão de suspender as aulas em Instituições de Ensino Superior (IES) é mais uma tentativa de reduzir o risco da disseminação do vírus por meio da aglomeração de pessoas. No dia 18 de março, o Ministério da Educação autorizou, através da portaria nº 343, de 17 de março de 2020, a utilização de tecnologias digitais para a substituição temporária das aulas presenciais pelo prazo inicial de 30 dias. 

A princípio, a Universidade Federal do Ceará (UFC) paralisou suas atividades acadêmicas presenciais até o dia 9 de abril. Nessa ocasião, o Conselho Universitário da UFC  (CONSUNI) aprovou, com placar de 23 a favor e 18 contra, uma resolução que autoriza as "atividades acadêmicas remotas, incluindo orientações, fóruns e aulas mediadas por tecnologia". 

Porém, em caráter de urgência e considerando as recomendações do Comitê de Enfrentamento à Covid-19 na UFC, a instituição prorrogou a suspensão das atividades presenciais administrativas e acadêmicas até o dia 30 de abril, conforme determinado na Resolução Ad Referendum nº9/CONSUNI. A decisão foi assinada na tarde do dia 8 de abril pelo reitor Cândido Albuquerque.

Durante reunião do CONSUNI, realizada no dia 30 de março, os representantes dos docentes, discentes e técnico-administrativos da UFC votaram contra a possibilidade de substituição de aulas presenciais por atividades remotas na instituição (Foto: Reprodução/ TVJ1)

Durante reunião do CONSUNI, realizada no dia 30 de março, os representantes dos docentes, discentes e técnico-administrativos da UFC votaram contra a possibilidade de substituição de aulas presenciais por atividades remotas na instituição (Foto: Reprodução/ TVJ1)

Parte da comunidade acadêmica desaprovou as medidas estabelecidas. De acordo com Nahuan Gonçalves, um dos representantes dos alunos no CONSUNI, que cursa Ciências Sociais na UFC, a decisão não levou em conta as particularidades do corpo estudantil. “Tem estudante que não tem acesso à Internet. Então a gente percebe que as atividades remotas ferem o princípio de isonomia da Universidade, já que muitos não poderão participar”, afirma.

Gabrielle Feitosa é mestranda em psicologia e coordenadora da Associação de Pós-Graduandos da UFC. Ela também é representante dos alunos no CONSUNI e se mostrou igualmente contrária à medida adotada. “No momento, o melhor que nós podemos fazer para os alunos é suspender o calendário que concerne às aulas. Isso poderia trazer um pouco de segurança nesse cenário de instabilidade que estamos vivendo no momento”, declara Gabrielle.

O Conselho Universitário, em sua maioria, concordou que as atividades remotas seriam aplicadas de acordo com decisão individual dos professores. Gabriel Paillard é diretor do Instituto UFC Virtual e votou favorável a resolução do CONSUNI. Ele reforça que a decisão não tem intenção de prejudicar os estudantes. “O nosso conselho decidiu, justamente, garantir a isonomia a todos os alunos. Ou seja, a gente não tá adotando atividades remotas que possam substituir a carga presencial. De toda forma, a resolução que saiu pelo CONSUNI garante, para as unidades acadêmicas que o queiram, repor as aulas futuramente”.

A Faculdade de Direito é um dos centros onde as aulas virtuais foram implementadas na UFC. De acordo com o diretor Maurício Benevides Filho, manter o calendário acadêmico é importante para garantir o funcionamento dos serviços prestados pela Universidade. "Alguns conselhos de centro escolheram parar totalmente, e essa decisão está sendo respeitada pelo CONSUNI. Evidente que sabemos que muitos alunos não têm a estrutura ideal de acesso à Internet. É preciso compreender, também, a importância de manter a nossa comunidade mobilizada. Seja para auxiliar no seu bem-estar psíquico, seja para assegurar a manutenção de pagamentos de bolsas, auxílios e serviços prestados à nossa comunidade acadêmica e à sociedade”, reforça o diretor da Faculdade de Direito da UFC.

CONDIÇÕES DE ACESSO

De acordo com levantamento da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), publicado em maio de 2019, cerca de 70% dos estudantes da rede federal são de famílias com renda mensal per capita de até um salário mínimo e meio. 

Para a professora da UFC Helena Martins, é necessário garantir acesso à internet para toda a população. "A realidade de conexão no Brasil é de conexões precárias para maioria da população. Essa medida também não leva em consideração que muitas pessoas estão sobrecarregadas nesse período de pandemia" (Foto: Arquivo Pessoal)

Para a professora da UFC Helena Martins, é necessário garantir acesso à internet para toda a população. "A realidade de conexão no Brasil é de conexões precárias para maioria da população. Essa medida [das aulas remotas] também não leva em consideração que muitas pessoas estão sobrecarregadas nesse período de pandemia" (Foto: Arquivo Pessoal)

Helena Martins é professora do Curso de Publicidade e Propaganda da UFC e uma das representantes dos docentes no CONSUNI. Ela conta que, ao passar pela experiência de ministrar uma aula online, notou as dificuldades enfrentadas por seus alunos. “Eu cheguei a ofertar uma aula de teorias por meio de uma plataforma de teleconferência, o Jitsi. Ao longo da aula, vários estudantes me escreveram colocando que o 3G tinha acabado, que não tinham wi-fi em casa, que só acessavam pelo celular. Então a realidade de conexão no Brasil é precária para a maioria da população. O que mais cresceu nos últimos anos no país foi a conexão via 3G/4G, que muitas vezes é limitada por franquia. Uma franquia baixa, inclusive, de dados e que simplesmente não vai garantir ao estudante um bom acesso aos conteúdos, possibilidades de abrir abas, buscar outras ferramentas. Enfim, é de fato um acesso limitado porque é feito pelo celular”, garante Helena Martins.

A dificuldade de acesso à internet foi tema de estudo realizado pelo Observatório Social da Covid-19 da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e divulgado no início de abril. A  partir de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o observatório concluiu que 42 milhões de brasileiros não têm acesso à internet. O levantamento revela ainda que são 17 milhões de domicílios sem internet, a maioria deles localizados fora das regiões metropolitanas.

Eduardo Junqueira é professor da UFC e Associado do Instituto UFC Virtual. Ele também acredita que as aulas remotas não são uma alternativa viável para os estudantes nesse momento de pandemia. A falta de qualificação dos professores para lecionar através das ferramentas digitais é outro ponto que chama atenção de Eduardo Junqueira. Para o professor, a qualidade do ensino pode decair. 

“A grande maioria deles nunca recebeu uma formação, um treinamento, para atuar fora da sala de aula na especificidade das disciplinas que eles ministram. Então, apesar de esses professores serem muito dedicados, interessados e competentes, existe um conhecimento específico da área da educação a distância, um conhecimento pedagógico, que muitos não têm. Então a gente tem um contexto bastante desfavorável também para pensar na qualidade pedagógica dessas ações que estão sendo desenvolvidas”, reflete Eduardo Junqueira. 

De acordo com a resolução do CONSUNI, "quando do retorno às atividades presenciais, a Pró-Reitoria de Graduação da UFC (PROGRAD) promoverá alterações no calendário, permitindo que as coordenações dos cursos ajustem seu conteúdo programático, considerando a suspensão das atividades presenciais, garantindo as mesmas condições de ensino e aprendizagem aos alunos e seguindo o projeto pedagógico dos cursos (Foto: Divulgação/ MCTIC)

De acordo com a resolução do CONSUNI, "quando do retorno às atividades presenciais, a Pró-Reitoria de Graduação da UFC promoverá alterações no calendário, permitindo que as coordenações dos cursos ajustem seu conteúdo programático, considerando a suspensão das atividades presenciais, garantindo as mesmas condições de ensino e aprendizagem aos alunos e seguindo o projeto pedagógico dos cursos (Foto: Divulgação/ MCTIC)

Com a prorrogação da suspensão até o dia 30 de abril, a UFC reforçou a previsão de reavaliação do Calendário Universitário para que não haja prejuízo à comunidade acadêmica. As alterações serão providenciadas pela Pró-Reitoria de Graduação da UFC “garantindo as mesmas condições de ensino e aprendizagem aos alunos e seguindo o projeto pedagógico dos cursos”.

Sobre a reposição das aulas, o reitor da UFC Cândido Albuquerque declarou, durante a reunião do Conselho Universitário do dia 30 de março, que “a única coisa que temos de certeza é de minimizar prejuízos, apoiar a nossa comunidade, repor posteriormente as atividades que estão suspensas e amparar os estudantes, servidores e funcionários terceirizados”.

NO CEARÁ

Outras instituições de ensino superior no Estado também tiveram que se adaptar à rotina de isolamento social. Na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), o calendário acadêmico da graduação e da pós-graduação foi suspenso, sendo mantido somente o calendário específico da educação a distância (IEAD).

A Universidade Estadual do Ceará (UECE) também paralisou suas atividades, mas segue com aulas remotas para garantir a conclusão do semestre 2019.2 (Foto: Reprodução/ Internet)

A Universidade Estadual do Ceará (UECE) também paralisou suas atividades até o fim de abril, mas avalia a realização de aulas remotas para garantir a conclusão do semestre 2019.2 (Foto: Reprodução/ Internet)

O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) suspendeu as atividades acadêmicas presenciais até o dia 30 de abril nos 33 campi da instituição. Já as aulas dos cursos que já eram ofertados na modalidade de educação a distância seguem normalmente, pois a instituição acredita que essas atividades “não ferem as recomendações de isolamento social”. O IFCE decidiu também que cada campus tem a permissão de concluir, na modalidade a distância, as atividades de turmas que estão no último semestre de seus respectivos cursos.

Já a Universidade Regional do Cariri (URCA) aprovou, no dia 7 de abril, a suspensão até 30 de abril das atividades acadêmicas presenciais, a manutenção do calendário acadêmico 2019.2 e a possibilidade de adoção de atividades remotas na instituição. A resolução aprovada pela URCA diz ainda que os estudantes “com restrição de acesso às atividades remotas não poderão, em qualquer hipótese, ter o seu processo de ensino-aprendizagem comprometido, inclusive em termos de frequência. Será garantido para os referidos discentes o acompanhamento e a recuperação do conteúdo programático quando da normalização das atividades presenciais”.

A Universidade Estadual do Ceará (UECE) publicou uma nota em seu portal afirmando que está “em busca de soluções responsáveis para o encerramento do semestre 2019.2, que teve início no dia 02 de dezembro de 2019”. As atividades presenciais da instituição ficarão suspensas durante o mês de abril, e o semestre de 2020.1 só será iniciado quando existir “condições normais que garantam aulas presenciais com qualidade e segurança”. Em nota, a UECE admite a “finalização de disciplinas por meio do ensino remoto, nos casos em que houver condições efetivas de acesso de professores e estudantes à  Internet e às tecnologias de comunicação e informação requeridas”. A instituição reforça que os professores terão autonomia “para avaliar as particularidades de cada disciplina e escolher as ferramentas mais adequadas para a realização do ensino remoto”.

Reportagem de Lara Vieira e Carolina Areal para o site da Rádio Universitária FM

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