24/06/24

Diamba, Histórias do Proibicionismo no Brasil

O livro Diamba, Histórias do Proibicionismo no Brasil discute a legalização das drogas nos dias de hoje. (Imagem: Reprodução/ Instagram)

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Vitória Rassanth
Especial para a Rádio Universitária FM 107,9

 

Diamba, ouro verde, liamba, riamba, marijuana ou até macumba. Conhecida por diferentes nomes, a maconha foi disputada inclusive pelas entidades de matrizes africanas: Ossaim, orixá curandeiro, conhecia os mistérios das ervas. Xangô estava insatisfeito e queria que esses segredos fossem divididos entre todos os outros. Ossaim, para que os demais orixás não o invejassem, compartilhou as folhas entre as entidades. Ogum ficou com uma folha em formato de espada. Xangô e Iansã receberam folhas da cor vermelha. Iemanjá ganhou o olho de Santa Luzia. E Exu, orixá da comunicação, mensageiro entre os dois mundos, ficou com a Diamba.

Assim começa o livro em quadrinhos Diamba: Histórias do Proibicionismo no Brasil, escrito pelo cartunista Daniel Paiva. A produção é um grande manifesto antirracista e pró-maconha. O trabalho documenta o uso da erva desde a antiguidade, passando pela chegada no Brasil Colônia durante a diáspora africana e chegando aos dias de hoje. O livro narra casos famosos como as prisões de Gilberto Gil, Rita Lee e Planet Hemp e também eventos inusitados como o Verão da Lata e o Verão do Apito. Diamba também registra a história extra-oficial de jovens periféricos violentados e encarcerados pela Polícia Militar, registrados em matérias de jornais.

Conversamos com o autor Daniel Paiva sobre o processo de produção da HQ.

Daniel Paiva, autor de "Diamba - Histórias do Proibicionismo", é cartunista, editor, músico e cineasta. (Foto: Divulgação)

Daniel Paiva documentou e quadrinizou Diamba - Histórias do Proibicionismo (Foto: Divulgação).

Daniel Paiva: "Para contar essa história eu consultei, artigos históricos, livros de história, teses de mestrado. Fiz um grande levantamento e tem tudo isso na bibliografia no final do livro. Mas ao mesmo tempo, aquela narrativa, entre aspas ficcional, que eu uso pra costurar a história, me inspirei em notícias de jornal. Então são histórias verdadeiras, notícias verdadeiras que foram me municiando."

Daniel Paiva é cartunista, cineasta e músico brasileiro. A temática da maconha aparece em outras produções dele, como uma coletânea publicada na revista Tarja Preta, da qual ele foi editor.

Daniel Paiva: "O primeiro livro que eu lancei foi em 2020 (dois mil e vinte). Foi uma produção independente, uma edição do autor e eu fiz uma coletânea dos meus quadrinhos canábicos. Eu fazia esses quadrinhos que eram de humor, eram tirinhas com o cotidiano. Eu não diria despretensiosa, porque eu já estava mexendo com o tabu e isso já é política. O nome do livro é Beto e Dé e Outros Quadrinhos Canábicos, então Beto e Dé são esses meus dois personagens principais, que são dois maconheiros sentados, fumando e falando bobagem ou jogando conversa fora."

No livro de Daniel, aparecia também o Boldinho, uma paródia do Cebolinha. Só que ao invés de cinco fios de cabelo, Boldinho tinha folha de maconha na cabeça. No lançamento do livro, o cartunista recebeu uma notificação extrajudicial proibindo a veiculação da figura, apesar do gênero da paródia ser permitido pela Lei do Direito Autoral no Brasil. O autor teve que cortar as páginas em que Boldinho aparecia no seu livro.

Daniel Paiva: "Eu chamo de desboldizado, então o livro não tem o Boldinho pra resguardar a família brasileira. Passei a vender esse livro dessa forma, que dá a maior pena, dá maior dó no coração, de cortar as páginas do meu próprio livro. Eu digo que é uma automutilação."

Já em Diamba, Daniel Paiva se desafiou a criar uma narrativa sobre o universo da maconha se distanciando do humor. O almanaque foi publicado em 2023 pela Editora Brasa, que fez um trabalho interessante no design da publicação.

A capa do livro Diamba se assemelha a um maço de cigarro e foi elaborada pela editora A Brasa Editora. (Foto: Divulgação)

A capa do livro Diamba se assemelha a um maço de cigarro e foi elaborada pela editora Brasa Editora (Foto: Divulgação).

Daniel Paiva: "A Editora Brasa teve um outro papel, que também ficou muito legal, da capa e o do das cores do livro. Então, a capa eu dei essa ideia de ser um grande maço de cigarro meio vintage, meio antigo. É como se a maconha fosse legalizada e pudesse ser uma marca, pudesse estar na prateleira. Estava imaginando o livro nas prateleiras de uma loja sendo confundido com um produto. Imaginei isso, um produto na estante, um produto de âmbar."

A obra une o tempo presente com vários flashbacks. Diamba é uma história descontínua, que narra o enquadro e o cárcere de um jovem negro, numa favela brasileira.

Daniel Paiva: "Com uma história de um jovem da favela levando uma dura da polícia quando ele está saindo. E ele está com um boné de maconha, um boné com a folha da maconha estampada. Isso eu me inspirei numa notícia de jornal, realmente alguém que foi detido só por estar usando um boné com a folha de maconha. Então, a partir dessa narrativa em tempo presente, eu vou indo e voltando no tempo, fazendo flashbacks e contando a história da proibição no Brasil, um pouco da história do Brasil também, claro."

A história em quadrinhos "Diamba" expõe o racismo na proibição da maconha no país. (Foto: Divulgação).

A história em quadrinhos "Diamba" expõe o racismo na proibição da maconha no país (Foto: Divulgação).

No trabalho de Daniel Paiva, a perseguição policial e o racismo são temas centrais, denunciados como instrumentos de marginalização e criminalização. Enquanto  o Supremo Tribunal Federal não decide sobre a descriminalização do porte de drogas, dá tempo de ler Diamba: Histórias do Proibicionismo no Brasil, uma obra que documenta as formas de repressão, de censura e de perseguição da maconha, desmistificando suas raízes e seus usos.

Exú é uma divindade mensageira entre o mundo dos homens e dos orixás. Por todas suas características, foi demonizado e associado ao Diabo pelas religiões cristãs maniqueístas. Exú e sua planta, a diamba, até hoje são marginalizadas por uma sociedade estruturada na escravatura. Mesmo assim, as culturas afro-brasileiras e a liberdade pessoal do uso de maconha resistem a um Brasil embranquecido e proibicionista.

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