16/10/20

Dia Mundial da Alimentação: Guia Alimentar no Brasil

O Guia Alimentar para População Brasileira já recebeu elogios de órgãos como a FAO e a OMS, servindo de referência para a produção de guias em outros países, como França e Canadá (Foto: Reprodução/Internet)

O Brasil possui um guia que orienta práticas alimentares saudáveis para sua população. É o Guia Alimentar para a População Brasileira, publicação do Ministério da Saúde, que foi alvo de polêmica em setembro deste ano. Veículos de imprensa noticiaram que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento teria enviado um ofício ao Ministério da Saúde solicitando a revisão do guia. Acompanhado ao documento, estaria uma nota técnica criticando a recomendação para evitar o consumo de alimentos ultraprocessados.

Elza Braga é socióloga e professora aposentada pela Universidade Federal do Ceará, atuando em linhas de pesquisa sobre políticas públicas e segurança alimentar. Elza foi membro do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), extinto nos primeiros dias do governo Bolsonaro por medida provisória. A professora acompanhou o debate e os estudos que envolveram a elaboração da segunda e mais atual edição do guia, ocorrida em 2014. Ela explica a importância do documento para a população brasileira:

"O Guia Alimentar tem como objetivo promover a saúde e melhorar o padrão alimentar da população brasileira, além de servir de subsídio para a elaboração de políticas e programas nacionais de educação e nutrição no país. O guia também é uma ferramenta muito importante para promover processos formativos em educação alimentar e nutricional, visto que ele visa informar e também orientar a formação de hábitos alimentares, e fornecer elementos que orientem a população sobre as condições de saúde."

A publicação classifica os alimentos por nível de processamento. Recomenda um maior consumo de alimentos in natura, extraídos diretamente da natureza, e os minimamente processados, ou seja, que passaram por processos apenas para o seu beneficiamento. O guia recomenda expressamente evitar o consumo de alimentos ultraprocessados. Essa categoria engloba aqueles que resultam de um processo industrial e que podem, inclusive, não conter alimentos in natura na sua composição. É comum que esses produtos sejam feitos com ingredientes de uso exclusivamente industrial. São compostos sintetizados em laboratório a partir de outros alimentos ou de outras fontes orgânicas, como o petróleo e o carvão, por exemplo.

Alimentos ultraprocessados, como salgadinhos de pacote e biscoitos recheados podem facilitar o surgimento de diabetes e hipertensão, as chamadas Doenças Crônicas Não-Transmissíveis (Foto: Reprodução/Internet)

Alimentos ultraprocessados, como salgadinhos de pacote e biscoitos recheados, podem facilitar o surgimento de diabetes e hipertensão, as chamadas Doenças Crônicas Não-Transmissíveis (Foto: Reprodução/Internet)

De acordo com os veículos de imprensa que noticiaram a contestação do Ministério da Agricultura às recomendações do guia, a nota técnica definiria a classificação dos alimentos como confusa e incoerente, impedindo a ampliação da autonomia das escolhas alimentares.

Mariana Dantas é professora do Departamento de Nutrição da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Pesquisadora sobre o consumo de alimentos ultraprocessados, ela explica o motivo da recomendação do guia para evitar o consumo desses alimentos:

"A composição desequilibrada que eles têm é rica em gordura saturada, açúcar, sódio, e, por outro lado, baixa em fibras, vitaminas, minerais. Então, esse consumo exagerado desses alimentos contribui para uma ocorrência maior de doenças crônicas, dentre as quais, a gente pode citar diabetes, hipertensão e a própria obesidade."

O Guia Alimentar para a População Brasileira é fruto da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN). Essa política possibilitou que o Brasil saísse do chamado Mapa da Fome em 2014, de acordo com a agência da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). O Mapa da Fome lista os países com mais de 5% da população em situação de extrema pobreza.

Porém, números divulgados em setembro deste ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) voltam a preocupar em relação ao grau de insegurança alimentar no país. A Pesquisa de Orçamentos Familiares, com dados referentes a 2017 e 2018, revelou que 10,3 milhões de brasileiros viviam em domicílios que passaram por insegurança alimentar grave, o que significa privação severa de alimentos.

Dados do IBGE sobre a fome no Brasil deixam o país em alerta. Segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares. Entre 2017 e 2018, o número de domicílios com algum nível de insegurança alimentar chegou a 36,7%. (Foto: Agência IBGE Notícias/Reprodução)

Dados do IBGE sobre a fome no Brasil deixam o país em alerta. Entre 2017 e 2018, o número de domicílios com algum nível de insegurança alimentar chegou a 36,7%. (Foto: Agência IBGE Notícias)

Neila Santos é conselheira do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional do Ceará (Consea-CE), atuando também na coordenação do Fórum Cearense de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN). Ela associa o aumento de pessoas em insegurança alimentar grave a retrocessos nas políticas públicas de combate à fome:

"Os retrocessos em programas e políticas, que já estavam consolidados em nosso país e que foram retirados dessas pessoas, inviabilizam e impedem que as pessoas tenham acesso a um direito básico de suas vidas, que é o direito à alimentação, e o direito à alimentação adequada e saudável. A Pesquisa de Orçamentos Familiares, os dados que são revelados, com o Brasil voltando ao Mapa da Fome, com essa quantidade de pessoas vivendo com privações severas de alimentos… porque privação severa é fome! Isso tende, inclusive, a se agravar nas próximas pesquisas em função da pandemia."

Há muitos anos, a fome e a má alimentação são tratadas como problemas mundiais. Prova disso é a orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS) para que seus países membros elaborem guias alimentares para promover uma alimentação de qualidade. 

Outro fato de destaque foi a criação da própria FAO. Em 16 de outubro de 1945, a Organização das Nações Unidas (ONU) criou sua agência para unificar esforços no combate à fome em todo o mundo. Desde 1981, a data é lembrada como o Dia Mundial da Alimentação. Todos os anos, é escolhido um tema representativo para o dia. Neste ano, o tema será “Cresça, alimente, sustente. Juntos”. É também da ONU que surge o Programa Mundial de Alimentos, ganhador do prêmio Nobel da Paz em 2020.

Reportagem de Gustavo Castello com orientação de Raquel Dantas e Igor Vieira.

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