26/04/24

Crônica: Não entendi, mas achei muito bonito

A Orquestra Jacques Klein & Coral Vozes de Iracema se apresentaram no dia 19 de abril na Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (Foto: Larissa Nobre/Divulgação)

A orquestra se apresentaria na sexta-feira, dia 19 de abril. Desde terça eu sabia que iria. Os três dias de diferença entre o evento e o pedido da minha nova supervisora para que eu fosse cobri-lo foram preenchidos por tudo o que o imaginário do universo da música clássica pode oferecer a quem nunca chegou perto de uma orquestra na vida.

“O que a gente veste pra ir pra isso?”, foi a primeira pergunta que ouvi do meu pai quando o convidei para ir ao concerto comigo. A preocupação dele logo somou-se às minhas. A excitação de fazer algo pela primeira vez vinha acompanhada de medo de não ter capacidade de adentrar a galáxia tão tão distante do erudito.

A situação despertou a recordação de uma aula que tive no ano passado. A voz da professora ecoou repetidamente na minha cabeça: “o jornalista tem que saber transitar por todos os lugares”. Deixar a sensação de não-pertencimento se espraiar não era uma opção. A única alternativa era recorrer à coragem para lidar com o novo e embarcar na experiência.

Eu, pelo menos, podia me ancorar no profissionalismo. Mas acho que nunca tinha visto meu pai se importar com o que iria vestir. Parece que era hora de resgatar a calça social quase esquecida da gaveta. Será que dobra a manga da camisa? Deve estar todo mundo muito arrumado. Será que a gente destoa muito?

Homens vestidos de paletó e gravata e mulheres com longos vestidos e salto alto, em uma igreja luxuosa, localizada na Aldeota – uma Fortaleza que fica em outro universo, para uma apresentação de música erudita. O cenário certamente seria esse, mas a gente tinha que ir. Quer dizer, eu tinha. Meu pai, na verdade, só foi porque eu pedi, o que não é nada incomum na dinâmica do nosso cotidiano.

No fim das contas, só a localização era real. Chegado o grande dia, o salão da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias acomodou muitas pessoas, mas o terno, felizmente, ficou apenas por conta do maestro. Ufa!

Para o maestro Luis Maurício Carneiro, "a música de concerto não vai te fazer dançar, ela é uma música para te fazer sentir. É arte". (Foto: Divulgação)

Para o maestro Luis Maurício Carneiro, "a música de concerto não vai te fazer dançar, ela é uma música para te fazer sentir. É arte." (Foto: Larissa Nobre/Divulgação)

A ansiedade anterior abriu espaço para uma espera impaciente pela entrada da orquestra e do coral. Faltavam aproximadamente 30 minutos para as 20h, horário marcado para o início da apresentação, quando nós chegamos. Enquanto aguardava a Orquestra Jacques Klein & Coral Vozes de Iracema, o que não parava de tocar na minha cabeça era Mateus Fazeno Rock. Deu tempo de cantarolar, observar o ambiente, comentar sobre o espaço, pensar em trocar de lugar, tentar adivinhar quem era o maestro e como seria entrevistá-lo.

Pronto. Parte das luzes foram desligadas e os jovens músicos, todos vestidos de preto, estavam a postos com seus instrumentos. Acompanhei as nuances das músicas pela expressão corporal do maestro, pensei nas cenas de bailes dos filmes que se passam na era vitoriana e lembrei de Jane Austen.

Primeiro, foram contemplados grandes compositores da música clássica, seguido de músicas contemporâneas. Logo depois, “Tempo de Maracatu” tomava conta de alguma parte do corpo com um ritmo familiar. Enfim, o coral, que suscitou aplausos ainda mais encorpados do público, preencheu o palco e deu voz a canções cristãs.

O Coral Vozes de Iracema suscitou aplausos encorpados do público (Foto: Divulgação)

O Coral Vozes de Iracema suscitou aplausos encorpados do público (Foto: Larissa Nobre/Divulgação)

Finalizado o concerto, era hora de falar com o maestro, mesmo um pouco amedrontada pela sua figura imponente. O que eu conhecia de maestros se restringia a Terrence Fletcher e Lydia Tár. Entretanto, eles têm três coisas em comum: a profissão, o comportamento problemático e intimidador e, claro, o fato de serem fictícios.

Sei que Luis Maurício Carneiro era de carne e osso porque apertei sua mão, mas só tenho certeza de que ele era tão humano quanto eu porque o suor que escorria de sua testa indicava que seu corpo utilizava os mesmos mecanismos que o meu para sobreviver ao calor. Ainda assim, achei por bem só chamá-lo por maestro.

Perguntei como a música – especialmente a de concerto – pode transformar vidas. Ele me disse que a música de concerto é muito elaborada e que não é uma música de entretenimento, então a vida daqueles jovens se transforma em função de produzir o belo. “Ela [a tal música de concerto] não vai te fazer dançar, ela é uma música para te fazer sentir. É arte.”

Não sei se concordo com tudo, mas quem sou eu para discordar de um maestro? Fui transportada para bailes animados (e dançantes), depois tomada por melancolia em “Soundscape” e por excitação em “Battle Quest”. Se ela é feita para fazer sentir, diria que o objetivo foi alcançado.

“Não entendi não, mas achei muito bonito”, meu pai me disse quando saímos do salão da igreja, após uma hora de concerto. Entre os momentos que dividiam o repertório, um dos jovens atendidos pelo Instituto Jacques Klein fazia uma breve introdução sobre qual seria a próxima parte, trazendo informações sobre as obras ou sobre seus compositores.

A apresentação didática, fruto de um projeto social que atua em territórios socioeconomicamente vulneráveis, me pareceu uma ótima forma de entrar em contato com um concerto pela primeira vez. Eu também não entendi, mas é mesmo muito bonito.

Deixe uma resposta

*