11/06/20

Covid-19: As diferentes realidades da interiorização no Ceará

A estátua de São Francisco em Canindé (CE) ganhou uma máscara para incentivar a população a se prevenir contra o novo coronavírus. O município já contabiliza mais de 730 casos da Covid-19 (Foto: Reprodução/TV Verdes Mares)

A pandemia do novo coronavírus afetou severamente o Ceará. Segundo a última atualização do monitoramento feito pelo CONASS - Conselho Nacional de Secretários de Saúde, o estado tem o maior número de casos e de mortes por Covid-19 na Região Nordeste e está em terceiro no ranking nacional. São mais de 73 mil infectados e aproximadamente 4 mil e 500 óbitos.

Pesquisa realizada pelo Instituto de Comunicação e Informação em Saúde da Fiocruz aponta que existe uma preocupante tendência à interiorização da pandemia da Covid-19, que está chegando de forma acelerada aos municípios de menor porte do país. Entre essas cidades está Canindé, que até a data da publicação desta matéria já contabilizava mais de 730 casos da doença. Os dados são da plataforma IntegraSUS.

A estudante Vitória Góis, moradora de Canindé, alega que a negligência da população em relação à gravidade da doença é um dos motivos do número expressivo de casos no município (Foto: Arquivo Pessoal)

A estudante Vitória Góis, moradora de Canindé, alega que a negligência da população em relação à gravidade da doença é um dos motivos do número expressivo de casos no município (Foto: Arquivo Pessoal)

A estudante de psicologia Vitória Góis, moradora do município, alega que a negligência da população em relação à gravidade da doença é um dos motivos do número expressivo de casos:

“A prefeitura de Canindé vem trazendo medidas para conter o avanço da pandemia aqui na cidade desde março, como as barreiras sanitárias, o isolamento social, o uso de máscara ser obrigatório em vários estabelecimentos comerciais. Mas eu percebo que muitas pessoas não respeitam esse distanciamento social ou nunca respeitaram. Porque conheço várias pessoas que não ligam muito pra isso ou simplesmente pensam que isso é apenas uma gripe ou que é algo que foi inventado. Então, muita gente daqui da cidade não percebe a gravidade do que está acontecendo.”

Vitória Góis acredita que a doença pode ter sido importada da capital Fortaleza, a apenas 117 km de Canindé, o que explicaria o número expressivo de casos na cidade:

“Por muitas pessoas aqui de Canindé trabalharem em Fortaleza, o trânsito entre a capital e o nosso município, acontece diariamente. Acredito sim que muitas pessoas foram infectadas em Fortaleza e acabaram por vir pra Canindé e infectaram outras pessoas.”

A epidemiologista e professora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Universidade Federal do Ceará (UFC) Lígia Kerr explica que o processo de interiorização da Covid-19 era esperado, por se tratar de uma doença com alto potencial de transmissão. Comparando com o cenário de estados vizinhos, Lígia acredita que a interiorização da Covid no Ceará foi facilitada pela demora na instalação de barreiras de contenção nos principais acessos entre as cidades:

“Por exemplo, o Estado da Bahia é o estado - ele e o Piauí - que hoje tem uma das menores taxas de interiorização da doença. Porque assim que tiveram os casos reais, eles conseguiram barrar. Aqui [no Ceará], quando foi barrado, já existiam casos, que estavam levando a doença para o interior.”

Lígia Kerr, epidemiologista e professora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da UFC, explica que o processo de interiorização da Covid-19 já era esperado (Foto: Arquivo Pessoal)

Lígia Kerr, epidemiologista e professora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da UFC, explica que o processo de interiorização da Covid-19 já era esperado (Foto: Arquivo Pessoal)

Apesar desta constatação, a epidemiologista frisa que o conjunto de medidas de isolamento social rígido adotadas pelo governo estadual foram decisivas para frear a velocidade das infecções.

Bem diferente da situação de Canindé, Penaforte é um dos municípios cearenses com o menor número de infectados pela Covid. A cidade, localizada na região sul do Ceará, contabiliza 7 casos confirmados da doença. Os números são da mais recente atualização do Boletim Epidemiológico divulgado pelo IntegraSUS.

A universitária Izabel Tinim estuda em Fortaleza, mas regressou à cidade natal Penaforte com a chegada da pandemia. Ela considera que a localização geográfica do município pode ser um fator de segurança:

“Eu acredito que os casos aqui sejam poucos porque ela [a cidade] é bem mais reservada, vamos dizer assim. E que as pessoas não tem tanto contato com pessoas de fora ou de grandes cidades".

Além da conscientização da população, ressalta Izabel:

"Boa parte das pessoas que regressaram ao interior durante a pandemia foi bem no início, e tomando todos os devidos cuidados. Acaso, como eu, que vim pra cá, mas eu vim logo no início e eu me precavi. Fiz o isolamento nos primeiros dias. E a população já andava sempre precavida, protegida, de máscara, álcool em gel, sempre higienizando as mãos. Esse talvez seja o principal fator que fez com que a doença não se espalhasse pela cidade, com que continue tendo poucos casos.”

Penaforte é um dos municípios cearenses com o menor número de infectados pela Covid-19 (Foto: Reprodução/Internet)

Penaforte é um dos municípios cearenses com o menor número de infectados pela Covid (Foto: Reprodução/Internet)

Para as cidades que já estão enfrentando muitos casos da Covid ou para aquelas que podem verificar o aumento do número de infectados, Lígia Kerr indica que o Estado deve ajudar os gestores municipais a estudar alternativas de isolamento social. Ou seja, ações que possibilitem que quem pegou a doença consiga se manter distante de quem está saudável:

"Em muitas cidades onde não era possível fazer o isolamento, o quê que foi feito? Você pode botar [as pessoas doentes] em escolas. As escolas estão vazias, por enquanto. Pode colocar essas pessoas em pousadas, em hoteis. E mesmo [para] os profissionais de saúde.”

Sobre as medidas para lidar com a interiorização, a Secretaria da Saúde do Ceará afirma que o Estado possui uma estrutura de saúde bem distribuída pelo interior, com hospitais regionais em Juazeiro do Norte, Sobral e Quixeramobim. Em parceria com alguns prefeitos, a SESA também ativou leitos de UTI em 22 municípios. Canindé está entre eles.

Para Lígia, a ampliação da estrutura de saúde é fundamental, mas se preocupa que ainda assim a população dos municípios pequenos fique desassistida. Ao depender de hospitais em cidades maiores, a distância, o transporte e os efeitos da doença não reconhecidos a tempo, podem ser decisivos para salvar a vida dos cearenses que vivem nessas localidades.

Reportagem de Davi Holanda com orientação de Raquel Dantas

Tags:, , , , , ,

Deixe uma resposta

*