A pandemia ocasionada pela Covid-19 causou uma crise na saúde de todo o mundo. O estado de quarentena trouxe consigo mudanças drásticas no cotidiano da população como, por exemplo, a nossa relação com o consumo. Enquanto o consumo de informações cresce de forma desenfreada, outros segmentos como lojas de vestuário, livrarias, bares e restaurantes tiveram quedas de faturamento significativas, em decorrência do fechamento em massa de seus empreendimentos físicos.
O professor do curso de Finanças da Universidade Federal do Ceará (UFC) e doutor em Economia Gildemir Ferreira da Silva esclarece que o processo de consumo foi reduzido, de forma geral, devido ao contingenciamento provocado pela pandemia:
"No período de pandemia, o consumo reduziu, mas por uma condição contingente. Não foi mudança de comportamento, não foram mudanças de hábito, foi pura e simplesmente uma condição de sobrevivência. Então nessa situação que as pessoas precisavam sobreviver ou pelo menos amenizar certos impactos decorrentes da pandemia, houve um acordo social de ficar em casa, que era mais razoável para o coletivo. Mas, no período pandêmico, não há nenhuma mudança de comportamento, nem nada, apenas uma condição contingente."
Segundo a assessoria econômica da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), as lojas de vestuário, por exemplo, estão sofrendo uma queda muito significativa em suas vendas. Por não se tratarem de artigos de extrema importância para o consumo durante a quarentena, acabam sofrendo com a falta de procura entre os consumidores.
Lucrécia Alencar é gerente de vendas de lojas de vestuário em Fortaleza (CE) e acredita que a pandemia ocasionou uma desaceleração no faturamento das lojas. Em compensação, a gerente de vendas relata que houve o impulsionamento das vendas no ambiente online, onde as lojas passaram a utilizar suas redes sociais para realizar o atendimento aos seus clientes:
"Falando um pouco das nossas vendas online, elas vem crescendo, desde quando começou o período da quarentena. Tanto através do nosso site, quanto através dos nossos [números de] WhatsApp. Inclusive, nós tivemos que buscar estratégias que fizessem com que esse cliente, mesmo em meio a tudo isso, tivesse o desejo em comprar uma peça nossa. A gente buscou estratégias pra facilitar pra ele, pra se adequar também ao momento - que no nosso caso, estamos com frete grátis para Fortaleza e estamos com desconto especial em uma de nossas marcas. Isso realmente atrai o cliente, é mais prático pra ele, que está em casa, receber a mercadoria com um conforto maior."
Um levantamento feito pela Associação Brasileira de Comércio Eletrônico aponta que os brasileiros reforçaram suas compras de medicamentos, alimentos e itens de higiene e limpeza pela internet durante a pandemia. A socióloga e professora do Departamento de Ciências Sociais da UFC Danyelle Nilin diz que, apesar dessas compras online estarem em alta nesse período de quarentena, uma grande parcela da população ainda não tem acesso a essa modalidade de compras:
"Apesar de haver uma tendência de vários anos de compras online, isso não é uma realidade de muitos brasileiros. Então qualquer análise que a gente faça no Brasil, sempre tem que lembrar da questão da desigualdade que nos afeta. Não nos esqueçamos que a desigualdade também aparece no acesso à tecnologia e, apesar de ter havido um aumento na última década, mais ou menos 67% da população brasileira tem acesso a internet. Quando se é pobre ou da zona rural, esse número cai para menos de 50%."
Quanto às expectativas para o período pós-pandemia, podemos esperar por um processo de conscientização do consumo? Quem responde essa pergunta é a socióloga Danyelle Nilin:
"Há muitas lições que esse período pode nos ensinar. A primeira é que não temos necessidade de ter muita coisa que as propagandas nos fazem acreditar que precisamos. Muito do que nós temos é completamente supérfluo. Mas não podemos afirmar com certeza que as pessoas aprenderão a lição. Seria especulação, portanto, da nossa parte afirmar isso. A gente vai precisar esperar pra ver o que ocorrerá pós-pandemia, inclusive que a crise econômica, provavelmente, se acentuará. Isso vai ter um impacto no consumo. De qualquer forma, a gente pode ver que é um experiência nova, para quem não é pobre no Brasil, lidar com certas limitações."
O professor Gildemir Ferreira da Silva, por sua vez, acredita que a prática do consumo poderá aumentar no período pós-pandemia:
"Olhando pra escassez, pelo período de isolamento, é uma escassez de relações pessoais. Então pós-Covid pode ser que as pessoas tenham uma maior necessidade de interação social. Consequentemente, esse negócio de pedir produtos pela internet, “home office”, essas coisas não sejam automaticamente incorporadas no processo de convivência. Então eu acho que pós-Covid, provavelmente, ocorrerá um consumo maior e, possivelmente, laços entre pessoas podem se restabelecer. Consequentemente, deverá ter muita gente andando em shopping, consumindo mais, pelo período de escassez induzido que a gente está passando."
Segundo os números do Boletim Focus, divulgado semanalmente pelo Banco Central, a expectativa, até o final de fevereiro, era de que a economia brasileira iria crescer 2,17% em 2020. Após o primeiro caso de Coronavírus identificado no país, no início do mês de março, essa estimativa foi para o negativo. A projeção mais recente, divulgada pelo Banco Mundial, prevê uma retração de 5% na economia nacional até o fim deste ano.
Reportagem de Davi Holanda, com orientação de Carolina Areal e Igor Vieira