João Gabriel Coelho
Especial para a Rádio Universitária FM 107,9
Saídos direto das entranhas de Copacabana, passando por metamorfoses do Circo Voador, a Kombi da Bala Desejo chega anunciando: “Compramos bala, vendemos desejo”. O quarteto é resultante de uma afetuosa criação espontânea de jovens artistas que cresceram juntos em torno de muita brasilidade. Desde novos, tiveram muito incentivo artístico, e nos idos da pandemia de Covid-19 gravaram o disco SIM SIM SIM, definido como bossa nova, indie pop, neo-tropicalismo, pop rock e MPB. Em 2022, esse álbum de estreia foi vitorioso na categoria Melhor Álbum de Pop Contemporâneo em Língua Portuguesa no Grammy Latino. É pouca coisa?
No último domingo, 23 de julho, Zé Ibarra, Julia Mestre, Dora Morelenbaum e Lucas Nunes retornaram aos palcos de Fortaleza. O espetáculo fez morada no Cineteatro São Luiz por uma noite — que, para muitos jovens animados, foi a noite. Na ocasião, o público pode ver ao vivo os passos teatrais e olhares cortantes de Julia Mestre, os violões a la Chico Buarque no disco Construção, e uma harmonia de vozes de fazer inveja ao Quarteto em Cy.
O show começa abrindo uma fenda temporal, nos transportando para os pregressos anos 70. Aqueles mais atentos poderiam até sentir o cheiro da naftalina no ar, mas ao mesmo tempo tudo cheira como novo. As luzes se apagam, o instrumental de “Baile de máscaras” começa a tocar. Assinada por Olivia Munhoz, a iluminação é escassa, e o máximo que se vê são as silhuetas dos membros do Bala Desejo. Uma performance de alto nível estava prestes a começar. A noite começa pra valer com a canção “Lua Comanche”, que até chega a arrancar alguns aplausos. Mas o público desperta mesmo é com “Passarinha”, em que Julia Mestre começa a dar suas “bailadas” pelo teatro, monopolizando os olhares.
Como de praxe nos shows do Bala, Julia anda pela plateia distribuindo flechadas durante a canção “Love Love”, parceria dela com Gilsons. Fomos flechados eu e Marina Mendonça, que depois do show estaria comigo entrevistando a própria Julia (não perca essa conversa no Brasil Novos Sons de hoje, às 20h, na Universitária FM 107,9). Como bons atores, nos jogamos de nossas cadeiras com o impacto.
Passadas as flechadas, o show ganha seriedade. Morelenbaum entoa a canção “Dó a dó”, uma parceria dela com Tom Veloso. As luzes focam na cantora e seus companheiros de banda a cercam. Seguidamente, eles saúdam perdas recentes da música brasileira. Os nomes de João Donato, Rita Lee e Gal Costa são citados. Sob uma luz azul, o grupo canta “O vento”, de Dorival Caymmi, utilizando a técnica do cânone, uma espécie de delay natural feito por quatro vozes.
Além das faixas do álbum do Bala Desejo, o show tem como base canções das carreiras solos dos integrantes (“Dó a dó”, “Como eu queria voltar”, “Muito só”), além de versões inusitadas, como a canção de Caymmi e “Um bilhete pra Didi”. Essa canção instrumental do álbum Acabou Chorare, dos Novos Baianos, é executada de maneira fiel. Ao longo de pouco mais de uma hora de apresentação, o grupo passa por gêneros como rock a la Rita Lee, reggae, xote, chorinho, heavy metal (o caos visto no final da música “Nesse sofá” só pode ser isso), samba, frevo e sonorizações feitas pela banda de apoio. O grupo que acompanhou Bala Desejo em Fortaleza teve Alberto Continentino no contra baixo, Daniel Conceição na bateria, e Pacato na percussão.
A reta final do show elevou os ânimos, com boa parte do público à beira do palco. A música “Lambe lambe” transformou o Cineteatro São Luiz em um mini baile de carnaval sessentista, com seus foliões pulando e cantando a plenos pulmões. Foi o pseudo final do show, com a banda recebendo uma chuva de aplausos e pedidos de bis. Mas estava na cara que o quarteto não queria sair de lá sem tocar seu maior sucesso, “Baile de máscaras”, agora completa, com letra e tudo. E assim foi: não um Fortal, mas ainda assim um carnaval fora de época.
Em entrevista concedida à Rádio Universitária FM 107,9 depois da apresentação, Julia Mestre afirmou que aquela noite em Fortaleza ficou marcada como histórica. Ela contou que, pela primeira vez, chegaram ao aeroporto da cidade e havia fãs à espera do grupo, algo inédito na carreira deles. Porém, mais cedo ou mais tarde isso poderia acontecer, pois o Bala Desejo é o que é pelo empenho e qualidade que coloca em qualquer coisa que se propõe a fazer.
João Gabriel Coelho é estudante do 2º semestre de Música da UFC, participante do Projeto de Educação Tutorial de Música e toca bateria na banda Doces Deletérios.