13/05/20

A nudez artística nas redes sociais

O nu é permitido no Instagram em pinturas e esculturas assim como em fotos de cicatrizes de mastectomia e de mulheres amamentando (Imagem: Raisa Christina)

O nu sempre foi objeto de interesse nas artes por diversos motivos. Seja por uma inclinação do artista a estudar as formas do corpo humano ou até mesmo por algum tipo de mensagem erótica, obscena ou pornográfica, o fato é que pessoas sem roupa continuam a ser retratadas em obras de arte. Nas redes sociais, porém, há um certo tipo de censura nesse sentido. O Instagram, por exemplo, não permite nudez em fotos, vídeos e alguns conteúdos com “relações sexuais, genitais e close-ups de nádegas totalmente expostas, além de algumas fotos de mamilos femininos”. Por outro lado, não estão proibidos fotos de cicatrizes de mastectomia nem de mulheres amamentando, assim como nudez em pinturas e esculturas.

A artista visual Raisa Christina questiona o entendimento das redes sobre o que a fotografia e outro tipo de imagem que ela chama artesanal representam:

“É como se ainda hoje a gente entendesse as imagens fotográficas com status de realidade muito forte. Elas são um documento, elas registram o real, ponto. E as imagens artesanais, eu vou chamar assim esse conjunto de imagens feitas a mão com linhas, cores, manchas, essas imagens estariam então no campo da ficção sempre? Me parece que as redes sociais adotam um pouco isso. E, ao mesmo tempo, acho que a gente cai numa série de preconceitos que a gente já deveria ter ultrapassado como, por exemplo, a imagem do desenho, da pintura, da gravura seria então uma imagem mais artística do que imagem feita por uma câmera fotográfica? Gente, como assim, né?”

Corpos diversos são expostos em Nudes de Quarentena, de Raisa Christina. Para a artista visual, é uma decisão política (Imagem: Raisa Christina)

Corpos diversos são expostos em Nudes de Quarentena, de Raisa Christina. Para a artista visual, é uma decisão política (Imagem: Raisa Christina)

Raisa se dedicou, desde o início do período de distanciamento social, à produção e exposição da série Nudes de Quarentena no Instagram. Ela recebeu fotografias de seus seguidores nus, pintou os retratos e os publicou com o nome da pessoa e a ordem da postagem. No dia 9 de maio, ela se despediu da série com o último nude, de número 52. Destacam-se, ao longo do trabalho, corpos diversos: pessoas com deficiência, transexuais e gordas. Para a artista visual, essa exposição é uma decisão política.

Quem teve uma ideia similar foi o artista visual e designer gráfico Jão. Ele se sentiu motivado em continuar a pesquisa sobre o corpo que já vinha desenvolvendo ao se deparar com o trabalho de Raisa. Segundo o artista, não houve qualquer tipo de orientação às pessoas no envio das imagens, pois o objetivo era que elas se sentissem à vontade com seus corpos:

“Creio eu que, se você tem o seu corpo, nada melhor do que você expor ele da maneira que você quiser, porque, de certa forma, qualquer post que a gente faz nas redes sociais já é uma exposição, tanto com roupa quanto sem roupa. Acho que isso não importa, isso não deveria importar tanto. Eu tenho uma amiga, na verdade, que foi censurada, porque ela postou a minha ilustração seguida da foto original, mas que a foto original foi censurada nas redes sociais, e a ilustração não. Eu acho isso muito misterioso.”

Segundo o artista Jão, não houve qualquer tipo de orientação às pessoas no envio das imagens, pois o objetivo era que elas se sentissem à vontade com seus corpos (Imagem: Jão)

Segundo o artista Jão, não houve qualquer tipo de orientação às pessoas no envio das imagens, pois o objetivo era que elas se sentissem à vontade com seus corpos (Imagem: Jão)

Já a artista visual Simone Barreto investiga o corpo feminino em desenhos e bordados de um ponto de vista muito gráfico, expostos nas redes sociais. O trabalho, de acordo com Simone, vem do interesse de investigar o próprio corpo dela, o que inclui ainda seu encontro com a maternidade:

“O meu desenho surge a partir dessa auto-observação, desse autorretrato. E é claro que quando eu desenho a mim mesma eu não tô desenhando só a mim, mas a muitas outras mulheres que tão comigo ou se reconhecem nesse corpo. Pensar esse corpo que não é esse corpo-padrão, que massacra a gente todo tempo. Essa coisa da mídia, da imagem, do próprio patriarcado fazem a gente acreditar que o nosso corpo é feio, é sujo, que o corpo gordo não é saudável, não cabe nos padrões.”

A artista visual Simone Barreto investiga o corpo feminino em desenhos e bordados de um ponto de vista muito gráfico (Imagem: Simone Barreto)

A artista visual Simone Barreto investiga o corpo feminino em desenhos e bordados de um ponto de vista muito gráfico (Imagem: Simone Barreto)

Ela conta que já foi censurada, mas não na Internet e sim numa exposição em 2017. A obra em questão era um desenho de duas mulheres de máscaras em posição com conotação sexual. De acordo com ela, para além das redes sociais, o próprio circuito de arte também deve ser tensionado sobre essa questão.

Pablo Assumpção, professor da Pós-Graduação em Artes da Universidade Federal do Ceará (UFC), explica que as artes visuais têm refletido, ao longo da história, os valores de cada tempo:

"Não é uma novidade nem uma particularidade do nosso tempo o fato de corpos compreendidos como não normativos, isto é, corpos que não refletem as normas vigentes do Belo ou dos valores morais de uma dada sociedade aparecerem expostos, nus, diante dos olhos do público. O que muda, na verdade, são as normas vigentes do Belo e da Moral em cada época histórica e, portanto, mudam também os efeitos que essa visualidade desencadeia no campo social. Então uma fotografia do membro sexual é proibida na maior parte das plataformas digitais, nas redes sociais. Já o desenho ou a pintura às vezes são mais liberados, passam”.

Reportagem de Síria Mapurunga

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