Seja cachorro, gato, peixe ou passarinho, mais do que animais, o bichinho de estimação faz parte da vida e do cotidiano de muitas famílias. A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS 2013), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estimou a população de cachorros em domicílios brasileiros em 52,2 milhões, ou seja, cada domicílio tem pelo menos um cão. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada no mesmo ano, havia 44,9 milhões de crianças de até 14 anos nas residências. O dado mostra que nas casas brasileiras existem mais cachorros de estimação do que crianças.
A situação incomum até certo tempo atrás ocorreu devido ao novo papel que o animal de estimação ocupa nas famílias. Alguns fatores são apontados por especialistas por acelerar o processo de humanização, como a criação dos pets dentro dos lares e não restrita apenas ao quintal e a nomeação dos animais com nomes próprios de seres humanos.
Segundo o Pet Censo 2017, realizado pela DogHero, plataforma digital de hospedagem domiciliar para cachorros, Mel é o nome mais comum para fêmeas e Thor para machos. Para os fundadores da plataforma, as escolhas sinalizam que o animal de estimação é visto como um membro da família.
Pertencer ao âmbito familiar também significa que eles são disputados judicialmente, conforme o exemplo de um casal residente em São Paulo que vivia em união estável e adotou um cachorro nesse período. Após o fim do relacionamento, a mulher ficou com o animal e não permitia que o ex-companheiro o visitasse. A 7° Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu, em maio deste ano, que a guarda compartilhada de animais de estimação deve ser definida conforme à guarda de crianças. A Defensoria Pública alegou que os animais não devem ser tratados como coisas ou objetos, a posse deve ser compartilhada e as visitas regulamentadas.
Serviços para Pets
Cãorrida, ArraiAU com direito a arrasta-patas, resorts, festas de aniversários, plano funerário com direito a cremação e velório são apenas alguns exemplos dos serviços disponíveis no mercado para atender as demandas mais diversas de todos os animais. Proprietária do Dog Society Club Resort, a psicóloga e enfermeira Gizelle Mesquita afirma oferecer um novo conceito em hotelaria para cães. O local oferece serviços como hospedagem, day care, adestramento básico, aula de natação, sessões de Reiki, atendimento psicológico ao cão enlutado e o espaço para a comemoração de aniversários com buffet completo.
Ela aponta várias razões em relação ao aumento da procura por diversos serviços oferecidos aos pets. “O cão tomou uma outra proporção dentro do lar, ele não é mais apenas o guarda, as relações de afetividade foram modificadas”, explica a psicóloga. A empresária reconhece que as pessoas se sentem mais solitárias e as famílias viraram multiespécies, sendo formadas não apenas de seres humanos. “Ocorre uma inversão muito grande, as pessoas casam e compram um cachorro, e ele ocupa quase esse lugar de filho”, reforça.
Com o aumento da procura o mercado não fica para trás oferecendo produtos para todas as demandas. A Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (ABINPET) divulgou dados que revelam a magnitude do mercado Pet no país. Apenas em 2014, o segmento faturou R$ 16,7 bilhões.
Questão de saúde
A humanização até certo ponto pode se tornar incômoda para o animal que perde a identidade e passa a agir e ter certos privilégios de seres humanos. Eles assumem comportamentos, e frequentam lugares que normalmente não visitariam. A tendência mundial de permitir a entrada de animais de estimação em restaurantes, bares e shoppings é conhecida como Pet Friendly. Diversos shoppings em Fortaleza têm aderido à prática, estabelecendo algumas regras a serem seguidas.
A prática que traz comodidade aos donos pode ser prejudicial aos animais segundo explica a veterinária Taiani Torquato. “É necessário ter a consciência de como o animal vai reagir em cada situação, colocá-lo em uma situação que mais estressa do que agrada pode gerar uma reação de agressividade”, esclarece. O piso liso de alguns shoppings também pode causar doenças articulares em longo prazo, assim como a falta do local adequado para as necessidades fisiológicas pode gerar estresse no animal e no dono. Se os animais não estiverem devidamente vermifugados e saudáveis eles também tendem a transmitir bactérias. A veterinária ainda alerta que o animal tem necessidades diferentes e modificar o jeito que ele come e vive gera alterações metabólicas e urinárias.
Quando questionada sobre a humanização dos animais, a empresária Gizelle Mesquita afirma que quando exagerada se torna uma questão patológica. “O cão tem que ser cão, quando passa disso pode afetar a personalidade, a saúde e o bem-estar do animal”, ressalta.
O ato de cuidar
Foi numa visita ao petshop que o medo da estudante universitária Thalita Moura por cachorros começou a desaparecer. Quando a atendente da loja perguntou se ela não gostaria de segurar um cão da raça shitzu o vínculo não planejado foi estabelecido e Victoria cativou a todos os membros da família.
“A chegada da Victoria foi um divisor de águas na minha vida, eu estava passando por uns problemas de saúde, tinha trancado a faculdade, e por isso decidi realizar uma festa de aniversário que celebrava um ano da chegada da Vic, mas também comemorava a minha vida depois que ela chegou", relembra. Em dezembro do ano passado, a estudante celebrou em sua casa o aniversário da cachorrinha Victoria com o tema natalino. A festa era feita especialmente para ela com várias comidinhas, presentes e brinquedos.
Os cuidados com a cachorrinha são constantes, mas Thalita vê isso como um zelo que se deve ter quando se compromete a cuidar dos animais. “Eles precisam de cuidados, o animal não escolhe, você escolheu e tem que se comprometer a fazer o possível para o seu bem-estar”, ressalta.
Reportagem de Karoline Sousa com orientação de Carolina Areal.