Segundo o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), no ano de 2018 mais de 63 milhões de brasileiros estão com contas em atraso ou listados como inadimplentes. Somente no mês de novembro, o aumento foi acima de 6% neste índice, o maior no período desde o ano de 2011. Você sabia que a falta de educação financeira pode ser uma das principais causadoras desse número tão alto de pessoas endividadas? Mas será que ela só ensina as pessoas a não se endividarem? Do que realmente trata essa área?
Anteriormente abordado na escola apenas em uma ou outra aula de matemática, este conhecimento passou a integrar, em dezembro de 2017, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do ensino fundamental. O documento é responsável por definir as disciplinas e assuntos que vão ser ensinados nestas séries e entra em vigor no ano de 2020.
Sobre o assunto em questão, a BNCC definiu que a educação sobre questões financeiras deve entrar de forma transversal nas aulas de crianças a partir do primeiro ano do ensino fundamental, sendo inserida nas disciplinas como português, história, além da própria matemática.
Em entrevista ao site Nova Escola, em março de 2018, Ronaldo Vieira da Silva, Chefe-Adjunto do Departamento de Educação Financeira do Banco Central do Brasil (DEPEF), que contribuiu com a discussão do documento, afirmou que “a nova BNCC trata da educação financeira e do consumo em quatro das cinco áreas do conhecimento que a constituem, nas disciplinas de Língua Portuguesa, Arte, Língua Inglesa, Matemática, Geografia e História”.
Ronaldo ainda afirma que o conhecimento será abordado de variadas formas, dependendo da disciplina a qual esteja associado. “No caso do ensino da Língua Portuguesa, uma das habilidades incluídas prevê que os estudantes aprendam a ‘ler e compreender, com autonomia, boletos, faturas e carnês’. Já em Ciências Naturais, a Base destaca habilidades relacionadas ao cálculo do consumo de energia elétrica de eletrodomésticos e a avaliação do impacto do uso no orçamento mensal da família”, exemplifica.
A decisão de incluir este conhecimento no currículo obrigatório visa a aproximação da população com a educação financeira desde a infância, como forma de construir uma melhor relação com o dinheiro no futuro e esta é uma necessidade real. Segundo a pesquisa S&P Ratings Services Global Financial Literacy Survey (Pesquisa Global de Educação Financeira da divisão de ratings e pesquisas da Standard & Poor’s), realizada por meio de entrevistas em 144 países, em 2014, o Brasil ocupa o 74º lugar no ranking de educação financeira.
Ainda de acordo com a pesquisa, a falta de conhecimento sobre a educação financeira é um problema que afeta vários países. No mundo, apenas 33% da população mundial domina três dos quatros conceitos abordados no estudo; já na América Latina e Caribe o número é ainda menor, somente 31% da população teve um resultado considerado satisfatório.
O que a educação financeira estuda?
Mas se engana quem pensa que a educação financeira só ensina as pessoas a não se endividarem. O professor do mestrado e doutorado em administração e controladoria da Faculdade de Economia, Administração, Agrária e Contabilidade (Feaac), da UFC, e autor do livro Gestão Financeira Familiar, Érico Veras, explica o objeto de estudo deste ramo. “A educação financeira é você capacitar as pessoas na gestão dos seus recursos financeiros. Esses recursos podem ser vistos sob duas óticas, os que são necessários para o dia a dia, para a aquisição de bens, e os de longo prazo, pensando na questão da aposentadoria”, descreve.
Para o professor, as pessoas devem enxergar sua vida financeira como uma empresa. Se, para obter lucro e prosperar, uma empresa deve gerir bem seus recursos, para ser saudável financeiramente, as pessoas em geral também têm que fazer isso. E, para tanto, é necessário um maior conhecimento sobre o assunto.
Segundo Érico Veras, a educação financeira viabiliza o acesso a diversos conceitos que, na prática, as pessoas só obtém “depois de muito errar”. “Saber que você tem que fazer um orçamento; que tem que controlar suas despesas; saber o que são determinados produtos financeiros e como eles funcionam, por exemplo, o que é um cheque especial, um cartão de crédito, de débito, o que é um consórcio, um empréstimo, um financiamento. Ou seja, tudo aquilo que a gente usa no dia a dia e vai aprendendo na prática. Mas o certo seria ter esses conceitos”, destaca.
Outro ponto fundamental a se aprender neste sentido, para o professor, é a importância de pensar com antecedência, que é primordial para ser bem sucedido financeiramente. “Principalmente a questão do planejamento, porque é uma relação entre presente e futuro”, ressalta.
Ensino nas escolas
Apesar de ser um conhecimento essencial para o bom desenvolvimento da vida financeira, a dúvida que persiste é sobre como passar essas informações para as crianças. Para o professor Érico Veras, o assunto pode ser um pouco problemático de ser tratado em casa. “A questão financeira é um pouco um tabu dentro das famílias, a gente discute muito pouco isso, então é muito bom a escola passar a discutir isso de uma maneira mais didática. A sociedade como um todo precisa ter competência para fazer essa gestão financeira”, destaca.
Com atuação mundial há quase 100 anos e no estado desde 1983, a Associação Junior Achievement Ceará tem uma parceria com a Secretaria de Educação do Estado e é responsável pelo ensino de educação financeira e empreendedorismo em 49 escolas cearenses, com a disciplina Jovem Empreendedor.
Ana Lúcia Coelho, coordenadora de projetos da Associação, ressalta a importância de se pensar em formas adequadas para repassar esse conhecimento, de acordo com a idade. “As noções de planejamento, de orçamento pessoal, como saber usar uma mesada, por mínima que ela seja. Esses conceitos são trabalhados desde o quinto ano do ensino fundamental e nós utilizamos metodologias lúdicas, como a teatralização, onde as crianças vivenciam situações em que têm que gerir recursos, por mínimos que eles sejam”, explica.
Segundo Ana Lúcia, o conhecimento aprendido por meio destas aulas possibilita uma transformação em toda a forma dessas crianças lidarem com seus recursos, tanto no presente quanto no futuro. “O nosso objetivo é que quando essas crianças se tornarem adultos, tenham consciência do uso de seus recursos, tenham noção do valor de cada coisa e saibam gerenciar. Eles vão aprender que seus recursos não são infinitos e, paralelo a isso, ou transversalmente, dentro dessa educação financeira vem também os conceitos de educação ambiental, com os recursos naturais, que também são finitos. Então tudo isso é passado para essas crianças”, reforça.
A coordenadora destaca que para repassar esse conhecimento para as crianças não é necessário que se tenha uma grande quantidade de dinheiro ou recursos. Segundo ela, com os valores básicos do dia a dia, como o dinheiro destinado ao lanche na escola, ou a mesada dada pelos pais, é possível se ensinar sobre a responsabilidade com o seu dinheiro, o custo de um produto e planejamento financeiro. “Se a criança receber um determinado valor para comprar o lanche, por exemplo, ela vai passar a calcular para quantos dias esse dinheiro vai dar. Gerindo sua mesada, ela também vai aprender que se quiser comprar algum brinquedo precisa economizar para isso, se programar”, exemplifica.
Reportagem feita por Maryana Lopes com orientação de Carolina Areal