Em 18 de novembro de 1928, um simpático ratinho aparecia no comando de um barco a vapor, assobiando despreocupado. O curta-metragem de animação O Vapor Willie apresentou ao mundo Mickey Mouse, que instantaneamente se tornou popular entre adultos e crianças e foi o primeiro passo de Walt Disney na construção de seu império de filmes animados.
Noventa anos depois, muitas coisas mudaram no mundo, mas Mickey permanece tão popular quanto era no seu ano de estreia. Para o professor do Curso de Jornalismo da UFC, Ricardo Jorge, o traço simples ajudou o personagem a ficar gravado no imaginário das pessoas. “Onde a cabeça do Mickey estiver, as orelhas vão estar na mesma posição. Sempre vão ser três círculos, dois menores em cima e um maior embaixo. Por ser fácil de ser desenhado, ele teve maior chance de ser memorizado”, aponta.
Com o sucesso do Mickey, Walt Disney pode começar a trabalhar para realizar um de seus maiores sonhos: produzir um filme em longa-metragem que fosse inteiramente animado. Foram quase dez anos de trabalho para que Branca de Neve e os Sete Anões, com quase uma hora e meia de duração, estreasse no mundo inteiro em 1937.
Naquela época, os filmes animados se resumiam aos curta-metragens de poucos minutos, como O Vapor Willie, e pela primeira vez os cinemas recebiam uma grande produção, como conta o professor do curso de animação da Casa Amarela Eusélio Oliveira, Levi Magalhães. “Branca de Neve e os Sete Anões foi o primeiro longa-metragem de animação colorido. Ele foi um marco justamente por esse feito de não ser um curta, como os outros que já existiam, e ser a primeira vez que as pessoas puderam ver um filme animado com cores”.
Para que fosse possível criar um filme realista, a Disney utilizou uma técnica conhecida como rotoscopia. Todas as cenas de Branca de Neve foram filmadas com atores e os desenhistas do estúdio desenhavam por cima dessas cenas, criando uma versão em desenho animado. Como reconhecimento da importância do filme para a história do cinema, Walt Disney foi premiado com um Oscar e sete estatuetas menores, simbolizando os personagens do filme.
AS DÉCADAS SEGUINTES
Se tratando de uma arte como qualquer outra, o cinema de animação reflete o contexto histórico em que é produzido. Com o início da Segunda Guerra Mundial, a Disney entrou em crise porque os europeus não frequentavam mais o cinema e muitos funcionários do estúdio foram recrutados para a guerra. A solução encontrada foi uma parceira com o governo estadunidense para a produção de curtas animados com instruções de treinamento para os soldados e propagandas de recrutamento.
Para o professor Ricardo Jorge, esse período ficou marcado na história da animação. “Nos anos 1940, você tem uma série de animações que a Disney faz de caráter extremamente político. Um exemplo é o filme Você Já foi à Bahia?, que buscava uma aproximação com o Brasil através da Política da Boa Vizinhança”, comenta.
No filme em questão, o Pato Donald visita o Brasil com a companhia do personagem Zé Carioca, um papagaio brasileiro. A produção era feita pelo próprio Walt Disney com o apoio de artistas brasileiros e mexicanos, e tinha o objetivo de aproximar os Estados Unidos e a América Latina através do cinema.
Com o fim da guerra em 1945, as décadas seguintes foram mais tranquilas, como relata o professor Levi Magalhães. “Dos anos 1950 aos anos 1980 você tem o que é chamado de era de ouro da animação, porque foi uma época em que os produtos animados estiveram muito presentes tanto na tv como no cinema, e o principal estúdio era a Disney”.
Para continuar popular, a Disney soube se adaptar às mudanças que aconteciam com a sociedade. Após o surgimento da televisão, eles tiveram a ideia de passar os filmes na telinha logo depois que eles saíssem do cinema, para que a população do interior, que não tinha acesso às salas de cinema, também pudesse conhecer seus filmes.
O próprio Mickey também se adaptou aos diferentes contextos sociais, e isso contribuiu para a constante renovação do personagem, como explica o professor Ricardo Jorge. “Ele começou como um rato que não queria casar com a Minnie e que brigava com o João Bafo de Onça. Com o passar dos anos, ele transitou entre ser solitário, depois mais aventureiro e chegou a ser também um cidadão comum de classe média”.
PARA TODAS AS IDADES
Ainda que o público alvo dos filmes animados sejam as crianças, animações como as da Disney são conhecidas por conseguirem dialogar com pessoas de todas as idades. Lorena Fonseca é estudante de jornalismo e fã de filmes animados. Ela explica o que faz dos filmes da Disney diferentes dos demais. “Eles acertam na medida em enredo, trilha sonora e visual. Conseguem tratar de maneira muito inteligente assuntos complexos, como o funcionamento da mente humana em Divertida Mente e a segregação social em Zootopia”, afirma.
A estudante aponta ainda que assistir hoje os filmes que ela assistia quando criança se torna uma nova experiência. “É surreal perceber temáticas que eu não tinha maturidade para compreender. Em Mulan, é muito explícito o machismo na cultura tradicional da China, mas eu não teria como notar isso com 6 anos de idade”, avalia.
O cinema de animação segue se reinventando, procurando novas técnicas e incorporando novas tecnologias para contar histórias, sejam para crianças ou para adultos.
Reportagem de Fabrício Girão com orientação de Carolina Areal