Se você é cearense, com certeza já ouviu falar do baião de dois ou da panelada. Mas você já comeu doce de mandacaru ou tomou suco de murici? Alguns sabores da culinária cearense vêm se perdendo com o passar dos anos ou ganhando novos significados. Natural de Guaraciaba do Norte, Nilza Mendonça é professora e pesquisadora. Em 2015, lançou o livro Em Busca dos Sabores Perdidos pela Editora Senac.
A busca por esses alimentos atraiu a atenção da pesquisadora. Nilza Mendonça encontrou no mandacaru um ingrediente essencial na produção de doces e saladas. Ela ressalta a importância de olhar para outros ingredientes e resgatar os antigos sabores:
"É uma importância cultural. Isso para o agricultor é bom e para nós também, pois não deixava desaparecer determinadas frutas. É uma pena que estejam deixando de trazer para o mercado. Mal você vê um doce de buriti que nem é puro, enquanto no campo ele está se estragando, o agricultor não traz mais porque não tem o consumidor. Às vezes não dão a valorização e aí vai se perdendo, vai saindo do mercado. O murici é um que está para sair, apesar de ter bastante, você vê raramente agora um murici".
Nilza Mendonça é conhecida pelo preparo de receitas doces e salgadas utilizando ingredientes encontrados no Ceará como buriti, a algaroba, as algas e a fruta pão. Ainda assim, para a pesquisadora, o Estado ainda não consolidou sua história gastronômica.
[O] Ceará que não tem muita história da gastronomia. Até teve, mas se perdeu porque ninguém tratou de escrever e de guardar. Aí nós ficamos quase sem a história da gastronomia, ficamos só com o que? O baião de dois que tem em todo Norte e Nordeste, com a paçoca, com alguma coisa que se registra, mas muita coisa se perdeu.
O Observatório Cearense da Cultura Alimentar é um grupo que pesquisa as cadeias de produção, circulação e consumo do alimento, assim como os processos de formação profissional na área da gastronomia.
A Cultura alimentar é o resultado de como o alimento é produzido, transformado e servido. Vanessa Santos integra o Observatório e representa a Associação Cearense dos Chefs de Cozinha do Ceará. Ela explica as características da Cultura Alimentar presente no Estado:
"Existe uma diferença da comida para o turista e da comida que nos formou mesmo. Fortaleza tem uma cultura sertaneja na alimentação pelo fato dela ter sido formada do sertão para o mar. Em compensação, os turistas recebem melhor as comidas do mar e isso causou por muito tempo um problema de identidade".
Segundo Vanessa Santos, pesquisas arqueológicas indicam que o povo cearense come macaxeira e batata doce há 130 anos. Para ela, esse dado ressalta que a gastronomia cearense tem uma identidade histórica antiga:
"É comum você ouvir pesquisadores, cozinheiros dizerem assim “ah, a gastronomia cearense ela não tem uma identidade”. Quando na verdade ela tem, o que aconteceu, na verdade, com a cultura alimentar cearense é que ela perdeu valores simbólicos e a gente tá num processo de resgate e proteção aí, modificando a maneira de ver esses alimentos, isso dá pertencimento".
Léo Gonçalves largou a publicidade para cozinhar e atualmente é dono dos restaurantes O Mar Menino, em Fortaleza, e do Uru, em Amontada. A culinária dos restaurantes apresenta o conceito DOC – que utiliza apenas ingredientes de Denominação de Origem Cearense.
Para Léo Gonçalves, o conceito utilizado no preparo dos alimentos fortalece a cadeia produtiva da região e incentiva a agricultura familiar. A ideia do restaurante O Mar Menino mistura a cozinha brasileira, nordestina e cearense com um toque moderno, como explica o chef:
"Mostrar os nossos produtos com outra visão, com outro tratamento que pudesse elevar a gastronomia do Ceará para qualquer lugar e estar no mesmo nível de qualquer lugar do mundo. A gente pode mostrar que tem ingrediente, tem insumo para fazer comida tão boa como se faz na Dinamarca, nos restaurantes famosos, como se faz na França usando produtos locais. Então a primeira coisa que a gente foi buscar: qual é a paleta de sabores, qual é o universo de sabores que a gente conhece? É a cachaça, a rapadura, o bode, o carneiro, o queijo coalho".
Segundo Léo Gonçalves, utilizar ingredientes locais é mais fresco e mais barato. O chef explica que os pratos mais pedidos contemplam o gosto do tempero cearense e apresentam esses ingredientes de maneira diferente e inovadora:
"Pelo menos no Mar Menino a gente tem um prato que é um camarão da Quixaba, com um molho de moqueca e a farofa de maracujá que é um dos carros-chefes da casa. Tem um risoto terra-mar onde a gente mistura o sertão e o mar, tem porco, camarão, lula e mexilhão. Além de vários outros pratos, o próprio queijo coalho, a piabinha frita com creme de pipoca que é a entrada ícone já do restaurante desde que a gente abriu que tem essa entrada, são pratos que saem bastante".
A gastronomia contemporânea ressignifica a culinária cearense tradicional. Assim, a descoberta de novos ingredientes e a mistura de sabores preserva a cultura cearense.
Reportagem de Karoline Sousa com orientação de Natália Maia