24/06/24

A Festa do Pau da Bandeira: um marco cultural na região do Cariri

A Festa do Pau da Bandeira movimenta as ruas de Barbalha com apresentações artísticas, cortejos, missas e o famoso carregamento de um tronco (Foto: Glauber Uchoa)

O mês de junho começou e com ele o clima junino chega animando muitos dos corações nordestinos, e para os caririenses, essa animação começa um pouco antes.

Sempre com data marcada para o fim de maio e o início de junho, o Pau da Bandeira de Santo Antônio, também conhecido como Festa do Pau da Bandeira, é um dos mais tradicionais festejos cearenses que ocorre anualmente em Barbalha, município da região do Cariri.

A festa abre os festejos juninos na região, celebrando a devoção ao santo padroeiro. Outro destaque é o simbolismo da árvore, que tem o tronco conduzido nos ombros dos devotos. Essa peça maciça de madeira, pesando mais de duas toneladas, é hasteada em frente à matriz de Santo Antônio.

Dane de Jade, gestora de cultura e ex-secretária cultural do estado do Ceará, e do SESC do Cariri, explica a essência desse festejo:

“É um significado muito importante e profundo do que acontece ali em torno da Festa do Pau da Bandeira, em Barbalha. Preservando as manifestações das culturas populares, trazendo uma possibilidade também de olhar esse lugar como um território turístico, um território que mantém as características ambientais. O seu patrimônio material por meio de seu casario e o patrimônio imaterial. Então, tudo isso é o que dá sentimento de pertencimento da comunidade.” 

Dane de Jade também ressalta a importância dessa comemoração para a região:

Então, todas essas questões fazem desse Cariri ainda ser uma região que se mantém, que se destaca e se diferencia em suas manifestações das culturas populares e tradicionais” 

A Festa do Pau da Bandeira esse ano iniciou no dia 31 de maio, até 13 de junho. Segundo dados da Secretaria de Cultura de Barbalha, mais de 500 mil pessoas passaram pelo local durante esse período.

O festival na cidade de Barbalha

A celebração acontece desde o século XVIII (Foto: Theresa Pedrosa)

A celebração acontece desde o século XVIII (Foto: Theresa Pedrosa)

O festival surgiu em Barbalha no ano de 1860 e é considerado patrimônio imaterial do Brasil, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), desde 2015. No século XIX, os moradores penduravam bandeiras em suas portas por orientação do Padre Ibiapina.

Os enfeites eram para indicar que as casas estavam em celebração a Santo Antônio. Em 1928, essa prática foi substituída pelo carregamento do Pau da Bandeira em uma espécie de cortejo, simbolizando a fé de todos os fiéis de Barbalha. E segue assim desde então.

Já é a quarta vez que a estudante universitária caririense Theresa Pedrosa participa da festa. Para ela, o evento é um momento muito aguardado:

“Eu aproveito esse momento do Pau da Bandeira para renovar minhas crenças em Santo Antônio, eu crio memórias com minha família, com os amigos, sempre acontece algo de diferente para marcar aquele momento, e é sempre muito bom. Eu gosto de prestigiar o desfile cultural pela manhã, que une as quadrilhas juninas, o reisado e as inúmeras manifestações culturais que a gente tem por aqui.” 

“A energia que a gente sente lá é surreal, porque você vê gente de fora ali,  você vê família, criança, idoso, você vê todo mundo junto assim, misturado. E aí há muitas músicas tocando também.” 

A programação da Festa do Pau da Bandeira integra uma série de festas populares, como as apresentações musicais de artistas locais e nacionais e a celebração realizada no Largo da Matriz.

Ainda acontece a Noite das Solteironas, as tradicionais quermesses e as apresentações de quadrilhas juninas e grupos artísticos locais. Para este ano, nomes como Alceu Valença, Vanessa da Mata e Fagner foram destaques da programação.

O corte do pau da bandeira é também uma das tradições da festa em Barbalha, no Ceará. Os carregadores tomam café no mercado e depois vão escolher a árvore. Neste ano, o tronco escolhido para ser usado como mastro para a bandeira veio de uma copaíba encontrada no Sítio São Joaquim. Ele foi cortado no dia 17 de maio, carregado no dia 2 de junho, e tinha 23 metros pesando 2,5 toneladas.

A escolha e corte acontecem com autorização do Ibama e do Instituto Chico Mendes de Preservação da Biodiversidade. Além disso, outras 20 árvores são plantadas em compensação. Após cortado, o tronco precisa ficar por 15 dias descansando na mata, para poder perder um pouco do peso. Ele só é tocado novamente no dia do cortejo, pelos carregadores do Pau da Bandeira.

O carregamento do tronco de 2024 aconteceu no domingo, dia 2 de junho (Foto: Ascom Barbalha)

O carregamento do tronco de 2024 aconteceu no domingo, dia 2 de junho (Foto: Ascom Barbalha)

A gestora cultural Dane de Jade destaca a relevância dessas tradições:

“Tudo isso é bacana porque as pessoas vão mantendo uma raiz, deixando ali preservada todo um contexto ancestral e tradicional. No entanto, também pensando nas questões da contemporaneidade, não dá para você hoje olhar para o presente, sem pensar no passado, sem apontar o futuro. O próprio Ailton Krenak diz que o futuro é ancestral. E é mesmo, né? Quando a gente pensa no futuro, ele só vai acontecer porque existe uma ancestralidade.” 

O protagonista da festa

Culturalmente conhecido como “casamenteiro”, Santo Antônio ganha durante o festival, além de homenagens, pedidos de pessoas que estão em busca de um par para a vida.

Devotos costumam ir à festividade em busca de pequenos fragmentos do tronco do Pau da Bandeira, acreditando que seu chá atrai relacionamentos abençoados pelo Santo.

Na Festa do Pau da Bandeira de Barbalha, saem à rua vários folguedos muito fortes no Cariri, como os reisados. Uma figura importante que marca presença no festejo é o Mateu, palhaço de cara preta com roupa estampada e chapéu de cone, cheio de fitas coloridas na ponta. Aqui escutamos o mateu pifeiro do grupo Mateu de Teatro se encontrando com a Banda Cabaçal Santa Luzia, na Festa do Pau da Bandeira de Barbalha, debaixo das bandeiras que enfeitam os arredores da Igreja da Matriz.

“O Mateu é à descoberta de uma brincante que tem dentro de cada ser humano que foi criança. Ele é o personagem do reisado, da nossa cultura popular aqui do cariri. Ele é o animador e o organizador dos reisados. Ele que bota ordem e ele que faz todas as montangas e alegra todo mundo."

Essa foi Nêga Ni, líder do Grupo Mateu de Teatro, grupo de reisado que se apresenta no festival. Outro membro da trupe é Júnior Boca, que nos fala sobre o significado de Santo Antônio para a cidade de Barbalha:

“Rapaz, é a conexão com essa ancestralidade. Aqui é um credo da cultura católica popular, mas independente de ser umbanda, candomblé evangélico, a gente tem que se conectar nessa verdade, que quem toma pra si Cristo, e quem segue essa mensagem da doutrina que você está seguindo, seja ela qual for, é amor, é paz, é união, é alegria, a gente vem aqui para ser feliz. Viva São Antonio e viva nossa cultura popular!”  

A pesquisadora Dane de Jade finaliza ressaltando a importância que a cultura popular tem para uma região:

“Cultura é investimento na transformação humana, se a gente não vivencia a cultura, a arte e todos os outros aspectos que a cultura traz, a gente não se desenvolve enquanto ser humano, e se um território não tem cultura? Ele não é nada.”  

Essa reportagem foi um especial de São João do Nordeste, reproduzida no dia 29 de jundo de 2024.  Você encontra essa matéria na minutagem de 35:34 - 43:37.

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