Em torno da capela de Santa Terezinha, na cidade de Juazeiro do Norte, se organizava uma Comunidade Eclesial de Base. Ali Cleiton Neto, com 14 anos, participava do movimento católico através do grupo de jovens Javeneci, de orientação salesiana.
"O nosso coordenador Paulo Roberto estudava pedagogia. E ele sempre nos falava de Paulo Freire, falava sobre sua concepção de educação popular, educação libertadora. Sobre a relação de Paulo Freire nas Comunidades Eclesiais de Base, no pensamento do cristianismo voltado para os pobres. E aí, desde então, a partir da experiência do grupo de base, a gente foi construindo diversas lutas, diversas campanhas, principalmente contra o extermínio da juventude, contra a redução da maioridade penal; e muito nessa perspectiva freireana de organização popular'.
As lutas que mobilizavam Cleiton permitiram o encontro com outros movimentos. Através do Levante Popular da Juventude, constrói pontes. Até que se soma a outras lutas e passa a compor o MTD, Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos.
O movimento surge no ano 2000, numa ocupação urbana na região metropolitana de Porto Alegre. Naquele ano, o Brasil era o segundo país com a maior taxa de desemprego no mundo. Na região onde o movimento se organiza, inúmeros desempregados se unem para reivindicar moradia e oportunidade de trabalho. Em 2015, o MTD já está estabelecido em estados como Minas Gerais, São Paulo, Bahia e Ceará, e decide ampliar o diálogo para alcançar os trabalhadores precarizados dos médios e grandes centros urbanos do país.
No processo de formação e organização política, o movimento procura formas de se apropriar do pensamento e da prática de Paulo Freire no contexto urbano, uma vez que o acúmulo freireano se deu especialmente sobre a realidade rural, na organização de base popular dos camponeses. O MTD então vai buscar as ideias chaves do pensamento de Paulo Freire…
"(…) pra pensar a organização desde a senhorinha que já tá perto de se aposentar, mas enfrenta contradições, pelo fato de ainda tá trabalhando de forma precarizada. Por saber que, mesmo se aposentando, não vai ter uma renda que dê pra garantir a sua sobrevivência e a de sua família. Até o jovem da periferia que entrou agora no mercado de trabalho, mas entrou como entregador do Ifood, né? Então é um complexo muito grande de diversos perfis, para poder, enfim, organizar de uma forma que o povo seja protagonista da sua própria organização, do seu próprio processo político de tomada de consciência dos seus direitos e da construção de um projeto popular para o Brasil".
Desde cedo, foi a educação popular que despertou em Cleiton a sua consciência crítica: através do cristianismo, que o ensinou a ler a realidade ao seu redor atento às profundas desigualdades sociais; e através dos movimentos, que o fizeram compreender a dimensão e conexão entre as lutas, e a se manter convicto a agir.
Sua bagagem popular interage com a educação formal, que acessa através da Universidade Federal do Cariri, onde está perto de concluir a graduação em Filosofia. Esta também alimenta a educação informal e popular que tem ajudado a construir na luta do MTD. Nessa vivência em diálogo constante com Paulo Freire, Cleiton observa como o pensador consegue transpor o tempo e se fazer atual na reflexão sobre os desafios do presente:
"Ele faz o questionamento do que foi a educação no século passado, que acompanhou a criação de várias indústrias, grandes centros urbanos, e que os trabalhadores só aprendiam a produzir. E também ele é atual hoje porque os trabalhadores estudam muito, mas pra não trabalhar. Que é o exemplo dessa juventude trabalhadora que entrou na universidade, teve acesso, mas que hoje se vê sem trabalho, né? Que compreende o mundo, mas não consegue trabalhar, não consegue produzir. É uma massa sobrante. Então Paulo Freire é genial por conta disso, né? Porque quanto mais a gente olha pra realidade brasileira, mas a gente vê a necessidade de estudá-lo".
Paulo Freire é semente para as juventudes. E o que germina no pensamento e na prática desta geração são novas ideias e novos horizontes sedentos pela construção da liberdade e da emancipação do povo. Esta que se desfaz e se refaz ao mesmo tempo, no passo em que a sociedade se movimenta em direção ao futuro.
Esta foi a quinta e última matéria da série especial da Rádio Universitária em homenagem ao centenário do educador Paulo Freire. Juntos ouvimos trajetórias de vidas semeadas pelo pensamento freireano.
Raquel Dantas para a Rádio Universitária FM.