25/08/21

Sementes de Paulo Freire com Raquel Carine

Esta foi a terceira matéria da série especial da Rádio Universitária em homenagem ao centenário do educador Paulo Freire (Foto: Instituto Paulo Freire)

Quando descobriu que estava grávida, Raquel Carine de Moraes Martins trabalhava em uma fábrica de roupas masculinas. Exaustão, trabalho insalubre e um longo trajeto de ônibus para percorrer, todos os dias, os vários quilômetros que separavam a fábrica da sua casa em Fortaleza.

A percepção da realidade ganhou outros contornos com a gravidez. A vida de Maria em gestação deu coragem e ânimo para Raquel gestar novos rumos para a sua própria trajetória. Resolveu retomar os estudos e tentar mais uma vez o vestibular. Foi nesse tempo em que soube da organização de uma turma de alfabetização para jovens e adultos na igreja que costumava frequentar no bairro. Se sentiu convidada a ser voluntária. A partir de então, seu tempo estava dividido entre os estudos e os afazeres de casa durante o dia, e o ensino durante a noite.

"Foi durante esse projeto que um grupo de educadoras e educadores passou uma fita cassete muito antiga - foi muito interessante essa imagem -, uma entrevista do próprio Paulo Freire falando sobre o ensino de matemática. Nossa! Foi um momento que definiu de fato a minha decisão, inclusive para fazer o curso de pedagogia. E aí eu nunca tinha parado pra pensar, na verdade, que a escola - mesmo tendo passado boa parte da vida na escola, tendo uma mãe educadora e alguns familiares na área da educação, inclusive no setor público, - eu não tinha a mínima ideia que a educação pudesse ser um espaço para que a gente pudesse se reconhecer como pessoas por inteiro, com toda a sua dignidade correspondente, o que o Paulo Freire chamaria de Ser Mais, que é o processo em si de humanização".

Tempos depois entendeu que aquilo que Paulo Freire chamava de educação bancária, fazia parte das suas próprias experiências de educação. Uma educação depositária de conhecimento, não dialógica, sem troca, através da qual não poderia haver humanização, muito menos liberdade. Estava germinando em suas reflexões a semente da educação libertadora.

Em 2004, Raquel Martins ingressou no curso de Pedagogia da Universidade Federal do Ceará. Ali teve a chance de juntar Paulo Freire a outros intelectuais e militantes entre os seus referenciais para a educação popular. As experiências com a educação do campo como bolsista de iniciação científica e como bolsista de extensão do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária floresceram a sua relação com os ideais freireanos. Hoje, como professora substituta da Universidade Estadual do Ceará, onde coordena um projeto de extensão, o cursinho Viva Palavra, e também como professora efetiva da rede pública de Fortaleza, vê os ensinamentos de Freire na sua prática como educadora:

"Em Paulo Freire, penso que de suas contribuições, está a nossa própria reflexão cotidianamente em relação a nossa prática pedagógica. Porque pra ele, dentro do campo da educação popular, essa prática é um processo que vai sendo construído cotidianamente, ela não é um dado em si. E pelo fato de ser uma construção cotidiana é possível que nós, educadoras e educadores, possamos - dentro de todos os limites institucionais - corresponder aos desejos, necessidades e realidades socioculturais das estudantes e dos estudantes com os quais trabalhamos".

Para além da educação escolar ou universitária, a educadora Raquel Martins entende que o pensamento de Paulo Freire ajuda a refletir sobre todas as formas de educação. Também por estar fundamentada nas pessoas e em seus contextos, a teoria freirena se mantém viva, atual, dando espaço para fecundas e importantes refundamentações.

"Através dessas refundamentações, com contribuições e/ou inspirações da Educação Popular, outras ações foram sendo possíveis no Brasil, como a Educação do Campo, a educação que atravessa a história dos cursinhos populares, a Educação Indígena, a Educação Ambiental, a Educação Afrorreferenciada, a Educação no sistema prisional, algumas experiências na escola e na universidade pública, em espaços urbanos e rurais, entre outros. Educações que tentam escrever outras possibilidades e projetos de sociedade em diálogo com a democracia".

Esta foi a terceira matéria da série especial da Rádio Universitária em homenagem ao centenário do educador Paulo Freire.

Raquel Dantas para a Rádio Universitária FM.

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