"É muito casal fingindo que se ama
E muito solteiro apaixonado
Pra mim tá perfeito nosso jeito de amar
Um romance desapegado"
O trecho acima é da música Romance Desapegado, da banda alagoana Conde do Forró, que viralizou em 2020. A canção ultrapassou a marca de 30 milhões de visualizações no Youtube em menos de um mês de sua publicação. Em setembro, ela estava entre as 50 mais ouvidas no top mundial do Spotify. Hoje, o clipe já conta com mais de 100 milhões de acessos na internet.
Com uma melodia mais lenta e letras sentimentais, essa canção é um exemplo do Forró de Favela, ritmo que surgiu nas periferias de Fortaleza e que se diferencia do forró eletrônico mais conhecido pelo público em geral. Além da banda Conde do Forró, nomes como Danieze Santiago, Banda A Loba e Banda Amor de Cristal, lotam as casas de shows cantando histórias de amor e vivências que são bem próximas da realidade de quem vive nas comunidades. Rebecca Morais é vocalista da Banda Amor de Cristal e conta sobre a identificação do público com o forró de favela:
"O que nos caracteriza, a nossa diferença é que a gente veio com uma batida, uma pegada que é mais envolvente. E nós usamos um linguajar, gírias, que não costumamos falar no cotidiano, por isso foi denominado o forró de favela. Porque, no forró de favela, a gente fala sobre traição de amigos, sobre família, separação, sobre traição de amigas, sobre término de relacionamento. A gente usa isso no forró de favela para compor as músicas. A gente usa essas histórias. Chega a ser até histórias reais. Tem acontecimentos de histórias bem reais."
O forró de favela não é exatamente uma novidade. O estilo surgiu nos anos 1990 e ficou mais forte na década de 2000. Recebeu esse nome devido às festas que aconteciam em algumas favelas de Fortaleza, especialmente na regional 6, que compreende bairros como Cajazeiras, Jangurussu e Barroso. O Forró do Damásio, casa de shows localizada no bairro Cidade dos Funcionários, é uma referência para quem acompanhou o surgimento desse forró mais melódico.
Fortaleza é uma cidade importante para o forró. Esse estilo musical sempre foi popular nas periferias da capital cearense e foi aqui que despontaram alguns nomes nacionalmente conhecidos, como Aviões do Forró e Wesley Safadão. Ao mesmo tempo em que esses artistas foram dialogando com um público de poder aquisitivo maior, que moravam em outras partes da cidade, os moradores das periferias de Fortaleza passaram a escutar mais bandas de forró que cantavam letras mais românticas, semelhantes às cantadas por grupos que fizeram sucesso nos anos 1990, como Mastruz com Leite e Noda de Caju.
As casas de shows das favelas de Fortaleza eram espaços que não comportavam um grande público e os preços dos ingressos eram mais baratos em relação a outras casas da cidade. Nesse cenário, era mais vantajoso que as festas ocorressem ao som de DJs. Foram eles que tiveram grande importância para a divulgação do forró de favela, já que em suas seleções musicais, o estilo tinha espaço garantido e boa aceitação pelo público. O DJ Wesley Rodrigues foi um dos precursores desse movimento. Dono de um canal no Youtube onde divulga o forró de favela, ele explica como surgiu esse nome e qual é a essência desse estilo:
"Forró de favela vem do gênero forró romântico. O forró de favela nada mais é que o forró romântico. O movimento surgiu nos anos 90 e veio a ser muito forte, mais forte, mais conhecido, através do Forró do Damásio. A galera de uma classe mais alta começou a passar a ver a casa cheia e começou a frequentar também. Digamos que a classe alta começou a frequentar e daí começou a falar: 'Ah, tem um forró de favela ali. Tem um forró na favela ali'. E daí começou a surgir esse nome. Mas esse nome 'forró de favela' ficou mais para quem estava fora do movimento, tá entendendo? A gente sempre considerou forró romântico, mas quem estava de fora, tipo, aquela classe alta que estava vendo ali de fora… 'Ah, tem um forró na favela. Ah, ali tem um forró de favela. É legal. Vamo lá, vamo conhecer'. E daí, esse nome se expandiu e se originou como forró de favela."
Além de proporcionar lazer, o forró de favela contribui para geração de renda nas comunidades. As festas e os shows que acontecem nesses espaços ajudam o comércio local, empregam pessoas e são uma opção acessível de entretenimento. Apesar do sucesso, o forró de favela enfrenta alguns problemas. Muitos estabelecimentos onde aconteciam as festas não possuíam licença perante o Poder Público e acabaram fechando suas portas.
Outro problema é o conflito entre facções criminosas que disputam o domínio das comunidades de Fortaleza e que acaba refletindo negativamente nas festas e nos shows onde é tocado esse estilo de forró, prejudicando todo o movimento. Em janeiro de 2018, aconteceu a Chacina das Cajazeiras, ocasião em que catorze pessoas foram assassinadas no Forró do Gago, uma casa de shows localizada no bairro Cajazeiras, em Fortaleza. Segundo investigações da Polícia Civil, essa chacina seria resultado da disputa entre duas facções criminosas do Ceará. Foi o maior massacre já registrado no estado.
Em 2017, Damásio de Sousa foi assassinado no bairro Jangurussu. Ele era proprietário do Forró do Damásio, casa de shows referência na história do forró de favela. O crime também estaria relacionado ao conflito entre facções criminosas. Franzé Rufino é produtor cultural e acompanha de perto tudo que envolve o forró de favela. Segundo ele, casos de violência como esses, e a falta de regularização dos espaços onde ocorrem as festas, prejudicam o estilo:
"O grande problema é que se assimilou o forró de favela com o crime e forró de favela com facção, quando, na verdade, uma coisa não tinha nada a ver com a outra. Mas é porque é um ritmo que é de favela e é uma festa de favela, então acaba-se entendendo que é algo de marginal, é algo marginalizado. Por não ter autorização, não ter alvará, acaba que se diz que é ilegal. E, dentro da favela, o que é ilegal acaba sendo o errado. O errado que eu digo é na questão da criminalização."
Ainda de acordo com Franzé Rufino, o forró de favela não tem relação com facções criminosas, nem promove a violência. Como diversos moradores das periferias, o estilo é só mais um a sofrer as consequências negativas desses problemas.
Reportagem de Gustavo Castello sob orientação de Carolina Areal e Igor Vieira