A história de Rosário Lustosa e sua paixão pelos versos de cordel começou bem cedo, aos dez anos de idade. A menina, que era natural de Juazeiro do Norte (CE), mas morava no interior da Paraíba, costumava viajar de férias com sua família. O destino era a Fazenda Cabral, localizada no município de Janduís, Rio Grande do Norte. Era lá que Rosário encontrava, na gaveta da mesa de jantar, uma coleção dos mais diversos folhetos que a fazia passar horas apreciando as narrativas.
Na adolescência ela acompanhou a trajetória de Patativa do Assaré, que posteriormente serviu de influência para seus próprios versos. Atualmente, Rosário Lustosa é cordelista e membro da Academia dos Cordelistas do Crato. Segundo Rosário, sua inspiração surge ao “ouvir uma história, ao acompanhar um acontecimento da vida cotidiana”. Para ela, escrever cordel é “uma forma lúdica de encarar a vida”.
Não se sabe ao certo quando essa arte popular surgiu. Segundo Stélio Torquato Lima, professor de Literatura na Universidade Federal do Ceará (UFC) e coordenador do Grupo de Estudos Cordelista Arievaldo Viana, é provável que o cordel tenha recebido influências da poesia trovadoresca, desenvolvida nos séculos XII e XIII. De acordo com o professor da UFC, apesar das apostas de que teria existido um “cordel oral” antes do impresso, os primeiros registros oficiais desse gênero literário só foram documentados a partir de 1808, ano em que foram estabelecidas tipografias no país.
Por ser uma manifestação cultural com grandes marcas de oralidade e que abordava temáticas sociais, boa parte dos primeiros escritos eram publicados no anonimato. Para muitos pesquisadores, Leandro Gomes de Barros é considerado o primeiro escritor brasileiro de literatura de cordel. Autor de mais de 240 obras, o cordelista e poeta paraibano fez dos versos sua profissão, e a venda de seus exemplares ultrapassou a marca de 3 milhões. É em homenagem ao seu nascimento, no dia 19 de novembro, que se comemora o Dia do Cordelista.
Foi na região Nordeste que o cordel nasceu e criou raízes. De acordo com Stélio Torquato, a literatura popular carrega “elementos da nossa identidade, incluindo personagens da história regional, a linguagem e até mesmo a forma de se relacionar com o sagrado”. Não é à toa que a Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC), com sede na cidade do Rio de Janeiro, reúne um corpo majoritariamente nordestino. O site da entidade indica que das 37 cadeiras ocupadas apenas cinco não pertencem a membros nascidos em estados da região Nordeste.
Josenir Lacerda é cearense nascida na cidade do Crato. Em 2011, a cordelista tomou posse da cadeira de número 37 da ABLC, tornando-se a primeira mulher caririense a assumir o posto e a segunda do estado. Josenir conta que o cordel sempre esteve presente em sua vida. “Assim que aprendi a ler, lia cordéis para minha avó e para outras pessoas do sítio onde ela morava. Sempre me chamou a atenção o carinho e o respeito com que minha avó guardava seus versos e romances”, relembra. Quando mais velha, Josenir achou nos versos uma forma de “dar vazão aos anseios próprios da idade”. A jovem tímida percebeu, então, a forte influência que a métrica e a rima, tão próprias do cordel, exerciam em suas poesias.
Josenir Lacerda expressa que uma alternativa para que se mantenha viva a tradição do cordel é ele ser “conhecido como uma ferramenta boa para educar em escolas e universidades, além de estimular a leitura”. Segundo a cordelista, preservar a arte de fazer cordel significa respeito à memória dos ancestrais.
Autoria feminina
O cordel se popularizou como um gênero literário que aborda acontecimentos históricos e temáticas sociais fortes: a seca, o cangaço, a fé e a xenofobia, por exemplo, eram assuntos recorrentes nos escritos. No entanto, o professor da UFC Stélio Torquato, diz que “historicamente os escritos de cordel também foram marcados pelo preconceito racial, pela homofobia, pela oposição ao protestantismo e pela misoginia”.
As mulheres, em específico, além de serem alvos de desqualificação em muitos textos, também sofreram com a invisibilização. Fanka dos Santos é cordelista, pesquisadora e membro-fundadora da Sociedade dos Cordelistas “Mauditos”, de Juazeiro do Norte. Ela afirma que existiram muitos desafios para as mulheres cordelistas: “Houve discursos de que as mulheres não produziam, não faziam versos. Notadamente, foram os homens que tiveram a oportunidade de publicar”.
O caso mais marcante foi o da paraibana Maria das Neves Baptista Pimentel, conhecida como a primeira mulher cordelista do Brasil. Publicados na década de 1930, seus primeiros folhetos eram creditados com pseudônimo do nome do seu esposo, Altino Alagoano. “Foi justamente a publicação um dos obstáculos para visibilidade feminina nesse campo, dado o fato de que muitas delas eram cobradas a não serem mulheres públicas. Mas o cenário está propício. As mulheres publicam cada vez mais e com enorme qualidade”, afirma Fanka dos Santos.
Reportagem de Lara Vieira com orientação de Carolina Areal