“A gente tem visto animais com as patas queimadas e que precisam ser eutanasiados porque estão em sofrimento e não tem condição de sobrevivência. Animais que correm, como onças e antas, morrerem queimados. Se um animal desse morre, é porque não está encontrando espaço para fugir”, relata emocionada Viviane Layme, pesquisadora voluntária em uma força tarefa que busca fazer uma estimativa da quantidade e diversidade de animais afetados pelos incêndios que estão ocorrendo no Pantanal. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), somente em setembro de 2020, 14% do bioma foi desmatado.
O Pantanal é a maior planície alagada do mundo, com 150.000 km², onde 65% está em território brasileiro, seguindo do sul do Mato Grosso ao noroeste de Mato Grosso do Sul. O bioma é formado por uma grande depressão, o que propicia alagamentos, favorecendo uma riqueza e diversidade na flora e na fauna.
Viviane Layme explica que isso acontece porque a baixa inclinação proporciona que a água, durante as chuvas, escoe na planície, trazendo nutrientes para a terra. Isso resulta em uma alta produtividade, onde as plantas crescem muito rápido, e em uma grande reserva de matéria orgânica que se conserva por toda a cadeia alimentar. “Abriga a maior quantidade de vida silvestre no continente, por isso também é considerado um Santuário [da biodiversidade brasileira]”, lembra a pesquisadora. Já a diversidade da vegetação se distribui na paisagem de diversas formas, como baías, cordilheiras, campos, capões e carandazais.
O pantanal também abriga espécies em extinção, como onças pintadas e araras azuis. De acordo com o Instituto Centro de Vida (ICV), organização não governamental que atua na transparência da governança ambiental e das políticas públicas, somente no Parque Estadual Encontro das Águas, localizado no Estado do Mato Grosso, e que possui maior concentração de onças por metro quadrado do mundo, foram perdidas 80% da cobertura vegetal, por conta das queimadas deste ano.
Thiago Semedo, pesquisador no Instituto Nacional de Pesquisas do Pantanal, ressalta que as queimadas “podem elevar o risco de extinção de algumas espécies, principalmente daquelas que se locomovem de maneira mais lenta, como alguns répteis e mamíferos”. Além disso, “o fogo pode acabar com extensas áreas de reprodução, como regiões de ninhais ou até mesmo espécies de árvores propícias para reprodução", alerta.
Onde estão as chuvas?
O clima do bioma é dividido em dois períodos: uma estação chuvosa intensa, dos meses de novembro a março, seguido por uma grande seca, de abril a setembro. Em 2020, as chuvas não ocorreram de maneira usual, contabilizando o menor nível dos últimos 50 anos, o que preocupa especialistas. A prática de atear fogo ao solo, adotada por fazendeiros e agricultores locais para limpar o terreno, é proibida durante o período de estiagem, colocando em questão a vulnerabilidade da vegetação. Preocupados com os focos de queimadas, a Secretaria de Meio Ambiente do Mato Grosso antecipou em 15 dias o início do período de proibição.
Esse clima mais seco que o habitual tem parte da sua origem nas queimadas da Amazônia. A evapotranspiração da floresta amazônica cria rios voadores, ou seja, densas massas de ar, que seguem até a Cordilheira dos Andes, colidem, e retornam para o Brasil, avançando para a região pantaneira. Por conta das intensas queimadas na Amazônia nos últimos anos, esse processo natural não ocorreu como o esperado. Além disso, a pesquisadora Viviane Layme, que também é professora no Instituto de Biociências na Universidade Federal do Mato Grosso, ressalta que a maioria das fontes dos rios que desembocam na região pantaneira pertencem ao bioma do cerrado, que por sua vez, também vem sendo cada vez mais desmatado. “O pantanal acaba sendo bastante frágil, uma vez que recebe influência do que está acontecendo de negativo nos biomas do entorno”, conclui a pesquisadora.
Outros fatores apontados por biólogos e especialistas como culpados pelo avanço das queimadas são o aumento do agronegócio e da falta de mecanismos de fiscalização por parte do poder público. Sobre a possibilidade de recuperação do bioma, Thiago Semedo constata: “Ainda não podemos afirmar em quanto tempo o bioma irá se recuperar. Podemos apenas especular. Cerca de 30% do bioma foi queimado [em 2020], acreditamos que o bioma consiga se recuperar de maneira muito lenta. Alguns pesquisadores acreditam que isso pode levar cerca de 30-50 anos para recuperar totalmente”.
O clima seco favorece o alastramento do fogo, mas a principal suspeita é que esses incêndios tenham começado por mãos humanas e de forma criminosa, como foi observado através de imagens de satélite do INPE, o que fez a Polícia Federal iniciar uma investigação. Viviana Layme afirma: “Queimadas naturais acontecem, mas em períodos chuvosos. A seca não começa o fogo, só piora. Para a gente ter a possibilidade de regeneração, a gente precisa ter certeza que próximo ano nós não teremos uma seca como está agora”.
Os incêndios também colocam em risco a permanência e subsistência de aldeias indígenas, comunidades quilombolas e demais habitantes locais, que tem na pesca artesanal e no ecoturismo sua principal fonte de renda. Segundo uma apuração feita pesquisadores da Universidade Federal do Mato Grosso em 2017, o ecoturismo com a onça-pintada representa uma receita bruta anual de US$ 6.827.392 para a região.
Preocupado com a permanência do pantanal, Thiago Semedo conclui: “Assegurar a preservação desse bioma é garantir a perpetuação desses serviços ecossistêmicos que o Pantanal oferece para nós, seres humanos, e para as espécies que habitam essa extensa área alagada da América do Sul”.
Reportagem de Beatriz Gonçalves com o orientação de Carolina Areal e Igor Vieira.