O planeta vem dando sinais de que as mudanças climáticas não são mais um assunto só do futuro. Um exemplo disso são as chuvas mais intensas nas grandes cidades brasileiras. Podemos também falar sobre secas mais severas devido à desertificação do solo; furacões mais destrutivos atingindo o hemisfério norte; territórios inteiros com risco de serem engolidos por mares e oceanos; milhões de pessoas migrando de seus países por causa das alterações climáticas.
A situação é tão preocupante que especialistas já tratam o assunto como Emergência Climática, termo que foi escolhido como a palavra do ano em 2019, pelo Dicionário Oxford. Os meios de comunicação são importantes para o debate climático. Por meio deles, os estudos e as informações sobre o assunto podem atingir um grande número de pessoas, fazendo com que a discussão gere alternativas para reverter, ou, pelo menos, aliviar o problema.
Alexandre Costa é professor da Universidade Estadual do Ceará e doutor em Ciências Atmosféricas. Ele usa a internet para alcançar um público que está fora das universidades. O professor criou um blog chamado “O que você faria se soubesse o que eu sei?” que virou uma canal no Youtube, com o mesmo nome. Por meio dele, Alexandre publica vídeos sobre mudanças climáticas, suas causas e consequências.
"A minha preocupação em relação a levar a ciência do clima para o debate público se deveu em função do avanço do negacionismo. Eu vi com muita preocupação, nos idos de 2011, 2012, o negacionismo ganhar força no Brasil. Em função disso, eu alertei diversos colegas, sabendo que, nos Estados Unidos, a situação para um quadro muito preocupante, em que o negacionismo bloqueou ações de contenção das mudanças climáticas, sabotou o debate público, sabotou as ações e conseguiu criar a falsa ideia de que existe um debate. Eu via com preocupação de isso acontecer também no Brasil. Eu resolvi, então, mesmo de maneira solitária, infelizmente de forma muito empírica, sem me dá o luxo de estudar as melhores formas de comunicação, eu criei o blog ‘o que você faria se soubesse o que eu sei."
O Brasil ainda é um país carente em inclusão digital, fazendo com que muitas pessoas não tenham acesso à internet. Por isso, os chamados meios de comunicação tradicionais como rádio, TV e jornais também são importantes na tarefa de levar o assunto do clima para uma audiência maior. Eloísa Loose é doutoranda em comunicação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ela explica a importância dos meios tradicionais no debate sobre emergência climática.
"As pessoas costumam recorrer com mais frequência a eles. Nenhum deles pode se eximir dessa responsabilidade. O jornalismo precisa, de alguma forma, incorporar a pauta climática e trabalhar com diferentes aspectos desse problema de forma mais frequente, em todos os meios, formatos, linguagens."
Pensando em contribuir para a qualificação da cobertura sobre a emergência climática feita pelos grandes meios de comunicação no Brasil, Eloísa Loose organizou, junto com as pesquisadoras Márcia Franz Amaral e Ilza Girardi, o Minimanual para a Cobertura das Mudanças Climáticas. A publicação apresenta conceitos, verbetes e outras ferramentas que ajudam os veículos a trazerem o assunto para mais perto do público. Eloísa conta o motivo da concepção do manual.
"Os nossos estudos anteriores, mostra que muito do que é publicado aqui, nos nossos jornais, nos jornais de referência, ainda são notícias feitas a partir de agências de notícias. Então, isso tem um enfoque sempre internacional, trazendo aspectos, às vezes, muito distantes do que a gente vive aqui no Brasil, do nosso contexto. Às vezes até se fala de Amazônia, mas é muito difícil conseguir relacionar isso, de repente, com municípios que estão distantes dessa região, ou que estão focados em outros aspectos."
A jornalista Síria Mapurunga, da Rádio Universitária FM, tem se dedicado a reportagens sobre o clima. Ela ajudou a produzir o radiodocumentário Depois do fim: Quem está matando o mundo?, veiculado pela emissora e que aborda o impacto causado pelas mudanças climáticas. Síria destaca a importância da mídia trazer o tema da emergência climática para mais próximo da realidade das pessoas, apontando caminhos mais efetivos para a conscientização.
"Se a gente for pensar, por exemplo, na pauta das secas, que é recorrente na mídia cearense, a gente não vai perceber o impacto, por exemplo, que a atividade humana tem na desertificação da Caatinga. Ela vai falar que não tá chegando carro pipa pra região, que as pessoas estão fervendo água suja do açude que secou. E isso, para aquele agricultor do sertão mais ermo que vive diariamente ano após ano o efeito da seca na vida dele, não só não é nenhuma novidade, como também não o ajuda. Não o educa a não queimar o solo, não dá alternativas para ele. Nesse sentido, é que a gente, jornalista, tem cada vez mais que sair do círculo vicioso da pauta que já vem pronta e questionar o papel educativo que os meios de comunicação tem, porque se for só pra produzir desesperança, desespero, angústia e impotência nas pessoas, não faz sentido falar de mudança climática"
O Minimanual para Cobertura Jornalística das Mudanças Climáticas é destinado a jornalistas, pesquisadores e estudantes, mas também é útil para outras pessoas que queiram se qualificar e levar o debate sobre a emergência climática para um público mais abrangente. O documento está disponível gratuitamente, na internet, na página jornalismoemeioambiente.com/minimanual.
Reportagem de Gustavo Castello com orientação de Carolina Areal e Igor Vieira