20/08/20

Kawaii, a cultura da fofura: do Japão pro mundo

O kawaii surgiu no Japão como uma tendência entre os jovens e rapidamente tomou proporções internacionais (Foto: Reprodução/Twitter)

Você sabe o que significa kawaii? O termo tem origem no Japão e representa a cultura da fofura, encontrada em brinquedos, no entretenimento, na gastronomia, na moda, e até no comportamento da população japonesa. Com raízes datadas no século XVII, o kawaii se tornou parte importante da cultura do Japão e, com o tempo, de outros países também.

Iago Fillipi é mestrando em Comunicação na Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisador da cultura nipônica. Segundo ele, adolescentes japonesas começaram a escrever, nos anos 1960, com uma caligrafia mais arredondada e cômica que foi banida de escolas. Na década seguinte, esta forma de escrever foi comercializada e se expandiu pelo país, aparecendo em embalagens, artigos de papelaria, revistas e quadrinhos.

A personagem Hello Kitty, licenciada em centenas de produtos, é considerada símbolo da cultura kawaii (Foto: Reprodução/Internet)

A personagem Hello Kitty, licenciada em centenas de produtos, é considerada símbolo da cultura kawaii japonesa (Foto: Reprodução/Internet)

Junto da escrita, a vestimenta e a atitude dos adolescentes ajudaram a construir a estética visual do kawaii. Os jovens se vestiam de maneira extravagante e colorida e ainda copiavam gestos e maneirismos de personagens de animes e mangás. Ao mesmo tempo, o Japão estava em um cenário de modernização que possibilitou uma quebra na cultura tradicional, como afirma o mestrando Iago Fillipi:

"A gente vê que o surgimento dessa cultura do kawaii tem relação com a modernização da cultura japonesa, com a conexão do Japão com culturas externas. É um reflexo dessa mudança, dessa guinada que o Japão teve, uma coisa que não seria tão possível antes, mas no atual Japão sim. É como se fosse uma contracultura. Não, o Japão não é só essa coisa antiga, o Japão também tem isso que aproxima ele mais da cultura moderna. Então kawaii é um reflexo disso daí, dessa mudança, dessa abertura do Japão pro mundo."

Na língua japonesa, kawaii pode significar “possível de ser amado”. Iago Fillipi associa isto aos hábitos reservados da população japonesa, menos calorosa em comparação ao Brasil. Para o pesquisador, o kawaii se popularizou devido à necessidade dos adolescentes de se sentirem amados. Por isso, o kawaii é associado a fofura, timidez, infância, delicadeza. É a busca por um sopro a mais de juventude. 

A aderência ao kawaii também está relacionada à rejeição das responsabilidades e pressões da vida adulta. É o que afirma Mariany Nakamura, mestre e doutora em Ciência da Informação pela Universidade de São Paulo (USP), que realizou pesquisas sobre memória e identidades nipo-brasileiras:

Mariany Nakamura realizou pesquisa nas áreas de memória e identidades nipo-brasileiras, cultura pop e mediação cultural no âmbito das atuais tecnologias de informação e comunicação (Foto: Arquivo pessoal)

Mariany Nakamura realizou pesquisa nas áreas de memória e identidades nipo-brasileiras, cultura pop e mediação cultural no âmbito das atuais tecnologias de informação e comunicação (Foto: Arquivo pessoal)

"O kawaii se relaciona com a fase da infância porque ela é vista como um lugar de liberdade individual que é muito difícil de ser alcançado na sociedade japonesa hoje em dia. A fase adulta não é vista como uma fonte de liberdade ou independência, mas é um período de restrição e de muito trabalho duro, cercado de responsabilidade, tanto para com o trabalho quanto com a família e a sociedade em si, que exige que o japonês trabalhe arduamente pra atender às altas expectativas. O kawaii é como uma válvula de escape, é uma forma que os japoneses encontraram de alimentar, de nutrir esses laços afetivos, e também de expressar emoções."

De roupas coloridas a gestos graciosos, ser kawaii significa desafiar padrões de normalidade e de seriedade. Com isso, há também uma perspectiva identitária e sociopolítica. No Japão, o kawaii é comumente associado ao gênero feminino, ajudando a construir uma percepção de que mulheres devem ser ingênuas e submissas. Para Helena Sedlacek, isso não representa a verdade.

O interesse de Helena Sedlacek pela estética kawaii surgiu com 13 anos e só aos 18 ela começou a explorar suas possibilidades (Foto: Arquivo pessoal)

O interesse de Helena Sedlacek pela estética kawaii surgiu com 13 anos e só aos 18 ela começou a explorar suas possibilidades (Foto: Arquivo pessoal)

Adepta desde os 18 anos, Helena encontrou no kawaii uma forma de erguer a autoestima e a sua percepção de si mesma. Desde então, o kawaii é parte significativa de sua vida e um reencontro com sua feminilidade. A funcionária pública associa o kawaii com o feminismo devido à forma como essa cultura surgiu, como uma rebelião de adolescentes japonesas:

"Muitas pessoas consideram a estética kawaii como algo que reforça estereótipos de gênero, de feminilidade, que a mulher tem que ser graciosa, meiguinha, delicada e por aí vai. Só que o kawaii não é só isso, na minha visão. Não se trata simplesmente de algo feminino. A gente tem que lembrar como ele surgiu, no Japão, como uma forma de expressão das mulheres lá. Tem tudo a ver. O kawaii é uma forma de expressão super válida até dentro do feminismo. Eu acho que é uma coisa muito boa, sabe, ter essa liberdade de se rodear de coisas bonitinhas, de uma estética que faça você se sentir bem, independente do que é esperado socialmente de você."

Diferente do Japão, onde o kawaii se estabeleceu em diferentes esferas, nos países ocidentais, essa estética é geralmente encontrada em eventos que celebram a cultura oriental e em espaços de convivência de fãs. Aqui no Brasil, o kawaii se difundiu através de mangás, que eram trazidos para cá por imigrantes, e de animes, que chegaram na televisão aberta no fim da década de 1960.

Reportagem de Mateus Brisa com orientação de Igor Vieira e Carolina Areal

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