por Caio Mota
jornalista e programador musical da RUFM
Certo dia um colega me disse que odeia – e falou de ódio com toda a energia que essa palavra carrega – ser o responsável pela playlist da festa. Mas amigo, ódio? “Fico ansioso, apreensivo demais com o que vão achar”, ele explicou. E eu prontamente entendi. É a versão musical daquilo que todos nós já sentimos uma, duas, três mil vezes na vida: o medo da reprovação. Ele, já muito ansioso, sofrer ainda mais com a pressão de ter seu gosto musical avaliado por seus pares. Dá mesmo um friozinho na barriga, convenhamos.
Agora imagina o frio que dá quando nós, que fazemos rádio, veiculamos um programa musical para milhares de pessoas, de idades, classes sociais, pensamentos diferentes. E o peso que isso ganha quando contrapomos o rádio à imensidão do universo sonoro proporcionado pelas plataformas de streaming, com suas playlists e seus algoritmos tão acaloradamente discutidos hoje em dia. Dá um friozão, pode acreditar. Afinal, estamos concorrendo com esses mesmos algoritmos pela sua atenção. É uma concorrência acirrada, confesso. Porque o algoritmo dá exatamente o que você quer.
Sorrateiramente, ele analisa o que estamos ouvindo, emula nossos gostos e oferece coisas muito parecidas com muito mais frequência. Pra quem ouve muito rock, cada vez mais rock. Pra quem é do funk, tome funk até dizer chega. Pra quem é da voz e violão com letras em inglês dor de cotovelo cantadas por mulheres, aqui um leque de ofertas de voz e violão com letras em inglês dor de cotovelo cantadas por mulheres. Sem que percebamos, o algoritmo nos enclausura em bolhas sônicas que nos limitam mais e mais a cada play.
O desafio é tirar nossos ouvidos dessa monótona zona de conforto. De um lado – o lado de lá – você encontra zeros e uns, pequenos espiões robôs que servem sua música favorita todos os dias. E do lado de cá: o ser humano. Pensante, sensível, único em sua existência, oferecendo a você diferenciados sons do universo musical, sons esses que, daqui a pouco, podem vir a se tornar sua nova música favorita de todos os dias. Em qual dos dois lados você tem mais chance de se surpreender?
De onde falo, o que fazemos é curadoria. Estudamos, pesquisamos, debatemos, passamos horas ouvindo música para oferecer algo diferente para você. Mas também não se engane. Nossas seleções não existem para satisfazer nem sistematizar suas preferências. O objetivo de um bom programa musical de rádio é justamente o contrário. É bagunçar seu gosto, apresentar o que você conhece e, principalmente, o que poderia gostar de conhecer.
Oferecemos não apenas a pesquisa, mas nossa relação pessoal com a música. E aqui está a riqueza do processo. A subjetividade. Óbvio que criamos métodos e mais métodos para harmonizar uma seleção musical, mas é a subjetividade – emoção, memória, afetos e impulsos – que verdadeiramente costura esse enredo musical até que se forme um conjunto sonoro que nada mais é do que uma representação sensível de quem o fez.
Por isso, sempre digo que escutar um bom programa de rádio é também conhecer um pouco quem o produziu. E conhecer pessoas está no próprio instinto de comunidade que há milênios constitui a experiência humana. Fazer rádio, no fim das contas, é estar em comunidade. Existe alguém ali do outro lado do dial pensando em você. Não zeros e uns, mas alguém disposto a livrar seus ouvidos dessa bolha sônica ensurdecedora. Resta saber: você quer se surpreender?