Desde março deste ano, vários eventos culturais foram cancelados ou adiados devido à pandemia de Covid-19. Seguindo as orientações de segurança dadas pelo Ministério de Saúde e pela Organização Mundial de Saúde, artistas brasileiros tiveram que reinventar o modo de criar, produzir e pensar arte.
Por meio das redes sociais, músicos, fotógrafos, ilustradores, escritores, atores e dançarinos acharam uma maneira de levar seus trabalhos para dentro das casas do público.
É o caso do cantor, compositor e produtor musical cearense Caio Castelo. Ele mostra, no lançamento do clipe Tanto, do álbum Pontes de Vidro, que mesmo estando longe é possível se encontrar para fazer música. Com a participação do ator Silvero Pereira, da artista drag Mulher Barbada e de outros artistas cearenses, o clipe foi feito entre amigos, de maneira colaborativa e a distância com a ideia de guardar lembranças para um futuro incerto.
Caio Castelo conta que escreveu a letra e colocou os arranjos na sua casa. Depois disso, a música ganhou forma com a participação dos outros artistas:
“Gravei tudo e mandei pro Bob, o tecladista, pra ele colocar uns teclados, ele colocou da casa dele, então a gente já fez isso a distância. E aí, depois, a gente ainda fez o clipe a distância também, com um monte de gente, cada um das suas casas mandando seus vídeos dançando a música. Então muita coisa dessa música e dos desdobramentos dela, como clipe, arranjo, tudo, veio muito dessa experiência de, não é nem de estar só, é de buscar o outro, da experiência de contato, de até identificar a parte que falta, que é muito da mensagem desse terceiro EP. Ele [o EP 'Pontes de Vidro 3'] fala sobre encontro, e esse encontro pode se dar tanto fora quanto dentro.”
Já a fotógrafa e estudante de cinema e audiovisual da Universidade Federal do Ceará (UFC) Lanna Carvalho conta que se sentiu desmotivada em produzir quando as expectativas e os projetos que ela havia planejado para o ano não iriam se realizar:
“Eu assistia muitos filmes e li, joguei bastante com a minha família, até que teve o momento que veio a vontade de fotografar meu cotidiano e as pessoas que moram comigo. Eu acho que fui inspirada, principalmente, por um projeto chamado 'Sol para Mulheres', em que elas fazem desafios através do Instagram com uma temática a cada dois dias para você fotografar dentro daquela temática. E aí eu comecei a fazer esses desafios sem pretensão nenhuma e isso me motivou a voltar a fotografar, a voltar a olhar para dentro da minha casa. Eu passei a fotografar até mesmo um simples ato que é jogar dominó, mas que por trás tem um simbolismo enorme pra mim.”
A artista preta LGBT Silvelena Gomes também faz presença na Internet com as suas ilustrações e colagens sobre a cidade de Fortaleza. Com o tema resistência e saudade, ela incentiva o público a ficar em casa e a se resguardar para que o distanciamento social acabe logo:
“Eu tenho agora três ilustrações sobre a cidade, especificamente sobre Fortaleza. São três colagens e pra mim foi muito incrível ver que tanta gente daqui de Fortaleza tava se identificando, comentando e, principalmente, compartilhando a saudade que é minha e que é de todo mundo.”
A pesquisadora Aline Albuquerque, coordenadora do Laboratório de Artes Visuais do Porto Iracema com mestrado em Artes pela UFC, acredita que a arte é importante para a produção da subjetividade necessária para nos confortar em tempos de crise:
“Eu acho que nós temos visto como a arte tem sido importante nesses momentos mais difíceis. As pessoas se encontram para celebrar mesmo estando longe, se encontram através de redes virtuais, se encontram através de suas varandas, através da literatura, da música. Eu acho que tem sido muito bonito ver isso, num momento tão terrível como o que a gente vive. Tem sido muito bonito ver como a gente se agarra a essa produção subjetiva que só nós seres humanos somos capazes de produzir, como uma força mesmo de criação, uma força de resistência, de reinvenção. Mesmo a gente crendo nessa impermanência de tudo, a arte parece que eterniza alguns sentimentos, alguma beleza. Eu acredito que o papel da arte em tempos de desastres é o papel de alimentar os sonhos e as utopias, é o papel da fruição, da beleza, de trazer certo alento, certo conforto para a alma, mas acho que também o papel da arte é propor soluções para problemas.”
Reportagem de Danielle Gadelha com orientação de Síria Mapurunga