30/04/20

Das raízes do samba ao atual cenário em Fortaleza

Antes de se tornar o gênero musical reconhecidamente brasileiro, o samba surgiu como uma festa popular (Imagem: "Roda de samba”, de Carybé, 1984)

“O chefe da folia pelo telefone mandou me avisar
Que com alegria não se questione para se brincar”

Esses versos são da canção Pelo Telefone, de Donga, que completa 103 anos em 2020. Ela é alvo de diversas controvérsia. Pesquisadores e sambistas questionam sua data de lançamento, sua composição e seu ineditismo como o primeiro samba da história. No livro Música Popular Brasileira: Histórias de Sua Gente, o pesquisador Renato Vivacqua provou que a palavra samba já havia sido registrada antes da canção de Donga. Um exemplo disso é Um Samba na Penha, música cantada por Pepa Delgado, feita em 1904 e gravada em 1909.

Ernesto Joaquim Maria dos Santos, conhecido como Donga (1890-1974), entrou para a história como compositor do primeiro samba (Foto: Domínio Público)

Ernesto Joaquim Maria dos Santos, conhecido como Donga (1890-1974), entrou para a história como compositor do primeiro samba (Foto: Domínio Público)

Carlos Sandroni, professor do Departamento de Música da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), acredita que Donga teve dois papéis muito importantes para o samba. Um deles foi a música Pelo Telefone e outro foi sua participação no grupo musical Oito Batutas, que marcou a virada da década de 1910 para a década de 1920. A música Pelo Telefone é diferente do que se reconhece hoje como samba. Carlos Sandroni afirma que o gênero ainda estava em uma fase embrionária quando a canção foi composta, e que ela foi influenciada por outros estilos, como o maxixe e a polca. Ele explica que a origem do samba é múltipla:

"Como aqui também tinha um samba, em Pernambuco por exemplo, como em São Paulo tinha um samba também, na Bahia - eram todos sambas diferentes, mas todos eles se identificaram com esse samba carioca que chegou através do rádio, do disco e do Carnaval. Isso ajudou, talvez, a que o samba se difundisse, porque, onde ele chegava, ele encontrava outras versões do mesmo samba, que iam se aglutinando ali e formando uma bola de neve que veio a ser esse grande samba brasileiro."

A vendedora Marilene Sales é madrinha do "SambaDelas", um projeto de mulheres sambistas de Fortaleza (Foto: Arquivo Pessoal)

A vendedora Marilene Sales é madrinha do "SambaDelas", um projeto de mulheres sambistas de Fortaleza (Foto: Arquivo Pessoal)

Essa pluralidade também é notada pelo jornalista e advogado Felipe Araújo, que se considera um entusiasta e pesquisador do samba. Por meio da discoteca do pai, Felipe conheceu o gênero, que foi tomando um lugar central em sua vida. Para ele, o samba reinventou ritmos e estilos africanos, principalmente após a abolição da escravatura. Felipe conta que o samba foi recebido com intolerância pela elite da época devido à sua afrodescendência. A história só começou a mudar, e o samba ficou mais presente na vida dos brasileiros, quando começou a abordar outros temas:

"O [presidente Getúlio] Vargas percebeu que dialogar com os setores populares a partir das suas manifestações culturais lhe renderia muita popularidade, muito carisma, e, assim, ele criou uma engenharia de publicidade muito sagaz que transformou o samba na música brasileira por excelência. E é quando o samba chega com mais força às rádios que ele deixa de cantar temas que eram caros à história do samba e passam a cantar o elogio ao trabalho, a grandeza nacional, ou seja, passa a adotar outras temáticas que não somente aquelas temáticas que lhe acompanhavam desde a origem."

Na foto, Theresa Rachel se apresenta com o grupo de samba Jogral. Devido à pandemia do novo coronavírus, as rodas de samba migraram para o ambiente virtual (Foto: Acervo Motolibre)

Na foto, Theresa Rachel se apresenta com o grupo de samba Jogral. Devido à pandemia do novo coronavírus, as rodas de samba migraram para o ambiente virtual (Foto: Acervo Motolibre)

Hoje, Felipe Araújo se dedica a acompanhar o samba cearense e comparecer às rodas de samba da capital. A vendedora Marilene Sales, 57 anos, também é presença garantida quando o assunto é samba. Ela é madrinha do SambaDelas, um projeto de mulheres sambistas de Fortaleza que se formou em 2017. Marilene se aproximou do gênero em bares da capital, principalmente no Bar da Mocinha, localizado na Praia de Iracema. Desde então, ela se dedica a cantar em rodas de samba, até mesmo profissionalmente:

"Sou sambista com muito orgulho. Eu sempre digo que trago este ritmo tatuado em mim. Sou feliz demais por ele fazer parte da minha vida."

Em época de distanciamento e isolamento social, as rodas de samba se apropriaram do mundo digital. É o caso da cantora e violonista cearense Theresa Rachel, 24 anos. Sempre que pode, ela se utiliza de transmissões ao vivo para realizar eventos de samba, cada musicista contribuindo de sua casa. Theresa conta que esses momentos online são importantes porque o samba é o alicerce de muitas pessoas. Por isso, a cantora está organizando sua própria roda de samba e se dedicando a descobrir novos repertórios e novas produções no gênero. Com mais sambistas mulheres cantando, produzindo e compondo, Theresa Rachel acredita que, no futuro, o samba tem o potencial para se tornar música das paradas de sucesso:

"Eu acredito muito no samba no futuro, no sucesso que ele vai ter ainda mais, no público que ele vai conquistar ainda mais. Porque é uma música muito nossa, é uma música feita pelos brasileiros com muito vigor, muita originalidade. Então ele não morre nunca. É como tá nas letras de samba."

Reportagem de Mateus Sales com orientação de Carolina Areal e Igor Vieira

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