As diretrizes que definem a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) referente ao Ensino Médio foram aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação, no dia 4 de dezembro de 2018. Após várias modificações no texto e diversas críticas, a base prevê o ensino de português e matemática nos três anos do ensino médio. As outras áreas podem ser distribuídas ao longo dos três anos a critério das redes de ensino.
A reforma estabeleceu um currículo baseado em cinco itinerários formativos. São eles: linguagens e suas tecnologias, matemática e suas tecnologias, ciências da natureza e suas tecnologias, ciências humanas e sociais aplicadas, e formação técnica e profissional. O Ministério da Educação divulgou nota em que a aprovação da BNCC diminui as desigualdades educacionais entre os diferentes estados e promove a qualidade da aprendizagem.
O presidente do Fórum Nacional de Coordenadores Institucionais do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Forpibid), Nilson Cardoso, acredita que a aprovação em si quebra a proposta do que deveria ser uma BNCC. “O documento da educação infantil e do ensino fundamental não dialoga com o ensino médio em termos de estrutura e concepções”, afirma.
Uma pesquisa realizada pelo Ibope em 2016 apontava que mais de 70% dos entrevistados era a favor da reforma do Ensino Médio. A aprovação da BNCC divide a opinião de especialistas no assunto. Diretores de escolas, professores e estudantes devem ser ouvidos nesse processo de adaptação que deve durar dois anos.
Impactos
Especialistas acreditam que a BNCC traz uma série de desafios. Embora o Ministério da Educação defenda a autonomia do estudante no seu processo de aprendizagem, deve acontecer uma diminuição da oferta de conhecimentos. Caso o estudante escolha o itinerário de ciências humanas no início do Ensino Médio, ele não poderá trocar ao longo dos anos seguintes.
Para o professor Nilson Cardoso, muitos conteúdos importantes não serão contemplados, do ponto de vista social. “Gênero e sexualidade dentro da biologia é uma temática tradicional, mas com a nova base, temas como a gravidez na adolescência, doenças sexualmente transmissíveis, métodos contraceptivos não serão considerados pela base. No contexto em que cresce o discurso moralista e conservador, a discussão de sexualidade e gênero também vai ficar muito mais margeado no cotidiano da escola, ficando a critério das redes colocar ou não”, ressalta.
Também pode existir uma carência de conhecimento em determinadas áreas. O professor de história de escolas particulares de Fortaleza, Fábio Martins, cita o exemplo da área de ciências humanas que ao longo do tempo sofre ataques e desgastes. “Se você comparar a quantidade de aulas que nós temos em matemática em relação à história, por exemplo, você vai ver que é muito maior a carga horária de matemática, e as disciplinas de ciências humanas e ciências da natureza são deixadas de lado”, aponta.
Outro impacto na educação seria a extrema valorização do ensino técnico e de áreas que não priorizam o senso crítico. A aluna do 3° ano do Ensino Médio da escola Adauto Bezerra, Amanda Santos, acredita que isso pode atrapalhar o aprendizado dos estudantes. “A reforma trata as outras matérias, como química e física, sendo menos importante na nossa vida, na nossa formação ao longo do Ensino Médio”, afirma.
Limitações
As limitações para a implementação da BNCC começam pela infraestrutura precária das escolas da rede pública de ensino e a dificuldade em atender os alunos em tempo integral. Amanda Santos estuda apenas no período da manhã e afirma que não percebe uma preparação do governo em enviar a verba necessária para sustentar os alunos durante um dia inteiro. “Já é bem apertado pela manhã na rede pública de ensino, o Adauto Bezerra é uma escola muito conhecida, mas as outras escolas públicas, as escolas de bairro, não tem verba, chega a não ter merenda escolar, itens de higiene, seria bem difícil se fosse em tempo integral”, ressalta.
O problema citado nas escolas de Fortaleza pela estudante é exemplificado pelo professor Nilson ao enfatizar que escolas menores não terão a obrigação de oferecer mais de um itinerário formativo, o que ocasiona outros problemas. “Vamos pegar um município que tem duas escolas e nós temos várias cidades que tem duas escolas, quando não existe essa oferta na escola pública, o mercado privado cresce, incentiva um ensino a distancia, se não tem um ensino formativo que eu quero na minha cidade, vou fazer de outras maneiras, o que esvazia as escolas” explica. Outra limitação é o fato de acabar com algumas disciplinas e transformá-las em áreas. “Quanto à atuação do professor na escola é muito grave, se eu sou um professor de Biologia e me torno um professor de ciências da natureza vou ter que abordar outros cursos que não fui formado para isso, como física e química”, destaca.
Adaptação
A proposição dos currículos maleáveis é visto com bons olhos pelo professor Fábio Martins. Ele acredita que a BNCC tem a sua vantagem, como a adequação de um currículo às realidades distintas, respeitando as particularidades de cada escola. O MEC divulgou em nota que a BNCC foi pensada como um “conjunto de conhecimentos essenciais e indispensáveis a crianças e jovens em cada etapa da educação infantil, ensino fundamental e ensino médio”. Os estados brasileiros terão um ano para fazer o cronograma de implementação e mais um ano para implementar nas escolas, segundo o Ministério da Educação, isso garante uma equidade em toda a rede de ensino.
O professor Nilson afirma que a aprovação da base vai de encontro ao Plano Nacional de Educação que prevê o fortalecimento da escola pública, entretanto, ocorre a fragilização da escola pública e a desvalorização do professor. “Quando a gente abre margem para que o professor seja relativizado na escola, abre margem para a desvalorização histórica do professor, facilita o ensino a distância”, ressalta.
Segundo a secretária de educação básica Katia Smole do MEC, a aprovação da BNCC é considerado “um ganho para a educação brasileira”, e que existirá o apoio às redes na implementação da base. O professor Fábio Martins enfatiza que o processo de adaptação deve ser construído em conjunto. “A adaptação deve ser pautada pelo diálogo do governo com a escola e da escola com os estudantes, além disso, o Governo Federal deve dar amparo às instituições”, afirma.
Reportagem de Karoline Sousa com orientação de Carolina Areal