Apesar de já ser uma discussão antiga, os debates sobre a democratização, ou a regulação, da Comunicação têm estado em alta, juntamente com as questões sobre a liberdade de imprensa, já abordadas em especial no nosso site.
Grande parte destas discussões ganhou força durante as eleições presidenciais, devido ao assunto ter sido incluído no plano de governo de alguns candidatos. No entanto, muitas pessoas ainda não entendem o que significa, de fato, democratizar a mídia.
Helena Martins, professora do curso de Publicidade e Propaganda da UFC e integrante do Intervozes, o Coletivo Brasil de Comunicação Social, explica o que é esta democratização. “Democratizar a comunicação é criar mecanismos para que mais pessoas, grupos, organizações possam ter acesso aos meios de comunicação, tanto para receber informação mais diversa e mais plural, quanto para produzir informação”, esclarece.
Uma prática muito comum no Brasil, que é proibida em diversos países, é a propriedade cruzada dos meios de comunicação, que acontece quando um único grupo é proprietário de diversos veículos, como jornais impressos, canais de televisão, emissoras de rádio e portais na Internet. A intenção de quem busca democratizar a Comunicação é, justamente, evitar este tipo de prática, e acabar com estes monopólios e oligopólios da mídia.
Assim, a Comunicação pode se tornar um meio mais diverso, possibilitando que grupos que não detém muito espaço na mídia sejam ouvidos, como mulheres, povos indígenas, universidades e outros grupos da sociedade civil.
Isto possibilita uma maior pluralidade de ideias nos discursos midiáticos e pode evitar questões como a autocensura, definida por Samira de Castro, presidente do Sindicato dos Jornalistas do Ceará (Sindjorce), como a “cometida pelas próprias empresas jornalísticas e os profissionais quando donos ou seus prepostos vetam temas, pessoas e entidades a serem cobertos pelo trabalho jornalístico”.
Para Samira, a qualidade da mídia está relacionada com os temas que são pautados, que devem ser de interesse da população como um todo, mas vai além disso. “Passa também pela questão do financiamento e do modelo de negócios. Como vamos combater notícias fraudulentas se o conteúdo jornalístico produzido com ética e responsabilidade for totalmente fechado a assinantes? Eis uma pergunta que remete à necessidade de um sistema de comunicação tripartite: privado (empresarial), estatal (governamental) e público (da sociedade civil organizada)”, declara a jornalista.
Mas esta discussão sobre os sistemas de financiamento da mídia não se baseia apenas em opiniões pessoais, ela está na Constituição, no artigo 223: “Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal”. Apesar disso, a realidade brasileira é outra. Aqui, o sistema privado é bem maior que os demais.
Aspectos jurídicos
E os sistemas de financiamento não é o único ponto descumprido quando se trata da Comunicação, é o que relata Domingos da Silveira, procurador federal dos Direitos do Cidadão Adjunto, do Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul. “Nós temos, na Constituição, um capítulo inteiro tratando de regras para a Comunicação, mas eu penso que, mesmo depois de 30 anos [em exercício], as regras sobre a Comunicação Social sejam as mais descumpridas de toda a Constituição. Por exemplo, ela fala que não deve haver monopólio e oligopólio, mas o que mais a gente vê nesse país é a profunda concentração das mídias e esta talvez seja a raiz de todos os males”, exemplifica.
Outro ponto muito discutido neste campo se refere às concessões para a mídia eletrônica, que são bastante questionadas, e com razão, segundo Domingos. “Infelizmente, as concessões de rádio e televisão continuam sendo concedidas àqueles que estão próximos do poder, há todo um processo de licitação, mas o que a gente tem visto, ao longo de 30 anos, é que as concessões continuam sendo entregues aos mesmos indivíduos. Atualmente, na procuradoria, nós temos feito um trabalho no Brasil inteiro tentando identificar os políticos com mandato que são detentores de concessão de rádio e televisão, porque quem tem mandato não pode ter concessão pública”, declara.
Apesar destas questões, o procurador acredita que é possível haver regulação da mídia. “A Constituição também estabelece algumas regras interessantes, que possibilitam que a sociedade como um todo, os Conselhos Tutelares e o Ministério Público façam algo que é comum na Europa inteira, que é a regulação. É certo que o ideal seria que a gente tivesse um Conselho de Comunicação Social que cumprisse esse papel regulador, mas nós temos alcançado algumas conquistas através de demandas judiciais, como a da classificação indicativa, ou proibição de conteúdos que sejam atentatórios à dignidade da pessoa humana e outros valores que a Constituição consagra”, comenta Domingos.
A discussão sobre a regulação da Comunicação, inclusive, é algo que rende inúmeras controvérsias. Em especial, pelo fato de muitos acreditarem que regular é semelhante a censurar, o que descarta Helena Martins. “No caso da censura, antes mesmo dos conteúdos serem veiculados, eles são barrados; já no caso da regulação não, os conteúdos podem ser veiculados e, caso eles não respeitem a regulamentação, eles podem ser responsabilizados. Essa regulação é algo super comum, diversos países possuem, como os Estados Unidos, Alemanha, França, Inglaterra. Aqui a gente tem muita dificuldade de fazer esse debate por conta desse fantasma que paira sobre a Comunicação, e que foi colocado, obviamente, por quem não quer discutir sobre os meios de comunicação e não quer pensar como eles poderiam ser mais plurais”, afirma a professora.
Helena também explica o que é a regulação e algumas formas de como esta regulação pode ser identificada. “Regulamentar significa detalhar a lei, por exemplo, seria definir os percentuais do que configura monopólio e oligopólio. Existem vários tipos de regulamentação, como a de posse, que é o caso que eu citei, ou a da propriedade cruzada, que existe, inclusive, nos Estados Unidos. Outro tipo de regulamentação é a de conteúdo, quando eu digo, por exemplo, a partir de um debate público e fixo socialmente, que não pode haver propaganda de cigarro, ou que ela deve conter outras informações, como as substâncias que existem no cigarro, isso é regulamentação de conteúdo”, exemplifica.
Ambiente virtual
Devido a esta falta de pluralidade na grande mídia, muitas pessoas recorrem à Internet como alternativa para ter contato com outras opiniões e informações às quais não teriam acesso de outra forma, é o que destaca Helena Martins. “A Internet é interessante porque é um canal que permite que mais vozes circulem, já que não tem, por exemplo, a necessidade de concessões, que é algo limitado. Por muito tempo, ela se apresentou e foi tomada como um espaço de democratização das vozes, de construção e visibilização de outras narrativas”, afirma.
No entanto, este suporte também tem seus perigos e riscos, seja por causa das Fake News, tão debatidas recentemente, seja por causa da concentração de informação, que também tem sido vista na Internet, como nas redes sociais e nos portais de notícias.
Domingos da Silveira faz um alerta em relação a esta questão. “A maior parte da receita publicitária da Internet vai para dois ou três sites que são, não por acaso, de empresas de Comunicação. Então o que a gente vivia há 20 ou 30 anos, a gente continua vivendo, sob o signo da concentração das Comunicações”, alerta o procurador.
E para a professora Helena Martins, esta situação ainda está bem longe de ser modificada. "Infelizmente no Brasil falta, em primeiro lugar, que essa pauta seja reconhecida como central por parte do conjunto da sociedade. Em segundo lugar, falta vontade política para que isso aconteça. Muitas vezes o Estado acaba desenvolvendo uma parceria com os meios de comunicação para que eles mantenham suas lógicas de poder, se beneficiando do Estado, em um processo de troca mútua. Seria muito importante que o Estado tivesse capacidade e coragem de enfrentar os interesses desses grandes meios de comunicação e pautar a democratização”, expõe.
O Coletivo Intervozes recentemente realizou uma pesquisa sobre concentração e diversidade na Internet e, a partir disso, construiu o projeto Monopólios Digitais.
Reportagem feita por Maryana Lopes com orientação de Carolina Areal