19/09/18

Entenda a discussão sobre porte de armas no Brasil

Operação Vulcão destruiu 8.549 mil armas em uma cerimônia realizada em julho deste ano no Rio de Janeiro (Foto: Bruno Albernaz/G1)

A sensação de medo para as pessoas é constante. Em 2016, o Brasil obteve a maior taxa de homicídios nas últimas quatro décadas. Foram registradas mais de 60 mil mortes em um ano, segundo o Atlas da Violência 2018.

Neste cenário, uma parcela da população acredita que o Estatuto do Desarmamento falhou na tentativa de diminuir os índices de violência e tirou dela o direito de autodefesa. Essas pessoas defendem a flexibilização da lei. Do outro lado, existem as que lutam pela continuidade do estatuto.

Sancionado em 2003, pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Estatuto do Desarmamento regulamentou a compra e posse de armas no País. Porém, em 2005, através de um referendo, foi derrubada uma das propostas do estatuto, a que proibia o comércio de armas e munições. Dessa forma, a venda continuou legal, mas com critérios rigorosos.

No Brasil, existem dois sistemas de registros de armas, o Sigma (Sistema de Gerenciamento Militar de Armas) do Exército, e Sinarm (Sistema Nacional de Armas) da Polícia Federal. O Sigma é exclusivo para porte de armas de militares, mas também atente a civis como caçadores, atiradores ou colecionadores. No Sinarm existem duas possibilidades: o porte (direito de transitar com a arma) e a posse (direito de ter uma arma em casa) para pessoas que comprovem necessidade para o exercício de atividade profissional de risco ou de ameaça à sua integridade física.

O presidente do Instituto Defesa Lucas Silveira é um dos apoiadores da revogação do Estatuto do Desarmamento (Foto: Reprodução/Internet)

O presidente do Instituto Defesa Lucas Silveira é um dos apoiadores da revogação do Estatuto do Desarmamento (Foto: Reprodução/Intituto Defesa)

Opiniões sobre o Desarmamento

Comprar uma pistola ou revólver em uma loja de artigos esportivos e avistar propagandas de armas em revistas e jornais era algo comum no Brasil antes da Lei do
Desarmamento. De 1980 até 2003, as taxas de homicídios subiram em ritmo alarmante, com taxa de 8% ao ano. Em 2003, ainda no período anterior a Lei do Desarmamento, foram 36,1 assassinatos para cada 100.000 habitantes, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Hoje, existem pelo menos três projetos legislativos, além de propostas no Congresso, para alterar ou extinguir o estatuto através de plebiscito. Em 2017, a segunda proposta com maior procura do Disque Câmara foi a Projeto de Lei 3722/2012, que tenta revogar o estatuto do desarmamento. Com 861 manifestações a favor e apenas sete contrárias, o PL só perde para a PEC 287/2016, que reforma a Previdência Social, com 1.100 manifestações.

Além de projetos no Legislativo e no Congresso, surgiram grupos na sociedade civil que discordam do Estatuto. Um dele é o Instituto Defesa, uma organização não governamental e sem fins lucrativos , com sede em Curitiba (PR), que coordena a Campanha do Armamento. O presidente do Instituto Defesa Lucas Silveira fala que o Estatuto do Desarmamento fez "a falsa promessa de diminuir os casos de homicídios violentos e, após o desarmamento, houve um aumento desses crimes". Lucas Silveira diz ainda que "ela foi proposta por ninguém menos que Renan Calheiros, criminoso contumaz, foi aprovada pela égide do Mensalão, é ilegítima por não ter respaldo popular e é ineficaz”.

Segundo o Mapa da Violência de 2015, desde a sua implementação em 2003, o Estatuto do Desarmamento salvou mais de 160.000 vidas. É o que também diz o jornalista e pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência da UFC (LEV) Ricardo Moura. Ele explica que a atual lei não é rigorosa, mas limita a circulação de armas no país. “Se a gente tivesse uma venda indiscriminada de armas de fogo, essa situação fatalmente estaria ainda pior”, explica.

Em entrevista para a BBC, o criminologista Anthony Gunter da Universidade de East London fala que o ‘boom’ da criminalidade em Londres está associado às políticas de austeridade do governo que cortaram gastos com o financiamento de programas assistenciais (Foto: Reprodução/iStock, Getty Images)

Em entrevista para a BBC, o criminologista Anthony Gunter da Universidade de East London fala que o ‘boom’ da criminalidade em Londres está associado às políticas de austeridade do governo que cortaram gastos com o financiamento de programas assistenciais (Foto: Reprodução/iStock, Getty Images)

Para Lucas Silveira, "o porte de armas não é a solução para a violência, mas gera uma externalidade positiva contra a violência". Ele cita o caso da Inglaterra que, em 1996, proibiu o porte e a posse de armas por civis e houve aumento no número de assassinatos no país. “O desarmamento não funciona. Eu, por exemplo, imagino que bandido não possa ter armas, que pessoas despreparadas não podem ter armas, que as armas sejam usadas para a defesa. É claro que todo mundo pensa isso, mas o fato é que temos que colocar os pés no chão e compreender que aquilo que se propõe na legislação [brasileira] não tem a externalidade positiva”, comenta.

No caso do Reino Unido, o criminologista Anthony Gunter da Universidade de East London, em entrevista à BBC,  fala que "o boom da criminalidade em Londres está associado às políticas de austeridade do governo que cortaram gastos com o financiamento de programas assistenciais" e não teria relação com a proibição do porte de armas de fogo.

Para Ricardo Moura, jornalista e pesquisador do LEV, o discurso populista que as armas ajudam na segurança das pessoas precisa ser quebrado. “O sistema de justiça não está operando da forma que as pessoas esperam e isso gera uma sensação de insegurança muito grande. Mas isso é uma questão muito complexa que envolve políticas de assistência social, políticas de prevenção ao uso de drogas, então, são uma série de ações que não se resume a segurança pública”, explica.

Foto: Nilson Corrêa/JC

“Está havendo um inchaço nos clubes de tiro. Pessoas registradas e se associando em clubes de tiro para ter acesso às armas de forma facilitada”, comenta pesquisador Ricardo Moura (Foto: Nilson Corrêa/JC)

Contornando o Estatuto do Desarmamento

Nos últimos anos, a quantidade de pessoas com porte de armas tem aumentado. Segundo dados do Instituto Sou da Paz, por meio da Lei de Acesso a Informação, o número de registros quintuplicou entre 2008 e 2017: de 6.260 para 33.031. Desde 2016, o Exército vive uma alta no número de registros dos chamados CAC`s, sigla para denominar registros de caçadores, atiradores e colecionadores. Em 2016, foram 20.575 registros e, no ano seguinte, 36.449. E neste ano, de janeiro ao início de agosto, já foram 32.016 liberações do porte de armas.

Para o jornalista e pesquisador Ricardo Moura, o sistema do Exército possui critérios mais simples e mais acessíveis para se ter uma arma. “Está havendo um inchaço nos clubes de tiro. Pessoas registradas e se associando em clubes de tiro para ter acesso às armas de forma facilitada”, comenta.

Em comunicado para o site UOL, em outubro de 2017, o Exército afirmou que não existem estudos que apontem a alta no número de solicitações. O Exército esclarece que caso o cidadão siga as regras para obter o registro, ele possui o direito de ter a autorização. "Qualquer cidadão pode requerer, junto ao Exército Brasileiro, o Certificado de Registro (CR) para CAC, para tanto deve atender às condições impostas na seguinte legislação. Cumprido todos os requisitos, terá o direito à concessão do CR e poderá exercer a atividade de CAC", informou a nota.

Reportagem de Mariane Silva com orientação de Carolina Areal

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