É muito difícil encontrar uma criança que não goste de animações. Sejam em filmes ou séries, os universos coloridos e personagens carismáticos que vivem grandes aventuras todos os dias são extremamente atrativos para os pequenos. No entanto, ao contrário do que pensam muitas pessoas, as animações não são exclusivas do público infantil.
A partir dos anos 1940, estúdios como a Disney e a Warner Bros trabalhavam com animações feitas para crianças, mas cuidadosamente inseriam um subtexto que só conseguia ser entendido pelos adultos. A ideia era de produzir um entretenimento que fosse atrativo para toda a família.
Mas foi só no fim dos anos 1980 que se iniciou um processo de produção de séries animadas com uma classificação indicativa mais alta, exclusivamente voltadas para o público adulto. O principal precursor dessa leva de animações para adultos foi Os Simpsons, produção estadunidense que estreou no Brasil em 1991. Desde sua estreia, Os Simpsons se tornou a série de TV animada com mais tempo no ar, chegando a sua 30ª temporada em 2018.
Para o premiado quadrinista brasileiro Daniel Brandão, o maior êxito de Os Simpsons é conseguir retratar o cotidiano dos cidadãos estadunidenses. “Convivi com muitos americanos e reconheci seu modo de vida retratado no tom crítico e satírico da série. Os Simpsons tem um roteiro genial, mostrando como o cidadão médio pensa a vida, a família e o trabalho”, comenta.
A série Rick and Morty traz as aventuras de Morty com seu avô Rick, um cientista louco com problemas de alcoolismo (Foto: Reprodução/Internet)
Já a estudante de jornalismo da UFC Isabela Santana é fã de séries animadas como Uma Família da Pesada, American Dad, Bob’s Burgers e The Cleveland Show. Ela ressalta algumas características que se destacam nas produções animadas voltadas par adultos. “Elas possuem temas mais complexos e políticos. A forma como eles tratam de assuntos cotidianos com humor, na maioria delas até um humor negro, gera um entretenimento crítico que me agrada”, explica.
No caso de Gabriel Franklin, do Iradex Podcast, animações com elementos da ficção científica, como Rick and Morty e Final Space, também trazem questionamentos interessantes. “Elas abordam temas mais abrangentes sobre a vida e o universo. Rick and Morty questiona e pressiona os limites do universo do jeito que o conhecemos ou o imaginamos. Já Final Space faz referências à ficção científica clássica, falando muito sobre solidão e pertencimento”, afirma.
POLÊMICA
No dia 31 de maio de 2018, a Netflix anunciou o lançamento de sua primeira animação feita no Brasil, Super Drags. Criada por Anderson Mahanski, Paulo Lescaut e Fernando Mendonça, e produzida pelo Combo Estúdio, a história envolve três amigos que durante o dia trabalham em uma loja de departamento e de noite se transformam em drag queens super-heroínas que combatem o crime.
Antes mesmo da estreia, a série foi alvo de críticas. A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) lançou uma nota pedindo à Netflix o cancelamento da série, alegando existirem “riscos de se utilizar uma linguagem eminentemente infantil para discutir tópicos próprios do mundo adulto, o que exige maior capacidade cognitiva e de elaboração por parte dos espectadores”.
Super Drags não possui data específica de estreia, mas chega à Netflix ainda em 2018 (Foto: Netflix)
Considerando as inúmeras produções anteriores a Super Drags que já eram voltadas exclusivamente para o público adulto, o posicionamento da SBP foi visto como reforçador do estereótipo de que os desenhos animados são necessariamente infantis, como ressalta o quadrinista Daniel Brandão. “É uma afirmação perigosa e preconceituosa. A animação é uma linguagem onde cabem todos os gêneros, todos os temas e todas as faixas etárias. Nela você pode explorar temas absolutamente fortes e profundos”.
A polêmica aponta também para a responsabilidade dos pais nessa questão, como defende a estudante Isabela Santana. “Animações adultas já existem a tempo suficiente para que as pessoas saibam que elas podem sim ser voltadas para o público adulto. Ainda que as crianças se sintam atraídas pelas formas e cores, é tarefa dos pais verificar o conteúdo que os filhos assistem”.
A própria Netflix se pronunciou sobre a polêmica, de forma bem humorada. Com um vídeo publicado em seu canal do Youtube com participação da personagem Vedete Champagne, o serviço de streaming fez piada da situação e reforçou que a produção era direcionada ao público adulto, com classificação indicativa para maiores de 16 anos.
Diante desse cenário, o podcaster Gabriel Franklin ressalta que, mesmo em diferentes níveis, as animações podem ser consumidas tanto por crianças quanto por adultos. “Muitas vezes elas têm um aspecto infantil, mas trazem uma mensagem captada apenas pelo adulto. Ela pode ser vista em camadas, com a criança captando uma camada mais rasa e o adulto uma mais profunda”.
A história de amor e música contada em Chico & Rita rendeu ao filme a indicação à Melhor Filme de Animação no Oscar 2012 (Foto: Reprodução/Internet)
RUFM Indica
Ficou curioso e deseja conhecer algumas animações de diferentes países voltadas para o público adulto? Confira nossa lista:
A Ganha Pão (Canadá, 2017)
A coprodução de Canadá, Irlanda e Luxemburgo, indicada ao Oscar de Melhor Animação em 2018, apresenta a vida da jovem Parvana, uma garota que vive com sua família no Afeganistão dominado pelas forças do Talibã. Seu pai é preso injustamente e a protagonista se disfarça de homem para poder trabalhar e sustentar sua família, enquanto tenta descobrir o paradeiro de seu pai. Contando a história do ponto de vista de Parvana e não tendo medo de mostrar a violência, o filme consegue criar uma atmosfera de tensão e envolver o espectador.
Chico & Rita (Espanha, 2010)
Dirigida pelos espanhois Fernando Trueba e Javier Mariscal, a animação se passa nos anos 1940, em Cuba. O casal que dá nome ao filme ama a música, ele possui um talento tocando piano e ela encanta com sua voz. Nas idas e vindas da vida, o relacionamento de Chico e Rita tenta resistir aos ciúmes e à fama. A animação é delicada, com o traço cartunesco e caricato transbordando a emoção dos personagens.
Akira (Japão, 1988)
A adaptação japonesa do mangá de mesmo nome é uma das produções essenciais do gênero cyberpunk. Situada em 2019, o filme apresenta a Neo Tóquio, uma nova versão da capital do Japão que foi destruída após uma explosão em 1988. O filme apresenta Tetsuo Shima, membro de uma gangue de motoqueiros que se envolve em experimentos do governo. A produção foi revolucionária, porque introduziu novas técnicas que não eram utilizadas em animações e foi responsável por popularizar as produções japonesas no Ocidente.
Uma História de Amor e Fúria (Brasil, 2013)
A trama de ficção científica acompanha a jornada do Guerreiro Imortal, um homem que viveu diferentes períodos da história do Brasil, desde a chegada dos portugueses em 1500, passando pela Ditadura Militar nos anos 70, até uma guerra pela água que acontece em 2096. Viajando por essas diferentes eras, ele tenta sempre estar com o amor de sua vida, Janaína. O visual é fortemente inspirado pelo estilo das animações japonesas e a dublagem tem Selton Mello e Camila Pitanga no papel dos protagonistas.
Reportagem de Fabrício Girão com orientação de Carolina Areal
