Na segunda parte da reportagem sobre os direitos humanos, vamos abordar os questionamentos que abrangem as garantias fundamentais a todos os indivíduos.
Existe a crítica de que os direitos humanos estão relacionados à defesa de criminosos ou que essas garantias não dão importância e amparo às vítimas da violência. Essa visão negativa dos direitos fundamentais abrange alguns setores da sociedade, principalmente os mais conservadores.
Lúcia Alencar é coordenadora e professora do Instituto Frei Tito de Alencar, além de membro do Comitê de acompanhamento da Sociedade Civil (CASC). Ela comenta sobre o significado pejorativo que alguns grupos sociais dão aos direitos humanos e como eles são associados à proteção de criminosos:
"Sempre que se aponta na sociedade essas questões de cerceamento de direitos, os direitos humanos passam a serem tratados dessa forma. Tem-se uma necessidade massiva de passar o conceito de que ele se restringe à essas questões, quando na verdade é muito além disso aí. É direitos de bandidos também, mas são direitos para você, para mim, para todos nós, para o estudante, para o trabalhador".
Esse pensamento distorcido dos direitos humanos não é algo recente. Desde o Regime Militar no Brasil, algumas esferas sociais tratam o tema de forma depreciativa. A redemocratização e a nova constituição, que ressalta a igualdade de direitos a todos os indivíduos, não foram capazes de modificar esse pensamento contrário às garantias.
Cláudio Silva é ouvidor estadual de direitos humanos e advogado da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap). Ele explica como essa visão equivocada dos direitos humanos na sociedade brasileira se desenvolve e se mantêm até os dias atuais.
"Primeiro uma questão relacionada com a formação social brasileira. Temos uma sociedade muito desigual e os direitos humanos têm uma função de equivalência e de igualdade. Em uma sociedade extremamente desigual como é a sociedade brasileira, é comum que as pessoas tenham uma resistência a essa compreensão. Uma outra razão é uma razão histórica. O que a gente chamou de movimento em defesa dos direitos fundamentais surgiu no final da ditadura militar, que era justamente quando as pessoas defendiam aquelas pessoas que lutavam contra a ditadura militar. Essas pessoas eram vistas, para muitos ainda hoje são vistas, como bandidos, como criminosos. Então essa visão equivocada é trazida para os dias atuais de uma forma generalizada".
Além de todas as críticas que envolvem os direitos humanos, os crimes cometidos contra os defensores dessas garantias também são preocupantes. De acordo com um relatório divulgado pela Anistia Internacional no final de 2017, o Brasil é o país com o maior número de defensores de direitos humanos mortos.
No período de janeiro a agosto do ano passado, 58 pessoas foram assassinadas. Grande parte das vítimas estava envolvida com questões ligadas ao meio-ambiente e às disputas de terra. Na maioria, eram indígenas e trabalhadores rurais sem-terra.
Dois grandes fatores que levam a essa estatística são a falta de políticas públicas e a desvalorização daqueles que lutam pela garantia dos direitos fundamentais. Cláudio Silva, ouvidor estadual de direitos humanos, ressalta a importância do trabalho dos ativistas dessas garantias. Ele também comenta sobre o déficit do governo e da fragilização de políticas que valorizem as garantias e os que lutam por ela:
"Eu entendo que essas pessoas têm um papel fundamental na sociedade. São pessoas que lutam no campo; muitas lideranças indígenas passam por situações de ameaças. Então a sociedade precisa entender que o trabalho dessas pessoas é fundamental para toda a sociedade. Por outro lado, a gente perceber um déficit do Estado de garantir as condições para a atuação dessas pessoas. Existe um programa de proteção específico para defensores de direitos humanos, mas esse programa precisaria ser muito ampliado. Com o atual governo esse programa se fragilizou ainda mais, mas é um programa importante e deveria ser ampliado. Por outro lado, a gente precisa envolver as outras políticas públicas do sistema de justiça na defesa dos direitos fundamentais. Então todo o Estado, por meio de políticas públicas do sistema de justiça, deve se mobilizar para garantir a atuação dessas pessoas que defendem os direitos humanos".
Lutar pelos direitos humanos é uma missão marcada por muitos conflitos e perigos. Foram mais de 3500 ativistas mortos em todo mundo desde 1998, de acordo a Anistia Internacional.
Mas existem alguns caminhos para o respeito à dignidade e aos valores de todos os indivíduos. Entre eles, uma educação voltada ao entendimento dos direitos humanos e a melhor aplicabilidade dessas garantias.
Reportagem de Pedro Silva com orientação de Carolina Areal.