O transformismo tem ganhado bastante destaque na mídia nos últimos anos e mostrado suas diversas formas de interações artísticas, como interpretação, dança e canto. A popularização dessa arte se intensificou a partir do sucesso do reality show estadunidense Rupaul’s Drag Race, que realiza uma competição entre drag queens, iniciado em 2009.
A artista cearense Monstra foi uma das jovens influenciadas pelo programa no início de suas atividades como drag, em 2016. Apesar disso, seu trabalho foi construindo características diferentes do que é apresentado com frequência pelo reality. “Minha montação não é muito convencional, que é mais essa coisa do programa. Ela vai para um outro espectro, que é o que o pessoal chama de queer drag. E aí vai para uma brincadeira não só com o gênero, mas também como o humano, o monstro, e trazendo outros traços no rosto”, explica.
Monstra leva sua expressão drag a diversos caminhos: em peças de teatro, como na participação do Cabaré das Travestidas, onde começou a trabalhar com transformismo; na cena noturna, como bares no bairro Benfica, em Fortaleza, onde trabalha como DJ e performer; e pelas ruas da capital através da festa itinerante Carnaval no Inferno.
Drags cantoras
Em festas como o Carnaval no Inferno, é comum ouvir os maiores sucessos de Glória Groove, Aretuza Lovi, Lia Clark e Pabllo Vittar, drags cantoras com bastante destaque no mercado fonográfico brasileiro. No Ceará, a drag queen Mulher Barbada tem subido aos palcos com cada vez mais frequência, e não apenas para se apresentar pelo coletivo de teatro cearense As Travestidas, mas para se expressar exclusivamente como cantora.
Rodrigo Ferrera, que construiu essa personagem, é formado em Design de Moda e sempre fez questão de questionar em seu curso as questões de gênero. E no trabalho como drag, isso ficou mais forte. “O que eu coloco no meu rosto, no meu corpo, a minha peruca, ela é uma extensão do meu discurso. Aí eu acho muito interessante a Mulher Barbada por causa disso, porque eu escolhi ela, foi meio que no acidente, mas foi nessa tentativa de continuar discutindo gênero por outros caminhos”, conta durante participação no podcast Universitária Entrevista.
Rodrigo reconhece que a figura e o trabalho desses artistas fortalecem um discurso de aceitação à população LGBTI+, mas que ainda há muito o que avançar. “É para além do respeito. É para a criação de políticas públicas mesmo. A gente precisa começar a discutir isso nas escolas, a gente precisa começar a discutir o gênero e a liberdade de expressão de gênero na escola, acho que esse é o começo para as coisas começarem a mudar”, reforça.
Não é de hoje
Antes da popularização e espaço conquistado na mídia pelo transformismo, esses artistas apresentavam sua arte em ambientes específicos e com um público mais segmentado. Como o caso da boate Divine, em Fortaleza, que teve início no começo dos anos 2000 e fechou as portas em 2014.
O ator transformista Júlio César Costa vive Adma Shiva no palco. Com Adma, Júlio conquistou o título de Miss Beleza Gay Brasil em 2014 e trabalhou com apresentações frequentes na boate Divine por mais de dez anos. Hoje, segue com apresentações teatrais com o grupo Divas, formado por transformistas de destaque da boate em seu auge.
Adma Shiva durante a participação do Miss Beleza Gay Brasil em 2014
Ao refletir sobre as mudanças nesse mercado desde seu início, em 2001, Júlio César reconhece que tem sido bem mais fácil ter acesso a materiais para desenvolver a arte transformista, mas lamenta que muitos dos artistas da nova geração tenham ainda pouca maturidade em relação a esse trabalho.
“Ator transformista não é só você se montar uma vez, pôr uma peruca na cabeça, fazer uma maquiagem e pronto. Acho que exige muito mais porque a profissão exige muito mais. Tem que ter compromisso, você tem que saber o que você está levando para o palco, como as pessoas vão enxergar isso, acho que tem que estar dentro de um conceito bem legal até por respeito à plateia”, aponta.
Resistência
Nesse mercado tão múltiplo e com a presença de artistas mais novos, assim como mais antigos, uma reivindicação é comum entre os transformistas do estado. A falta de reconhecimento do trabalho.
Monstra, por exemplo, chama atenção para a problemática de relacionar a maior quantidade de drags presentes nos ambientes ao crescimento do respeito em relação a esse trabalho. “A visibilidade não acompanha a valorização desse tipo de arte. Não quer dizer que porque a gente tem várias drags nas festas e ocupando os espaços, que elas estejam sendo valorizadas. Muitas vezes elas não são bem tratadas. Muitas vezes elas recebem menos do que quem não está montada”, explica. Ela ressalta ainda que muitas vezes os cachês não cobrem o gasto que esses e essas artistas têm com deslocamento, maquiagem e figurino.
E por questões como essa, muitos transformistas acabam sendo limitados no desenvolvimento de suas expressões artísticas. “O fim da Divine causou um grande recesso de alguns artistas. Eu, por exemplo, senti muito porque era um lugar onde você tinha possibilidades imensas de fazer grandes shows, grandes roteiros e que pagava o artista bem legal. Eu sinto falta de espaços que tenham um pouco de atenção com a arte transformista”, lamenta Júlio César Costa.