Em período de festa junina é comum a presença de elementos tradicionais na caracterização do evento. As quadrilhas, as comidas típicas, a fogueira e o forró estão entre os itens que compõem, em grande parte, os festejos. Entretanto, no que diz respeito a música, esse costume vem sendo alterado aos poucos.
Na cidade de Fortaleza, a prefeitura realiza a festa de São João anualmente. O evento público que aconteceu este ano de 14 a 17 de junho, no Aterro da Praia de Iracema, contou com a presença de artistas dos mais variados gêneros. Forró, axé e sertanejo foram ritmos que fizeram parte da festa.
Contudo, o próprio evento provoca alguns debates interessantes acerca da inserção de outros gêneros em um período marcado pela tradição do forró. Em 2017, por exemplo, o São João de Fortaleza recebeu críticas de alguns artistas e de parte do público pela grande valorização e quantidade de cantores da música sertaneja. Na festa, os dois estilos musicais tiveram a mesma quantidade de intérpretes contratados.
Rita de Cássia é cantora e a maior compositora de forró do Brasil. Ela entende que o sertanejo possui um sucesso predominante, mas lamenta a falta de uma atenção maior ao forró e aos artistas locais neste e em outros eventos. “Eu acho errado quando deixam o pessoal do forró de fora e trazem gente de fora. Tem que dá prioridade ao pessoal do forró, porque o São João é forró. É injusto. Nossos artistas da terra ficam de fora dos festejos porque preferem dar prioridade ao artista que vem de outros lugares”, reitera.
A compositora também compreende que a popularidade da música sertaneja colabora para que o gênero consiga estar presente em espaços que até um tempo atrás não fazia parte. “As pessoas gostam de ver quem está na mídia”, comenta. Mais do que isso, a organização e as estratégias de divulgação vem tornando o gênero um verdadeiro bicho-papão no consumo musical, além de colocá-lo como o ritmo mais ouvido em boa parte do país.
O poder do sertanejo nas mídias digitais e nos eventos
Os sertanejos Marília Mendonça e Henrique e Juliano tiveram juntos, nos últimos anos, cerca de 8 bilhões de visualizações de suas músicas no YouTube. Já em aplicativos como o Deezer, a playlist Top Brazil*, com as canções mais tocadas do país, possui 50% de composições do gênero.
O crescimento do sertanejo também pode ser entendido pela ótica da espetacularização de seus eventos. Grandes festivais voltados ao ritmo, como o Villamix, que acontece em diversos pontos do país durante todo o ano, são caracterizados pela instalação de grandes estruturas, ingressos que podem chegar a mais de R$ 500,00 e a presença de artistas com os cachês mais caros do país.
Para o professor do Departamento de Música da Universidade Federal do Ceará (UFC), Pedro Rogério, a evolução do sertanejo está ligada a esses fatores. “São grandes espetáculos. É muito dinheiro envolvido. Não estou fazendo um juízo aqui que a qualidade da música seja melhor ou pior. Não é isso. Mas é claramente um fenômeno de mercado”, comenta.
*A playlist Top Brazil é atualizada diariamente. Os dados coletados são do dia 15/06/2018.
O que o sertanejo tem de diferente?
A hibridização do gênero, por exemplo, com outros ritmos, como o funk, faz com que o sertanejo atinja públicos cada vez mais diferentes. Gustavo Alonso, professor do Departamento de Design do curso de Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e autor da tese Cowboys do Asfalto: música sertaneja e modernização brasileira, entende que a união do sertanejo com outros movimentos é o carro-chefe para a hegemonia no cenário musical brasileiro.
"A música sertaneja sempre se predispôs a essa incorporação. Ela nunca se colocou limitada nesse sentido de desbloquear os hibridismos, as comunicações. Então, acho que me parece que a ampliação do sucesso da música sertaneja e a sua constante incorporação de gêneros explica em grande parte esse grande sucesso”, conta Gustavo Alonso.
Outro quesito ressaltado e que se incorpora a essa mistura de ritmos são as letras presentes nas composições. Com versos fáceis de serem decorados e temáticas que variam da ilusão amorosa até a ostentação de bens materiais, o gênero musical mais ouvido do país cai rapidamente no gosto do grande público e contribui para a produção de novos hits.
Para a cantora Aryanne Lima, essa é uma das fórmulas que garante a popularidade do sertanejo onde trabalha, na cidade de Teresina. “Acredito que a aceitação tem sido muito boa, por conta das letras. As músicas, geralmente, são muito chicletes. Ficam na cabeça. Você não consegue parar de cantar. E como tem muita gente trabalhando nesse sentido, acaba que todo mundo sabe de pelo menos uma ou duas músicas”, ressalta.
A hegemonia deve continuar
Esses elementos que compõem a música sertaneja podem ser traduzidos na popularidade de seus integrantes. Exemplo disso está presente em um levantamento realizado pelo jornal Folha de São Paulo no final de 2017. De acordo com a publicação, dos 20 artistas mais ouvidos no Brasil, 40% pertencem ao sertanejo. E, ao que tudo indica, esse número deve se manter em 2018.
É fato que não se sabe ao certo por quanto tempo o reinado do sertanejo irá durar na música brasileira. Entretanto, a cada nova produção e a cada artista que surge, o gênero mostra a sua força em um mercado cada vez mais aberto às suas novidades.
Reportagem de Pedro Silva com orientação de Carolina Areal.